23.03


“Cujo”
Stephen King
Suma – 2016 – 376 páginas

Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas. Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites. Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto. Nos limites da cidade, Cujo – um são-bernardo de noventa quilos, que pertence à família Camber – se distrai perseguindo um coelho para dentro de um buraco, onde é mordido por um morcego raivoso. A transformação de Cujo, como ele incorpora o pior pesado de Tad Trenton e de sua mãe e como destrói a vida de todos a sua volta é o que faz deste um dos livros mais assustadores e emocionantes de Stephen King.

Tenha uma melhor amiga que te dê livros do King de natal, que foi o que aconteceu comigo aqui! A Ju aqui do Idris me deu um exemplar de “Cujo” da edição Biblioteca Stephen King e o que faltava para eu virar fã de carteirinha do King me foi entregue neste livro. Falo, sinceramente, sem a menor sombra de dúvidas, que é um dos livros mais assustadores do escritor – e não, não tá rolando nenhuma possessão demoníaca como a gente pode até pensar que vai acontecer quando lemos a sinopse (o que pensei com bastante imprecisão e erro). Quando era pequena, já via o filme “Cujo” passar em pedaços na TV e nunca tive coragem de terminar porque tenho um pouco de medo de cachorros por um trauma de infância. Sim, toda trama do cachorro é grande e bastante pesada, mas não é por nenhuma causa sobrenatural.

Mas calma, calma, vamos do começo pra poder explicar melhor: O livro se passa na cidade de Castle Rock (já mencionada em diversos outros livros do autor), no ano de 1981, e ainda paira a sombra de Frank Dodd, um serial killer que foi morto (em outro livro chamado “A Zona Morta”, que se passa cronologicamente ANTES de “Cujo”) e é com ele que temos o elemento sobrenatural da trama porque ele aparece no closet do pequeno Tad Treton, de 5 anos, filho de Vic e Donna, em forma de sonhos bastante sombrios. Sim, na sinopse deste livro temos mencionado um cachorro, uma criança de 5 anos e um “fantasma”. E sabe o que é melhor? Tudo vai se juntar da melhor forma possível em um enredo tão crível que é justamente por isso que tanto assusta: poderia acontecer na cidade de qualquer pessoa. Não estou brincando.

Quando tinha chorado pela última vez? Chorou na noite que Tad nasceu, mas de alívio. Chorou quando o pai morreu, após lutar pela vida com todas as forças nos três dias que se seguiram a um ataque cardíaco, e aquelas lágrimas, derramadas aos dezessete anos, eram como as de agora: queimavam, não queriam brotar, pareciam mais um sangramento do que um choro. Só que naquela idade era mais fácil chorar, mais fácil sangrar. Aos dezessete anos, ele ainda esperava fazer isso muitas vezes ao longo da vida.

Os pais de Tad estão tendo uma vida nova e monótona na pequena Castle Rock: Vic se mudou para a cidade há pouco vindo de New York com a esposa e o filho porque fundou uma agencia de publicidade com seu melhor amigo e acreditou que o estado do Maine era o melhor lugar para manter sua empresa, que estava indo muito bem, até que um caso com uma certa marca de cereal, de uma empresa que é cliente deles, comete um erro grotesco. Vic precisa viajar para New York com seu sócio para tentar solucionar tudo, enquanto sua esposa, Donna, já entendiada naquela cidade pequena, está bastante descontente com ficar sozinha com o filho pequeno. O que Vic não sabe é que Donna esconde algumas coisas, e estas coisas estão começando a se acumularem, prestes a explodirem, colocando o casamento perfeito deles em risco. E sabe o que mais também está dando problemas? O carro de Donna. Eu sei, parece uma informação jogada, mas não, não é.

Enquanto isso, temos a família Camber, formada por Joe, o marido e mecânico, a esposa Charity e o filho Brett, que tem um cachorro imenso chamado Cujo. Joe é um homem bastante grosseiro no seu tratar com a esposa, que logo no começo da narrativa tira a sorte grande e compra um bilhete premiado. Com isso, há basicamente uma negociação aonde ela dá ao marido uma maquina que ele tanto desejava para poder viajar com Brett, o filho, para visitar sua irmã e mostrar um mundo menos machista e educado para o filho, já como ela sonha com afastar um pouco do filho da figura paterna opressora. Cujo, o são bernardo da família, é completamente incapaz de machucar uma mosca sequer, querendo somente correr atrás de um coelho, mas termina caindo em uma toca aonde morcegos estão e infelizmente é mordido por um. Brett ainda nota que algo está errado com o cachorro, mas está tão empolgado e feliz com a viagem que termina deixando isso de lado.

Sentada, Charity percebeu quanto uma pessoa podia ficar assustada e como o medo era um monstro de dentes amarelados, criado por um Deus enfurecido para devorar os incautos e os ineptos. Joe usou as mãos contra a mulher algumas vezes ao longo do casamento, e ela aprendeu. Charity podia não ser um gênio, mas sua mãe não criara os filhos para ser idiotas. Agora fazia o que Joe mandava e raramente discutia. Imaginava que Brett também era assim, mas por vezes temia pelo filho.

Lembram do carro de Donna que estava dando problema? Lembra que Vic iria viajar e ela estaria sozinha com o filho? Lembra que Charity e Brett também viajaram? Então junte as peças e entenda que Donna e Brett estarão sozinhos em uma época que não existia celular em uma fazenda com um cachorro de 90 quilos com hidrofobia (mais conhecida como raiva), cego pela doença e desejo de acabar com tudo ao redor dele. É assim que King constrói uma narrativa sobre os acontecimentos do dia a dia de pessoas muito, muito comuns como eu e como você, que erram e acertam e fazem escolhas nos piores momentos possíveis, sendo jogadas em situações que sequer poderiam imaginar.

Mas aqui me permito ir mais além: se há algo que eu sempre aponto em minhas resenhas do autor é como o fato dele conseguir encontrar o real dentro do sobrenatural. Se ele somente descrevesse criaturas sobrenaturais que querem devorar crianças, palhaços assassinos e pessoas com poderes além do compreensível, ele não seria tão assustador como é, porque o que King sempre faz é colocar pessoas humanas, com emoções humanas, no meio de suas narrativas, e aqui não é diferente: é a raiva e o medo que vão guiando os personagens. Donna tem medo, depois raiva. Tad tem medo, muito medo, do monstro em seu closet. Cujo sente raiva, raiva o tempo inteiro. Charity tem medo do marido e da pessoa que o filho pode vir a ser. O paralelo com a doença de Cujo está aqui, que vai se tornando mais e mais raivoso a medida que a narrativa vai crescendo exponencialmente. King é o mestre do terror, mas, mais do que isso, ele é mestre em monstros humanos e sentimentos que são capazes de despertarem os monstros que temos dentro de nós.

A mente não passava de tontura e fúria. O mundo girava. Donna era as harpias, as três bruxas, a própria encarnação da vingança — não por ela, mas pelo que o cão fizera ao filho. O cabo rachado do taco pulsava como um coração disparado sob as mãos de Donna e sob a fita adesiva que o prendia no lugar.

Toda parte na qual Donna e Tad estão trancados dentro do carro na fazenda com Cujo os atacando é desesperadora ao extremo e muito, muito claustrofóbica. Fazia tempo, muito tempo mesmo, que eu não me sentia tão desesperada lendo algo, aquela vontade de poder mudar o rumo que as coisas estão tomando, aquela urgência de entrar na trama e ajudar os personagens, aquela sensação de desespero por não poder fazer nada e vendo o rumo que as coisas estão tomando. Todos personagens precisam se mover, precisam fazer algo, precisam tomar decisões, enquanto você, leitor, vai se questionando como que pode algo tão simples quanto levar um carro até um mecânico pode dar tão errado assim.

O livro não tem capítulos, ou seja, você tem a sensação de estar tomando uma tijolada de uma vez só e não foi eu que falei isso e sim o próprio King, em uma entrevista que esta edição da Suma traz em suas páginas finais. A Edição, no caso, é a da Biblioteca Stephen King e eu não poderia ter palavras suficientes para indicar estes livros para vocês e sim, eu sei que o valor deles não são baratos, mas a qualidade e o material extra faz toda diferença, como sempre – e preciso explicar que os livros da Coleção Biblioteca King são 6: “Cujo”, “O Iluminado”, “A Hora do Lobisomem”, “A Metade Sombria” (leia a resenha clicando AQUI), “A Incendiária” (leia a resenha clicando AQUI) e “Trocas Macabras” (leia a resenha clicando AQUI). É um livro de tamanho médio, levando-se em conta que King gosta de escrever e descrever diversas situações em detalhes. Não encontrei nenhum erro, seja de diagramação, seja de digitação, e a capa dura emborrachada sempre me ganha, sempre.

No fim das contas, não foi tão ruim assim, foi? Quando o que estava em jogo era a sobrevivência, quando você só podia contar com as próprias fichas, o que sobrava era a vida ou a morte e tudo isso era perfeitamente normal.

Quero aproveitar para falar que não vejo grandes problemas na narrativa para quem tem medo de terror. Acho que este livro é, na verdade, um grande suspense. Não espere demônios possuindo pessoas, não espere entidades em bueiros, não espere cemitérios que ressuscitam pessoas: espere pessoas errando e ferrando tudo. Espere que elas sejam humanas. Também aviso que sou bastante “dura” para achar algo assustador e algumas pessoas podem ter problema com a narrativa em si, mas, se você tiver qualquer envolvimento com livros e filmes de terror, você vai conseguir ler este livro sem problema nenhum.

Para terminar, preciso enfatizar que o grande trunfo de “Cujo” é ser realista. É basicamente uma sucessão de eventos que vão se acumulando, um acontecendo atrás do outro de uma forma que culmina em um dos finais mais tristes que King já escreveu – e leia isso com o peso que temos aqui porque estamos falando de Stephen King, então aumentem o nível de sofrimento e não, não estou falando sobre sangue e tripas e coisas do tipo. É somente triste. Muito triste. De partir o coração porque, no final, você entende que uma decisão errada pode destruir muito mais do que somente relacionamentos.

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