14.06

“A Metade Sombria”
Stephen King
Suma – 2019 – 464 páginas

Após anos esgotado no Brasil, A metade sombria volta às livrarias como parte da Biblioteca Stephen King, coleção de clássicos do mestre do terror em edição especial com capa dura e conteúdo extra.

Criar George Stark foi fácil. Se livrar dele, nem tanto.

Há anos, Thad Beaumont vem escrevendo, sob o pseudônimo George Stark, thrillers violentos que pagam as contas da família, mas não são considerados “livros sérios” pelo escritor. Quando um jornalista ameaça expor o segredo, Thad decide abrir o jogo primeiro, e dá um fim público ao pseudônimo.

Beaumont volta a escrever sob o próprio nome, e seu alter ego ameaçador está definitivamente enterrado. Tudo vai bem. Até que uma série de assassinatos tem início, e todas as pistas apontam para Thad. Ele gostaria de poder dizer que é inocente, que não participou dos atos monstruosos acontecendo ao seu redor. Mas a verdade é que George Stark não ficou feliz de ser dispensado tão facilmente, e está de volta para perseguir os responsáveis por sua morte.

Vou começar contextualizando o livro: em seus primeiros anos como escritor, Stephen King usou um pseudônimo porque as editoras acreditavam que ninguém iria se interessar por mais de um livro do mesmo autor em um espaço de tempo tão curto, já como King escreve bastante rápido (isso é de conhecimento público, já como o autor tem uma capacidade de escrever livros rapidamente): e foi assim que nasceu Richard Bachman, que tinha até mesmo um modelo posando para as fotos de contracapa dos “seus” livros.

Então aqui entra a parte realmente interessante: um homem chamado Steve Brown, um belo de um bookstan (hahaha!) começou a ver semelhanças na escrita entre King e Richard Bachman. Ele entrou em contato com o autor e tudo foi resolvido bastante amigavelmente, com King até mesmo concedendo uma entrevista para o homem. No final das contas, tudo foi revelado e King assumiu realmente usar o pseudônimo. Final feliz, certo? Certo. Mas, para uma mente como a do autor, isso lhe rende uma inspiração: e se seu alter ego não quisesse ir embora e criasse vida? Essa é a premissa de “A Metade Sombra”, que nasceu da experiência do autor com toda situação – porque com King é assim, ele pega todas experiências e transforma em um livrão de terror/suspense!

Os dois casos foram extremamente estranhos, mas o mundo era um lugar estranho. E difícil. E, às vezes, azarado.

Eu vi o filme inspirado no livro muito novinha (Sou fã de terror. Muito mesmo, não é brincadeira!) e tinha uma cena aterrorizante gravada em minha memória (que falarei mais adiante), então comecei a ler com as expectativas altas. Tudo começa com o pequeno Thad, aos 11 anos de idade, ficando seriamente doente com uma dor de cabeça que não melhorava, ao ponto dele convulsionar em um ponto de ônibus. Procurando os médicos, um tumor foi detectado em seu cérebro e uma cirurgia marcada. Mas, como toda boa estória de terror, a reviravolta vem: ao abrir a cabeça do garotinho, seu médico descobre que ele na verdade não tinha um tumor e sim que, ainda durante a gravidez, o feto que vingou (Thad, no caso), havia absorvido um outro feto em uma gestação que se chama “Síndrome do gêmeo desaparecido” (é algo real e mais comum do que a gente pensa!). Ai estava a cena que tanto ficou gravada em minha mente: um olho abrindo dentro do cérebro do personagem (mas no filme a sequência é completamente diferente. Vocês sabem, filmes costumam mudar bastante a ordem das coisas). O médico, vendo a ignorância do pai do seu paciente, decide simplesmente deixar eles pensarem que era um tumor e a vida seguiria completamente normal, já como a cirurgia foi um sucesso. Thad estava sem dor de cabeça e sem o barulho de pássaros que costumava ouvir antes de suas terríveis crises.

Anos se passam e encontramos Thad casado, com filhos gêmeos e tentando escrever mais um livro, trabalhando como escritor, que era seu dom desde pequeno. O seu primeiro livro teve bastante sucesso, o que não se repetiu no segundo, o forçando a entrar em uma depressão que o levou a beber (junto com alguns dramas em seu casamento com Liz, que perdeu gêmeos de uma primeira gravidez em um aborto), e então veio a ideia de ter um pseudônimo: George Stark. Depois de 4 livros lançados, o “autor” se tornou bastante conhecido e também tendo sucesso em seus livros. Mas o ponta pé inicial do livro é justamente a experiência que King viveu: um jornalista descobre que George é um pseudônimo de Thad, mas, ao contrário da vida real, aqui o personagem decide chantagear Thad, que reage concedendo uma entrevista e um ensaio fotográfico “enterrando” o pseudônimo, que escrevia livros muito mais violentos do que ele próprio. Final feliz, certo? Errado. Muito errado.

Quanto mais ele corria até o problema, querendo atacá-lo com as próprias mãos, desmantelá-lo, destruí-lo, mais rápido o problema recuava, até deixá-lo ofegante e sem ar, com as falsas ondulações rindo da sua cara no horizonte.

Assassinatos começam a acontecer, todos relacionados a Thad, que tem suas digitais encontradas nos locais das brutais (e descritos com bastante clareza, no livro) mortes. A medida que a trama vai se desenrolando, o som de pássaros voltam a atormentar Thad, que começa questionar sua sanidade ao creditar todas aquelas atrocidades que estão acontecendo é culpa de George – mas como alguém que não existe pode estar cometendo crimes brutaria por ai? É ai que entra o melhor mérito do livro: fazer com que o personagem se questione sobre um lado dele que seja sombrio, justamente a sua metade sombria. A pergunta toma proporções maiores quando nós, os leitores, paramos para pensar sobre nossas próprias metades sombrias, aquela parte nossa, enterrada lá no fundo,que gostaria de se vingar de todos que nos ferem e atrapalham nossos objetivos, mas que, por moralidade, enterramos. Isso significa que essa parte de nós não existe? Não mesmo, ela existe, e é isso que difere as escolhas morais entre quem comete crimes e quem não.

Contudo, tenho que assinalar que o livro parece não avançar na trama por várias partes. Por várias e várias páginas parecia que o livro se concentrava tanto em deixar Thad com a sensação de que estava enlouquecendo que se tornou redundante para mim – eu entendi que o personagem estava estressado, com um casal de filhos gêmeos recém-nascidos em casa, com medo do livro que ele escrevia com seu próprio nome não ser bem recebido pelo público, com a incerteza de ter “matado” seu pseudônimo em sua mente o tempo inteiro – o que me deixou cansada do drama dele. Queria mais do dilema sobre sua parte sombria e como ele próprio poderia estar fazendo tudo aquilo para simplesmente “se ver livre” dos seus problemas. A violência da trama realmente não me incomodou, mas o círculo narrativo da trama, sim. E ah, um ponto positivo que é na verdade um easter egg: o livro se passa em parte na cidade de Castle Rock, que aparece em diversos outros livros do autor, além de ser palco para a série homônima (que foi renovada e mal posso esperar pra s2!), que é muito boa e mistura diversos livros e personagens (Pangborn, o xerife desse livro, está também na série). É interessante ver o quão rico o mundo do autor é, permitindo fazer uma série desse tamanho com uma gama de personagens e ligações que transcende mais de um punhado de livros.

Você acha que sou um monstro, e talvez esteja certa. Mas os monstros de verdade não estão livres de sentimentos. Acho que no fim das contas é isso, e não a aparência, que torna os monstros tão assustadores.

No final, “A Metade Sombria” é um típico livro com a assinatura do Stephen King: aquele tipo de terror que também traz questionamentos diversos (aqui no caso envolve sobre até aonde você poderá ir para acabar com seus inimigos e com o que te impede de deixar florar seus piores instintos), mas não só a trama psicológica, trazendo também, claro, elementos claros de terror. Infelizmente não sou fã da maior parte das explicações de King no quesito “terror da trama”, e aqui não é diferente – mas acredito que depois de ler “O Cemitério” (você pode ler minha opinião sobre o livro lá n página da Editora Suma, aonde participamos da leitura coletiva), todos os livros de Stephen King parecerão “quase” tão bons quanto.

A Edição da Suma realmente dispensa apresentações: o livro tem capa dura emborrachada e tem detalhes absurdamente lindos (como os pássaros que Thad tanto escuta), que faz a coleção do autor que a editora publica se tornar mais essencial para seus fãs, e ainda traz materia extra: o próprio King escrevendo sobre sua experiência que lhe inspirou o livro, tudo em um ensaio de poucas páginas chamado “A Importância de ser Bachman” (olha o trocadilho aqui com Oscar Wild hahaha). Para não dizer que é uma edição impecável, pela primeira vez encontrei um errinho de digitação em um livro da Editora: em uma passagem bem no final do capítulo 3, no lugar de “Liz”, o apelido da esposa de Thad, há “Luz” – um erro bem simples de digitação, na verdade. Para quem ama o autor, indico tanto o livro quanto a edição, que faz parte da Biblioteca Stephen King.

O exemplar do livro foi escolhido para resenha em nossa parceria com a Editora.

Para comprar “A Metade Sombria”, basta clicar no nome da livraria:
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Cultura, por R$ 69,90.
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Martins Fontes, por R$ 84,90.

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