25.12


“Trocas Macabras”
Stephen King
Suma – 2020 – 656 páginas

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Há uma nova loja na cidade. ARTIGOS INDISPENSÁVEIS, diz a placa. Um nome curioso, que se torna tema de rumores e especulações entre os moradores de Castle Rock.

Para cada cliente que entra na loja, Leland Gaunt tem algo perfeito ― um objeto há muito sonhado, desesperadamente desejado. O preço parece sempre razoável, mas vem acompanhado de pedidos estranhos.

O que começa como brincadeiras e pegadinhas inocentes aos poucos sai do controle, transformando a cidade em palco de disputas caóticas e brutais. Mas, quando você encontra um artigo indispensável, como saber se o custo para obtê-lo é alto demais?

Vou começar aqui pela ordem inversa e vou já abrir esta resenha falando sobre o final: esse livro é de 1991 e era tido como “o último livro que falaria sobre Castle Rock”, mas estamos falando sobre Stephen King e seu “Kingverso”: ele é o Rei, literalmente, e ele faz o que quiser, então temos mais histórias com a cidade como cenário sim, além de termos a presença do xerife Alan Pangborn, que já tinha aparecido em “A Metade Sombria” (e eu já resenhei: leia clicando AQUI). Castle Rock, para quem está acostumado com o universo de King, já reconhece o nome: palco de grandes desastres e eventos sobrenaturais, também deu nome a série inspirada no universo de King, que misturou diversos elementos de diferentes livros e que durou apenas duas temporadas, sendo que cada uma contou uma história.

O livro estava esgotado aqui no Brasil e agora voltou com uma edição com material exclusivo (um mapa deliciosamente criado a partir das informações da cidade que, obviamente, não existe) e como parte da Coleção Biblioteca Stephen King da Editora Suma (que ainda conta com os títulos: “Cujo”, “O Iluminado”, “A hora do Lobisomem”, “A Metade Sombria” e “A Incendiária”). Eu sei que muitos acham o valor das edições caras, mas como uma fã, eu digo que vale a pena (sou tão fã que ganhei “Cujo” de presente da Natal da Ju <3). Você pode esperar um cupom em alguma loja ou uma promoção, mas cada centavo que você investe nessa coleção vale a pena: acabamento de primeira, capa dura, sem erros em nenhuma das páginas e tudo perfeitinho para quem é fã de carteirinha. Sério mesmo, vale a pena.

E agora chega de falar demais e vamos o que realmente importa: as trocas macabras – sim, eu fiz este trocadilho!


Você não poderia ter escolhido um dia melhor para voltar a Castle Rock. Não é uma cidade maravilhosa?

A cidade de Castle Rock, no Maine, é alterada com a chegada de Leland Gaunt e sua loja, que é deveras peculiar: ele oferece artigos indispensáveis. E então você se pergunta: “Mas o que seriam esses artigos indispensáveis?” e a resposta é justamente tudo que você acredita precisar. O lugar chega e traz bastante curiosidade para os moradores, que vivem como uma pequena tribo, cheios de costumes para qualquer situação, e a chegada de um novo morador e uma nova loja requer toda uma etiqueta comportamental, afinal, ninguém pode ir visitá-lo tão logo abra sua loja e as pessoas julgarão se o lugar irá vingar na cidade ou não já nas próximas semanas. Mas (sempre tem um “mas”, eu sei) Polly Chalmers, nativa da cidade e que passou anos morando fora, não segue as regras e vai até a loja levando um bolo ao senhor, que é charmoso em todos níveis, ela pensa – mas o leitor fica confuso porque a descrição dele não é lá tão charmosa assim.

Polly tem uma loja de costuras e um relacionamento com o agora viúvo xerife Alan Pangborn, que perdeu a esposa Annie e o filho caçula Todd em um acidente de carro. A mulher morou anos fora da cidade e isso traz muita, muita curiosidade entre os que ficaram morando na cidade, e ela ainda emprega Nettie Cobb em sua casa, que tem um passado trágico: passou 5 anos internada na Instituição Juniper Hill (um sanatório conhecido de outros livros do King) por matar seu marido, depois de aguentar anos de todos os tipos de abuso. Nettie é uma mulher bastante traumatizada e nervosa, ao contrário de Polly, que apesar de ter sofrido bastante na vida, é muito, muito orgulhosa e ciente de si mesma. Polly adora Nettie e deu a ela um cachorrinho, o qual Nettie chamou de Raider e o adora. Só que próximo a casa de Nettie mora Wilma Jerzyck, que não aceita os latidos de Raider e que já chamou a policia por causa disso. Alan, o namorado de Polly, trabalha com Norris Ridgewick, um bom policial magrelo que precisa multar Dan “Buster” Keeton, um dos figurões da cidade e o principal conselheiro, caso com Myrtle, uma mulher que está vendo seu casamento se deteriorar muito rápido diante de seus olhos e sem nem ao menos entender o motivo. Ainda temos Brian Rusk, um garotinho de 11 anos, filho de Cora, melhor amiga de Myra Evans – e aqui eu paro porque acredito que você já entendeu que por ser uma cidade pequena, os personagens todos terminam interligados entre si. Também preciso assinalar que há muitos, muitos outros personagens porque vamos ter uma cadeia de eventos capazes de ligar todos esses personagens de um jeito caoticamente sincronizados e devastador, porque, como você pode imaginar, cada uma dessas pessoas tem um desejo, seja ele necessário ou somente sua crença de que é necessário, e, como isso, todos vão parar eventualmente na loja de Leland, comprando o que querem. Só que, ao pagar, eles não entregam somente dinheiro: eles prometem pregar uma pequena peça em outra pessoa como parte do pagamento.


Para as coisas de que as pessoas realmente precisam, Hugh, a carteira não é resposta. A carteira mais gorda desta cidade não vale o suor da axila de um trabalhador. Pura baboseira! E almas! Se eu ganhasse cinco centavos, Hugh, pra cada vez que ouvi alguém dizer “Eu venderia minha alma por tal e tal coisa”, eu poderia comprar o Empire State Building! — Ele se inclinou para mais perto agora e repuxou os lábios sobre os dentes irregulares em um sorriso enorme e doentio. — Me conte uma coisa, Hugh: o que, em nome de todos os demônios rastejando embaixo da terra, eu poderia querer fazer com a sua alma?

Brian, o menino de 11 anos, é o fio condutor do começo das trocas: colecionador de cartões de beisebol, ele deseja bastante um e logo se depara com o cartão tão desejado nas mãos do Sr. Gaunt. Claro que o garotinho o compra e claro que ele também promete pregar uma pequena pela em Wilma Jerzyck, a mulher que já não gosta de Nettie Cobb… Acho que nem preciso continuar porque você já deve ter entendido perfeitamente bem aonde que isso tudo vai dar porque todo mundo acha que é algo muito simples de se fazer para se ter algo que tanto se deseja.

Aqui temos King em uma história que deixa claro que a ganância das pessoas e a maldade que temos dentro de nós é capaz de sair rapidamente se acreditamos que vamos ter algo que podemos ter. Claro que Leland Gaunt é a personificação do sobrenatural, o fator fantástico da história do Rei do Terror, mas é a mistura da maldade humana com o empurrãozinho que precisamos para “atropelar” qualquer pessoa no caminho para enfim colocarmos a mão no que queremos que reina. Sempre fico bastante investida nos livros e contos de King justamente porque consigo ver esses elementos em cada um dos seus livros mais assustadores. Claro que temos sim, como já mencionou, o mal encarnado na figura de Leland, mas também fica a questão bem simples: se as pessoas conseguissem lidar com seus próprios desejos, alguns ali teriam realmente entrando nessa “troca”? E é isso que sempre me seduz e me faz voltar para o próximo livro de King.


Ela não gostava de mentir para Alan; acreditava que mentiras e amor raramente andavam juntos e nunca por muito tempo. Mas tinha ficado sozinha por um longo período e uma parte dela ainda morria de medo dessa preocupação implacável dele. Confiava nele, mas tinha medo de permitir que ele soubesse demais.

Entendo completamente que “Trocas Macabras” não é o livro mais fácil de King ou indicado para ser a porta de entrada neste universo. A leitura é longa, mas, ao mesmo tempo (pode acreditar em mim), é hipnótica de uma forma que você PRECISA descobrir o que vai acontecer com determinado personagem porque tudo que pode dar errado está dando errado muito, muito rapidamente. Mortes detalhadas acontecem, e aqui temos a pior morte de todas do autor, pelo menos na minha opinião, então se prepare para ter seu estômago embrulhado em algumas cenas bastante gráficas.

Muito se fala também sobre como King não consegue fechar bens seus livros e aqui eu preciso falar duas coisas bastante distintas uma da outra: acho que depois de “O Cemitério”, este é o livro com melhor e maior desenvolvimento até uma conclusão muito, muito satisfatória, mas, ao mesmo tempo, eu fiquei com a sensação de que nem mesmo o próprio King conseguia mais lidar com não fechar a trama do livro e de Castle Rock, já como fica claro no final do livro que ele demorou 3 anos para fechar a trama. Isso não afetou realmente o final dos personagens (acredito que ele deu o final que queria sim), mas, em comparação ao ritmo descritivo e detalhista do começo da obra para a forma como as cenas se cortavam de um ponto de vista para o outro, fica claro que ele acelerou – e, por mim, ele teria acelerado assim em outras partes do livro, único motivo pelo qual este livro não ganhou uma redonda nota 5 estrelas e não se tornou meu livro favorito dele, justamente porque sinto que ele deu as mesmas informações em algumas partes e poderia sim, ter feito o que fez no final da trama.


É exatamente isso. Nos filmes há muito drama e pouca dor. Porque a dor é real demais. A dor é… — Ele soltou os braços dela, pegou um prato e começou a secá-lo. — A dor é brutal.
Alan fez uma pausa e continuou:
Então às vezes eu sinto um pouco de culpa, sim. — Ele achou uma graça amarga no tom defensivo que ouviu na própria voz. — Em parte porque parece cedo demais, embora não seja, e em parte porque parece que me safei com facilidade demais, embora isso não seja verdade. Essa ideia de que preciso sofrer mais ainda está presente parte do tempo, não posso negar, mas, para o meu crédito, sei que é loucura… porque uma parte de mim, muito de mim, na verdade, ainda está sofrendo.
Você deve ser humano — disse ela baixinho. — Que estranhamente exótico e interessantemente perverso.

Seja como for, eu realmente coloco “Trocas Macabras” entre meus livros favoritos de Stephen King agora. Parando para analisar, há 3 anos, eu não conseguia entender tanto o elemento humano nos livros dele como agora e nem pensava que o humano é sim, muito, mas muito mais mesmo, assustador do que qualquer monstro que o mestre do terror seja capaz de imaginar, nem mesmo com a maior troca macabra que seja possível.

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Magazine Luiza.

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