08.12


“A Cova da Minha Irmã”
Robert Dugoni
Pausa– 2020 – 388 páginas

Eles achavam que tudo tinha sido enterrado no passado. Até que os ossos apareceram… Tracy Crosswhite passou vinte anos questionando os fatos em torno do desaparecimento de sua irmã Sarah e do julgamento por assassinato, logo em seguida. Ela não acredita que Edmund House – um estuprador convicto e o homem acusado pelo assassinato de Sarah – seja o culpado. Motivada pela oportunidade de obter justiça de verdade, Tracy tornou-se uma detetive de homicídios da polícia de Seattle e dedicou sua vida para encontrar assassinos. Quando os restos mortais de Sarah são finalmente descobertos perto da sua cidade natal, Tracy está determinada a obter as respostas que sempre buscou. Enquanto procura pelo verdadeiro assassino, ela desvenda segredos obscuros, guardados há muito tempo, que mudarão para sempre sua relação com o passado – e abrem a porta para um perigo mortal.

Não é segredo para ninguém que eu sou a louca do suspense e fantasia aqui no site e claro que já tinha ouvido falar da série Tracy Crosswhite (que ganhará seu 8º volume ano que vem), sendo este o começo da jornada da personagem, destrinchando seu passado sofrido e o que a levou a se tornar a detetive que ela é, enquanto os próximos livros focaram em outras tramas e mistérios. Robert Dugoni ficou famoso com as aventuras de sua personagem detetive com passado sombrio e enfim o livro chegou aqui no Brasil pela Editora Pausa depois de 6 anos de sua publicação original em inglês. Claro que eu fui ler porque não há nada nessa sinopse que eu não goste: mulher protagonista detetive lutando contra o trauma de ter perdido sua irmã da forma como foi, o que já jogou minhas expectativas lá cima e… eu amei o livro, mas amei mais ainda do que pensei que poderia gostar e vou falar pra vocês sem qualquer spoiler, claro.

O grande ponto positivo do livro é realmente Tracy e seu relacionamento com Sarah, sua irmã que era sua melhor amiga, e o livro faz questão de trazer bastante flashbacks mostrando o relacionamento delas anos atrás, ao longo da vida de ambas, até aquela fatídica noite: depois de um evento de tiro ao alvo que as duas participaram, Tracy se sente ofendida com a irmã ter deixado com que ganhasse a competição e vai embora com seu então namorado, deixando Sarah voltar para casa sozinha no carro que ambas estavam. Apesar de não terem brigado, Tracy estava chateada e queria aproveitar a noite com o namorado Ben e assim o fez – eu sei, parece ser somente mais um dia na vida de qualquer dupla de irmãs, mas Sarah nunca volta para casa e claro que a culpa começa corroer Tracy de uma forma que ela larga seu emprego de professora de química para se juntar a polícia, se tornando uma investigadora um tanto quanto obcecada, claro. O trágico aqui é que a vida continua seu curso, parecendo seguir sem separar… e 20 anos se passam sem encontrarem o corpo de Sarah.

Tracy tinha ouvido outras pessoas dizerem coisas parecidas – que Cedar Grove não morreu quando Christian Mattioli fechou a mina e a maior parte da população se mudou. Cedar Grove morreu no dia em que Sarah desapareceu. Depois de Sarah, as pessoas pararam de deixar a porta de casa destrancada e os filhos andarem livremente, a pé ou de bicicleta. Depois de Sarah, pararam de deixar os filhos andarem até a escola ou esperarem o ônibus sem a companhia de um adulto. Depois de Sarah, as pessoas deixaram de ser tão amistosas ou receptivas com estranhos.

Só o começo do livro com essa ideia de sua irmã sumir quando você deveria estar com ela, me causou grande impacto. É um peso enorme que definitivamente quase ninguém sobreviveria e causou bastante a Tracy, que se casou com Ben, o namorado que a levou com ele na noite que deveria estar com Sarah, mas que obviamente o relacionamento não sobreviveu a esse peso. Os pais das duas, James e Abby, também não souberam realmente superar, o que fica claro na narrativa. Parece que a vida inteira de Tracy saiu do lugar com sua decisão de acompanhar Ben e não seguir com a irmã para casa ou insistir mais para Sarah ir com eles, e até mesmo a cidade de Cedar Grave foi bastante afetada com a morte de uma garota que tinha todo o futuro ainda pela frente. E assim tudo continuou até o corpo de Sarah ser encontrado depois de todos esses anos no lugar aonde antes havia um lago, nos arredores de Cedar Grave. Parece que enfim Tracy conseguirá enterrar e irmã e seguir sua vida, não é? Vocês não poderia estar mais errado, leitor, porque isso somente levanta mais questões em Tracy sobre o que realmente aconteceu naquela noite com sua irmã mais nova – e sobre o assassino condenado.

A grande questão aqui é que temos Edmund House, um estuprador que foi julgado e condenado pela morte de Sarah e que nunca entregou o lugar aonde o corpo de sua vítima estava, com a pergunta não respondida: por que é realmente um psicopata que se aproveitou de toda situação para rir da desgraça da família ou por que ele não sabia aonde o corpo de Sarah jazia? E é essa pergunta que começa a tomar mais e mais forma em Tracy a medida que ela volta para Cedar Grave aonde iria enterrar os restos de sua irmã. A forma como o xerife Roy Callaway age a deixa cada vez mais e mais desconfiada de que há segredos que ninguém pode tentar descobrir, a começar pela “confissão” de Edmund, que tem somente o homem como testemunha e nada além disso. Parece bizarro para Tracy e para o leitor também, então você entende a determinação da personagem de tentar revirar um passado que é tão doloroso para ela, mas, assim como a personagem, você também quer descobrir a verdade e isto é o bastante para você investir na trama de cara e entender o drama pelo qual ela passa.

— Sabe aquele caso frio, da idosa em Queen Anne, há cerca de um ano?
— Nora Stevens?
— Você fica incomodado por não saber o que aconteceu?
— Claro que fico.
— Imagine o quanto isso o incomodaria depois de 20 anos, e se fosse com alguém que você amava. Até onde você iria para conseguir respostas?

Já no enterro, a personagem reencontra um amigo de infância dela e de Sarah, Dan, agora um advogado recém-separado, o qual ela contrata para tentar entender o que se passa com Edmund House e se ele realmente é inocente como sempre jura. Contando ao outro todas as informações que vem e escutando que realmente tem um grande motivo para duvidar daquele veredito, a decisão de continuar a investigação vem fácil para Tracy, que vai ficando por sua pequena cidade natal, mesmo já tendo sido avisada para voltar para Seattle, aonde agora mora.

Tracy é o tipo de personagem feminina que tanto amo, mas também sei que se ela fosse uma mulher real, seria taxada como uma verdadeira “bitch” (não por ser, mas porque toda mulher de personalidade forte, que sabe o que quer e como se impor é assim tachada). Ela acredita que o xerife Roy, mesmo prestes a se aposentar, está tentando impedir sua investigação e não para de começar a cobrar favores, se mover na direção que não querem que ela se mova. Tracy está obstinada e nem mesmo colocar sua própria vida na linha de tiro será capaz de parar a sua sede por descobrir o que realmente aconteceu (ainda bem, já como queremos continuar com ela nessa jornada). Você consegue entender o sofrimento dela porque você vê o relacionamento dela com sua irmã, dando uma profundidade que não esperava ao relacionamento delas – claro que sabia que elas eram próximas por serem irmãs, mas a forma como foi contado tudo deixa o leitor com um buraco no peito ao entender o que Tracy perdeu em sua vida e você torce pela personagem, e torce muito mesmo.

— Depois de 10 anos usando todo o meu tempo livre para ler transcrições e caçar testemunhas e documentos, uma noite eu me sentei, abri as caixas e percebi que tinha examinado todos os registros e interrogado todas as testemunhas. E tinha chegado a um beco sem saída. A menos que encontrassem o corpo de Sarah, eu não tinha para onde ir. Foi uma sensação horrível. Senti como se tivesse falhado com ela de novo, mas é como você disse: o mundo não para de rodar por causa do nosso luto. Um dia você acorda e percebe que tem que seguir em frente porque… bem, o que se pode fazer? Então eu guardei as caixas num armário e tentei seguir com a vida.
Ele tocou a perna dela.
— Sarah gostaria que você fosse feliz, Tracy.
— Não era possível eu me enganar — ela disse. — Não passava um dia sem que eu pensasse nela. Não passava um dia sem que eu me sentisse tentada a pegar aquelas caixas, sem que eu pensasse ter deixado de notar algo, ou que devia existir mais alguma pista. E então, eu estava sentada no meu trabalho e meu parceiro me informou que tinham encontrado a cova dela. — Tracy exalou. — Você sabe quanto tempo eu esperei que alguém me dissesse que não sou uma louca obcecada?

A trama acontece muito, muito rápida e também quero assinalar aqui que fiquei surpresa com a agilidade que o autor conduz tudo. Não sei quanto tempo ele levou entre criar a trama e a colocar no papel, mas a forma como ele me fez me pegou de surpresa porque apesar de ser uma trama repleta de reviravoltas e bastante motivações inesperadas, complexa em suas motivações e desfechos, há um número concreto de personagens envolvidos e nada, absolutamente nada, foi deixado de lado e nenhum personagem ficou apagado sem ter seu tempo para falar e expor tudo que aconteceu para o levar até ali. O brilho da trama realmente fica no relacionamento entre Tracy e Sarah, mas não pense que os outros ficam esquecidos porque não acontece isso mesmo – principalmente com os personagens não tão bons assim.

Não quero falar sobre a construção dos vilões em “A Cova da minha irmã” porque não quero de forma alguma estragar a experiência de vocês ao lerem o livro, mas preciso falar que aqui temos aquela finíssima linha moral que guia qualquer ser humano: o que você pretende fazer para proteger alguém que você ama? Eu realmente não posso entrar muito no assunto, mas talvez a vilania que o livro apresente aqui não seja realmente a vilania que estamos acostumados a esperar em um caso desses – mas, claro, há um vilão com motivações torpes também, afinal, Sarah está morta e seu corpo foi somente descoberto por um acaso do destino. Parece confuso, eu sei, mas quando você terminar de ler, você vai entender o que eu quis dizer e, principalmente, vai se questionar exatamente o que você faria naquela situação. Quando o livro se fecha, você sente por Tracy e se questiona como ela ficará porque a estória é… UAU.

— Tracy — ele disse. — Cuidado. Às vezes, é melhor que nossas perguntas não tenham respostas.
— Não sobrou ninguém para se machucar, DeAngelo.
— Sobrou, sim — ele disse, dando-lhe mais um sorriso gentil ao recuar e fechar a porta.

A Editora Pausa foi uma grata surpresa para mim. Foi meu primeiro contato com ela e um livro do selo, e não encontrei erros de digitação e nem de grafia, além do livro ter uma boa impressão, páginas amarelas e de boa qualidade, além do preço não ser além do que já estamos “acostumados” a pagar em um livro de suspense. Realmente é uma editora para ficarmos de olho nos próximos lançamentos e eu definitivamente farei isso mesmo.

Por fim, terminando essa resenha quase sem nenhuma informação sobre a trama em si, sei que o título do livro pode afastar algumas pessoas, afinal, “A Cova da minha irmã” é uma frase bastante intensa, mas é a tradução literal do título em inglês e não poderia deixar de apontar que sim, faz todo sentido dentro da trama e no contexto de que foi na cova de Sarah que Tracy basicamente nasceu com sua personagem dura e com uma culpa terrível que carregou por 20 anos – e que talvez, só talvez, no final desta jornada, encontre algum tipo de paz consigo mesma. Ou não. Seja como for, eu realmente vou ler os próximos livros e estou torcendo para a Pausa trazer mais Tracy para minha vida, agora não mais na cova de sua irmã.

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