Resenha: A fúria do assassino (A Saga do Assassino #3) – Robin Hobb
“A fúria do assassino” (A Saga do Assassino #3)
Robin Hobb
Tradução: Jorge Candeias
Arte de Capa: Alceu Chiesorin Nunes
Suma – 2025 – 760 páginas
Depois de matar o próprio pai ― o rei Shrewd ―, e com o herdeiro Verity desaparecido, o príncipe Regal assumiu o trono dos Seis Ducados.
Submetido a torturas e maus-tratos a mando de Regal, Fitz foi deixado à beira da morte, e todos acreditam que ele não resistiu. A conexão com seu lobo, porém, está mais forte do que nunca. Com sede de vingança, Fitz parte para Vaudefeira, onde agora Regal reside, após abandonar os Ducados Costeiros à sua própria sorte. Fitz só tem uma missão: assassinar o homem que destruiu seu mundo.
Último volume da trilogia A Saga do Assassino, A fúria do assassino é a conclusão arrebatadora do arco pessoal de Fitz e um desfecho notável para os diferentes conflitos desenvolvidos ao longo da série.
Há tanto que quero falar sobre este livro e o final desta cultuada trilogia de alta fantasia que sinto que poderia escrever uma tese sobre, mas me permitam descrever minha principal sensação a princípio: frustração. E aposto que não será da forma como vocês esperam porque sim, a trama entrega tudo que vocês puderem imaginar: muito tiro, porrada e bomba como eu esperava, muita trama, momentos satisfatórios, mas estamos em uma trama adulta, refletindo um vilão que matou o pai e tentou de tudo para se perpetuar no poder com um herói que sofreu mais do que qualquer um espere ao começar a leitura – juro, de verdade, pra valer, acho que Fitz se tornou o protagonista mais sofrido de todos que já li na vida – mas que termina sendo… ele, com todos defeitos e qualidades. Fica comigo que você vai entender o que quero dizer até o final desta resenha.
Preciso também relembrar que esta trilogia foi publicada em seu original em inglês entre os anos 1995 e 1997, já tendo ganhado versões aqui no Brasil pela Editora Leya. Agora em sua nova casa, a Editora Suma (minha Editora favorita da vida!), a trilogia “A Saga do Assassino” ganhou novas edições, com novas traduções e também novas capas (bem mais atrativas, confesso). A tradução agora não traduz os nomes dos personagens, que neste universo, basicamente trazem traços de suas personalidades ou até mesmo determinam seus destinos – já falei sobre isso nas resenhas do volume 1 e 2 e vocês podem lê-las clicando AQUI e AQUI, respectivamente). Claro que para falar deste livro, precisarei falar sobre GRANDES SPOILERS do que acontece nos outros livros, então se você deseja ler o livro, recomendo sair desta página. Se você ficar, vem comigo porque tem muito, mas muito mesmo, pra gente conversar sobre.
Um homem tem que ter um propósito na vida. Sei disso agora, mas levei os primeiros vinte anos da minha vida para aprender. Nisso dificilmente me considero único. Ainda assim, é uma lição que, uma vez aprendida, permaneceu comigo. Assim, com pouca dor para me ocupar nesses dias, procurei um propósito para mim. Voltei-me para uma tarefa que tanto lady Patience quanto o escriba Fedwren haviam defendido fazia muito tempo. Comecei estas páginas como um esforço para escrever uma história coerente dos Seis Ducados. Mas achei difícil manter a mente fixa num único tema durante muito tempo e, portanto, me distraio com tratados menores, com minhas teorias de magia, com minhas observações de estruturas políticas e minhas reflexões sobre outras culturas. Quando o desconforto está no auge e não consigo classificar meus próprios pensamentos bem o suficiente para escrevê-los, trabalho nas traduções ou tento fazer uma gravação legível de documentos mais antigos. Ocupo minhas mãos na esperança de distrair minha mente.
Quando o segundo volume, “O Assassino do Rei” termina, temos a certeza de que Fitz está morto. Quero dizer, tanta certeza quanto uma alta fantasia pode nos entregar, mas todos os personagens acreditam mesmo que o jovem está morto e o leitor fica com a possível ideia do que terá acontecido com nosso protagonista – e é exatamente assim que “A Fúria do Assassino” começa: nos entregando que Fitz não está morto graças a sua habilidade com a Manha. Claro que Burrich e Chade o trazem de volta, e a jornada de devolver uma certa “humanidade” a Fitz é, de longe, a pior parte do livro porque ele imprime um sofrimento que beira o desnecessário. Uma altura dessas da trama, já entendemos que o personagem tem realmente uma predisposição para a tragedia, mas nada nos prepara para o que vem adiante.
Repleto de fúria, o ressentimento crescente por viver uma vida que ele muito provavelmente não queria, Fitz parte em uma jornada mais solitária do que nos outros dois livros prévios, se tornando emocionalmente um homem, algo que até aqui ele não era nem de personalidade nem de idade, e apesar de sua pouca idade ainda aqui, ele já sofreu muito mais do que esperado. Se há algo que a autora Robin Robb está fazendo nesta trilogia é massacrar o coração do leitor, com um prologo de partir o coração e alguns vislumbres de outros pontos de vistas nesta trama. Mas calma que já chego ai. Enquanto isso, temos Patience brilhando em quase todo o livro, sendo basicamente a versão feminina que precisávamos em um mundo que está ruindo ao redor de todos e enquanto Fitz insiste em manter uma honra que não deveria porque basicamente ninguém o protegeu durante sua vida, mas ele insiste em ser melhor e por isso é o nosso herói.
O que é a Manha? Alguns diriam que é uma perversão, uma indulgência distorcida do espírito pela qual os homens obtêm conhecimento da vida e da língua dos animais, para eventualmente se tornarem pouco mais que animais eles próprios. Meu estudo dela e de seus praticantes me levou a uma conclusão diferente, no entanto. A Manha parece ser uma forma de ligação mental, geralmente com determinado animal, que abre caminho para a compreensão dos pensamentos e sentimentos daquele animal. Não dá, como alguns afirmaram, aos homens as línguas dos pássaros e dos animais. Um Manhoso tem consciência da vida em todo o seu amplo espectro, incluindo humanos e até mesmo algumas das árvores mais poderosas e antigas. Mas um Manhoso não pode “conversar” aleatoriamente com um animal qualquer. Ele pode sentir a presença próxima de um animal e talvez saber se o animal é cauteloso, hostil ou curioso. Mas a Manha não lhe dá comando sobre os animais da terra e os pássaros do céu, como alguns contos fantasiosos nos querem fazer acreditar. O que a Manha pode ser é a aceitação de um homem da natureza animal dentro de si e, portanto, uma consciência do elemento da humanidade que todo animal carrega dentro de si também. A lendária lealdade que um animal afeiçoado sente por seu Manhoso não é a mesma que um animal leal dá a seu mestre. É na verdade um reflexo da lealdade que o Manhoso jurou ao seu companheiro animal, de igual para igual.
Como é de esperar, Regel se tornou mais odiado do que já é, mas a inconstância dele como Rei, em um minuto bastante estratégico e com ideias que realmente colocando Fitz em risco, para a completa burrice me irritou em grande parte de seus momentos. Nunca fui muito fã de vilões bidimensionais, que querem o poder porque sim, sempre acreditando que há mais espaço para o resto. Acho que grande parte do meu problema com “A Fúria do Assassino” vem deste pretenso Rei e sua falta de apelo porque claro que temos de torcer por Fitz, mas em momento nenhum acreditei que o Regel poderia ser bem sucedido em qualquer coisa do que se propôs simplesmente porque ele é burro. Não me entenda errado, acreditei que tanto Fitz quanto qualquer um dos outros meus personagens queridos aqui poderiam morrer, mas eu sabia que Regel também iria porque era sem chances dele conseguir vencer sendo tão burro.
Também quero deixar claro que a magia aqui tem um papel muito, muito maior. Com o príncipe Verity perdido procurando falar com Os Antigos para pedir ajuda contra os Navios vermelho e toda essa trama que cresceu exponencialmente no segundo volume, e Fitz em um controle cada vez maior dos seus poderes, a magia foi se tornando cada vez mais impregnada na trama – e isso a ponto de me surpreender com o final de Kettricken, personagem que fui me apegado cada vez mais, e afirmo com todas as letras que você não espera como será o fim dela. Apesar desta surpresa, me agradou bastante a forma como tudo se encerrou para ela, mas a trama, no geral, parece que terminou abruptamente. Não sei se era realmente a ideia da autora terminar tudo assim ou se, de alguma forma, ela acreditou que era melhor termina toda trama da forma como foi. É complicado demais falar o quanto foi frustrante sendo que a autora escreve muito, muito bem, mas não há como fugir da sensação de que muito foi lutado e pouco foi entregue a um herói trágico que merecia mais reconhecimento. Ele não precisava se tornar Rei de nada, mas merecia algo.
Parecia justo. Ele tinha me matado primeiro. O espectro da promessa que eu fizera ao rei Shrewd, de que nunca faria mal a um dos seus, ergueu-se brevemente para me assombrar. Deixei isso de lado, lembrando a mim mesmo que Regal havia matado o homem que havia feito aquela promessa, assim como o homem a quem eu a dera. Aquele Fitz não existia mais. Nunca mais me apresentaria ao velho rei Shrewd e relataria o resultado de uma missão, não me apresentaria como um homem do rei para emprestar força a Verity. Lady Patience nunca mais me importunaria com uma dúzia de tarefas triviais que eram da maior importância para ela. Ela havia chorado a minha morte. E Molly. Lágrimas arderam em meus olhos enquanto eu media minha dor. Ela me deixara antes que Regal me matasse, mas também por essa perda eu o responsabilizava. Se eu não tivesse mais nada nessa crosta de vida que Burrich e Chade tinham salvado para mim, eu me vingaria. Prometi a mim mesmo que Regal olharia para mim enquanto morresse e saberia que o havia matado. Não seria um assassinato silencioso, um empreendimento silencioso de veneno anônimo. Eu mesmo entregaria a morte a Regal. Queria atacar como uma única flecha, como uma faca arremessada, indo direto ao meu alvo, sem temer pelos que estavam ao meu redor. Se eu falhasse, bem, eu já estava morto de todas as maneiras que importavam para mim. Não faria mal a ninguém que eu tivesse tentado. Se eu morresse matando Regal, valeria a pena. Eu protegeria minha própria vida apenas até ter tirado a de Regal. O que quer que acontecesse depois disso não importava.
Além de apresentar o final de Kettricken e Verity repletos de surpresas, quis bater a cabeça na parede quando entendi o final de Molly e a forma como terminou porque… não posso nem explicar sem xingar até a décima geração de outro personagem aqui. Enfim, não é a questão do casal terminar junto ou não, mas a questão de que algumas coisas são absurdas de injustas, mas sempre que penso essa singela frase, lembro da maior verdade de todas: mas quem disse que a vida é justa? Não é, nunca foi e nunca será. “A Fúria do Assassino” é um livro adulto, triste e pesado em sua grande parte, uma leitura difícil tanto pelo ritmo lento demais nas 300 páginas inicias, quanto pelo ritmo acelerado que toma nas 50 páginas finais, terminando com um final que faz o coração do leitor sangrar de dor de encerrar uma trilogia de alta fantasia tão bem escrita e que trouxe dois plots tão inseridos na cultura pop hoje em dia – e se você lê-lo, identificará facilmente.
Toda jornada solitária de Fitz se tornou compreensível quando, ao contrário dos outros livros e levada pela frustração da conclusão da trama, fui pesquisar sobre a trilogia e descobri que ela se tornou uma saga com diversos livros (o nosso amado esquema de pirâmides sim e com direito até a gráfico que você pode ver clicando AQUI) e com a participação de Fitz. “The Realm of the Elderlings” é o nome da saga, que completa tem, na sequencia, três trilogias, uma quadrologia e mais uma trilogia finalizando (com títulos na seguinte ordem: “A Saga do Assassino”, “Liveship Traders Trilogy”, “The Tawny Man Trilogy”, “The Rain Wild Chronicles” e “The Fitz and the Fool Trilogy”) e ainda 8 contos e um livro de contos, tudo retirado do site da autora (que você pode conferir clicando AQUI). Não temos informações se estes outros livros serão publicados pela Editora Suma, mas levando-se em conta a importância que eles tem para a alta fantasia mundial, só podemos torcer que sim. Enquanto isso, fico aqui com essa sensação de tristeza de ter que me despedir deste universo que é, sem sombras de dúvidas, um dos mais bem construídos e que merece todo reconhecimento que tem.
Para comprar “A fúria do assassino”, basta clicar no nome da livraria:
