Resenha: A Bruxa de Near – V.E. Schwab
“A Bruxa de Near”
V.E. Schwab
Tradução: Thaís Britto
Galera Record – 2024 – 238 páginas
Nada nunca muda em Near. Os habitantes da aldeia vivem, amam e morrem entre si, sempre à sombra do vento incessante. Lexi Harris já se conformou com isso e tenta combater o tédio caminhando pela charneca e visitando as irmãs Thorne, as únicas bruxas da cidade.
Porém, a inesperada chegada de um estranho em Near abala as pacatas estruturas da cidadezinha. De onde ele veio? Por que parou ali? Não bastasse a presença de um desconhecido, a chegada dele traz consigo acontecimentos trágicos: as crianças da cidade começam a desaparecer uma a uma, sumindo de suas camas durante a noite sem nenhuma explicação.
Intrigada pela presença do estranho e assustada com o que está se passando em sua aldeia, Lexi parte em busca da solução desses mistérios. E, ao fazer isso, ela precisará enfrentar os segredos da aldeia e a lenda da Bruxa de Near. Será que existe outra verdade por trás da lenda? E o que isso pode ter a ver com o sumiço das crianças?
Reler “A Bruxa de Near” me lembrou porque eu amava tanto V.E. Schwab. Primeiro livro publicado da autora, chega agora uma nova edição em sua “nova” Casa, a Galera Record, que está concentrando todos lançamentos da autora aqui no Brasil. Antigamente assinando como Victoria Schwab, este livro é um standalone, ou seja, único – mas há um conto sobre Cole, o personagem principal masculino, que se passa antes desta trama. E se há um defeito nesta edição, é não ter este conto, que não mudaria em nada o que já conhecemos desta trama, mas nós ajuda a saber mais sobre um dos melhores protagonistas criados por Schwab.
Tive uma fase de amor muito, muito forte pela autora, e li tudo que ela escreveu até hoje. Esperei 5 anos pela continuação de “Vilão”, que seria um livro único também, e amo de todo coração a duologia “Monstros da Violência” (publicada pela Editora Seguinte aqui no BR e já resenhamos: leia sem spoilers clicando AQUI) e a trilogia “Tons de Magia”, então é triste quando a sua fé é abalada – faço parte do 1% mundial que não amou “A vida invisível de Addie LaRue” (não é que eu ache um livro ruim, longe disso, só acho que começa muito bom, depois no meio se torna bastante arrastado e termina com um final apoteótico), quase larguei “Os frágeis fios do Poder”, o 4° livro no universo de “Tons de Magia” (tá, aqui foi por causa de uma personagem especifica que é insuportável. Sério.) e ainda gostei, mas não amei “Mansão Gallant” – ou seja, leio tudo escrito pela autora mas, voltando ao que estava apontando, reler este livro tão simples e direto deixou meu coração quentinho de amor por ela mais uma vez, lembrando de como Schwab tem um total domínio de palavras e narrativa de um jeito que poucas autoras tem. E Lexi e Cole mereciam bem mais amor de vocês.
Tudo começa com um estalo e uma faísca. O fósforo sibila e ganha vida.
— Por favor — diz a voz bem baixinho atrás de mim.
— Já está tarde, Wren — respondo. O fogo lambe o palito de madeira em minha mão. Levo o fósforo a cada uma das três velas que estão em cima do baú, perto da janela. — É hora de dormir.
Com as velas todas acesas, sacudo o fósforo e a chama se apaga, deixando um rastro de fumaça que se desenrola contra o vidro escuro.
Tudo parece diferente à noite. Mais definido. Para além da janela, o mundo está repleto de sombras, todas juntinhas, uma sobre a outra, de alguma forma mais nítidas do que durante o dia.
Os sons também parecem mais nítidos à noite. Um assobio. Um estalo. Um sussurro de criança.
— Só mais uma — implora ela, puxando as cobertas para mais perto.
A trama de “A Bruxa de Near” é simples como a sinopse entrega: no pequeno vilarejo de Near, em época e lugar indeterminados, Lexi Harris lida com o luto da morte de seu pai, 3 anos atrás. A única alegria da jovem parece ser sua irmã mais nova Wren, de 5 anos, que fisicamente é a cópia da mãe de ambas, loira com olhos azuis. A mãe das garotas se tornou uma sombra do que era quando o marido estava vivo, e agora, dom 16 anos, idade para se casar, Lexi tem que fugir das investidas de Tyler, um amigo de infância – mas tem de fugir muito mais do seu tio Otto, que tenta suprir a falta que o irmão deixou ao morrer, mas de maneira errada, sempre querendo que Lexi agisse da forma como ele entendia ser certa.
A casa de Lexi e do seu tio são próximas uma da outra já no limite de Near com uma charneca as rodeando. Near tem o formato arredondo e nos seus limites só moram os Caçadores, coisa que o pai de Lexi era e o irmão Otto ainda é — mas as bruxas também moram já na divisa do lugar, só que do lado leste. Magda e Dreska Thorne são tidas como bruxas por toda cidade, que lida com o trauma e mito da famosa Bruxa de Near, que deixou cicatrizes que passaram de geração a geração no pequeno lugar. Ou pelo menos é o que Conselho, formado por 3 homens idosos, contam e fazem questão de lembrar a todos.
— De todas as características da charneca, da terra até as pedras, passando pela chuva e pelo fogo, em Near, a mais forte é o vento. Aqui, nas cercanias da aldeia, o vento é sempre forte, faz as janelas rangerem. O vento sussurra, uiva e canta. Ele consegue transformar a própria voz e dar a ela a forma que quiser, seja longa e fina o suficiente para deslizar por debaixo da porta, seja tão robusta a ponto de parecer ser feita de carne e osso.
— O vento já estava aqui quando você nasceu, quando eu nasci, quando nossa casa foi construída, quando o Conselho foi instituído e até mesmo quando a Bruxa de Near era viva — digo, com um sorriso discreto, exatamente como meu pai sempre fazia, porque é aí que a história começa. — Muito, muito tempo atrás, a Bruxa de Near vivia em uma pequena casa no ponto mais distante da aldeia e cantava para fazer as colinas dormirem.
A chegada de um estranho coincidente com o começo do sumiço de crianças de Near. Como o lugar é tão pequeno, todas crianças sumidas são amigas de Wren, o que não é surpresa, mas a surpresa é que quando po primeiro menino some, Lexi vê sua irmãzinha quase saindo pela janela, e ao impedir, a garotinha parece não ter se dado conta do que iria fazer. Claro que quando a noticia do sumiço do amiguinho dela explode pela cidade, Lexi se apavora com o que viu, mas mantêm segredo de algo profundamente importante que viu pela janela naquela noite: um estranho.
Em um vilarejo como aquele, estranhos não são bem-vindos e muito menos esperados. Curiosa, Lexi pergunta a sua melhor amiga Helena, que diz ter visto o estranho, onde ele estava ficando, e a resposta sequer precisa ser dada: com as bruxas Thorne. Começa ai a tentativa de Lexi de ajudar alguém que ela não conhece ainda, movida principalmente pelo respeito que seu pai tinha pelas idosas mulheres. Consideradas as únicas bruxas, claro que a cidade começa a apontar o dedo para as mulheres atestado que elas estão ajudando o misterioso homem a roubar as pobres criancinhas. A paranoia vai crescendo na cidade a medida que Lexi vai conhecendo o rapaz, a quem passa chamar de Cole, e se afeiçoar a ele. Mas as crianças estão realmente desaparecendo e tudo começou quando ele chegou, então talvez Lexi devesse ter mais cuidado aonde deposita sua lealdade.
Ao longo da minha infância em Near, ouvi dezenas de histórias sobre bruxas. Meu pai odiava essas histórias, dizia que tinham sido inventadas pelo Conselho para assustar as pessoas.
— O medo é um negócio estranho — dizia. — Tem o poder de fazer as pessoas fecharem os olhos, fingirem não ver. Nada de bom nasce do medo.
Sim, “A Bruxa de Near” é um livro sobre magia e o medo que causa nas pessoas, tanto em quem a detêm quanto nos outros, sobre como o medo nos torna pior do que realmente somos, mesmo que tenhamos boas intenções, mas, acima de tudo, é um livro sobre a manipulação para deter as massas, como uma história contada centenas de vezes começa a se tornar verdade. É uma história sobre sofrimento também, tudo envolvo em um clima de mistério, suspense e um pézinho no terror – lembra um bom filme de pequeno orçamento. Nunca entendi ao certo o motivo pelo qual este livro e o casal principal não tem mais atenção dos fãs da autora porque é um casal construído (tá, meio rápido porque o livro é curtinho) com base na confiança, respeito mutuo e convivência, tudo para entregar um pequeno plot twist que não esperava quando li.
V.E. Schwab entregou um primeiro livro acima da média para qualquer outro, com o clima que ela sabe fazer muito bem, personagens procurando algo para saírem da melancolia que estão e também alguém para dividirem a culpa que pesa sobre seus ombros, tema recorrente em diversos dos seus personagens, mas tudo com um tom etero que tornou “A Bruxa de Near” um dos livros dela que mais mereciam atenção. Se você ainda não conhece a autora e quer começar a entrar no clima de seu tom de escrita, comece por aqui porque temos tudo aqui, inclusive um amor que pode brotar forte entre os protagonistas e de você para com a autora.
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Magalu.