BlogLivros

Resenha: Difamação – Renée Knight


“Difamação”
Renée Knight
Arte de capa: Guilherme Xavier
Tradução: Regina Lyra
Suma – 2024 – 240 páginas

Catherine Ravenscroft chegou à meia-idade levando uma vida perfeitamente normal: é casada, tem um filho, ama o emprego, gosta de ler nas horas vagas. Agora que o filho cresceu e seguiu o próprio rumo, ela e o marido decidiram se mudar para uma casa menor. Em meio ao caos da mudança, Catherine encontra O completo estranho, um livro que não se lembra de ter comprado.

Intrigada, ela inicia a leitura, mas logo percebe que aquela história não é ficção. A narrativa descreve, com riqueza de detalhes, o dia em que Catherine se tornou refém de um segredo terrível. Até então, ela achava que ninguém mais sabia o que havia acontecido naquele verão, vinte anos antes. Pelo menos ninguém ainda vivo.

Agora o mundo perfeito de Catherine está desmoronando, e sua única esperança é encarar o que aconteceu naquele dia fatídico. Mesmo que a verdade possa destruí-la.

Eu amei este livro com toda força do meu coração. Vou tentar falar sobre ele sem entregar tudo que acontece e tudo que senti, o que é profundamente difícil, confesso, porque senti tantas emoções lendo um livro tão aparentemente pequeno que fica realmente complicado resenhar algo assim, mas estou tentando porque quero e espero propagar a palavra da trama de Renée Knight para todas as pessoas ai fora – principalmente as mulheres. E, para completar, ainda é uma nova edição da trama de 2015, tendo sido publicada pela minha Editora favorita da vida, a Suma, ganhando uma nova edição motivada pela série adaptada escrita e criada por Alfonso Cuarón, estrelada por Cate Blanchett, Kevin Kline e Sacha Baron Cohen como os 3 personagens principais Catherine, Stephen e Robert, e é do streaming AppleTV – mas ainda está em curso e por isso ainda não assisti. Confesso também que estou com medo porque acho quase impossivel cinseguirem adaptar tão bem uma trama TÃO maravilhosa, mas estou jogando informações sem parar e não falando sobre, então vamos direto ao ponto.

“Difamação” começa exatamente como a sinopse entrega: Catherine se mudou com o marido, Robert, para uma casa menor, agora que o filho de ambos, Nicholas, está aparentemente tomando rumo na vida e saiu de casa. No meio do caos da mudança, Catherine encontra um livro chamado “O completo estranho” entre suas coisas, e, curiosa, o leu – e se apavorou porque aquela trama era um pedaço de sua vida que a mulher queria esconder e esquecer. Profissional qualificada e bem sucedida, Catherine é uma jornalista que trabalha com documentários, mas também é um membro com boa reputação em sua comunidade, um marido advogado pelo qual é apaixonada e um casamento de sucesso, tendo por ponto fraco seu relacionamento com seu filho, que parece não ter a mesma gana profissional dos pais, sem nunca ter ingressado em uma faculdade e já ter sido viciado em entorpecentes, além de não conseguir realmente manter uma conversa com a mãe, sempre o pai intermediando.

Eu a reconheci no momento em que ela se dirigiu a mim, e a visão me enojou. Ela não fazia ideia de que eu a vira antes. Era fria, como se as coisas passassem por ela sem deixar marcas — como se fosse impermeável. Nada parecia grudar, ali. Fizera uma limpeza meticulosa em si mesma — nem um traço de sujeira restou…”.
Nancy enxergou direitinho através dela. E não gostou do que viu.

Voltando a trama central, Catherine se encontra a beira do desespero e o leitor não sabe exatamente o que há no livro que a personagem leu, mas o leitor consegue formar sua própria opinião sobre o que pode ter acontecido para ela ter tanto pavor de que o marido saiba o que há ali, somente sabemos que é algo que envolveu o filho Nicholas e que ela esconde do marido Robert. Não parece ser tão complexo de formar nossa opinião e sermos levados a nossas próprias conclusões, mas a protagonista não explicita o que realmente aconteceu – pelo menos não nesta parte da trama, com o desespero aumentando ao entender que alguém deu o livro para o filho, que já o leu e odeia a protagonista da trama, achando que ela merece o final que tem dentro daquela narrativa.

Levada por uma sensação de prestes a perder tudo que ama, Catherine procura e encontra o site do livro, o qual não tem maiores informações sobre o autor – ou autora ou qualquer outra informação, mas ela deixa uma mensagem lá, uma mensagem que espera que conforte o coração de quem escreveu aquele livro porque ela consegue ver a dor que salta das páginas. E é aqui que pensei que tinha desvendado toda a trama, que seria uma trama de luto: um pai, enlutado, chamado Stephen, que um dia foi um professor apaixonado e engajado e que se transformou em um homem amargo, endurecido, beirando ao sadismo, que teria escrito aquele livro. Mas como ele teria acesso a informações que existem no livro? Quem é esse homem? Tudo para difícil para se descobrir a princípio para o leitor, que fica perdido no meio das informações jogadas, e Catherine parece saber bem mais do que compartilha com o leitor. Nesta parte da trama, estamos por volta de 30% e enquanto lia, acreditava que o livro iria me decepcionar porque já deveria estar estabelecido o que iria acontecer, com minhas teorias. Mal sabia o que me aguardava pela frente.

 “No âmago deste livro existe uma dor inegável. É raro uma obra de ficção criar sensações tão potentes no leitor.” Adotou o nome de Charlotte. Será uma admissão de culpa? Mas, quanto mais eu leio, mais entendo o significado: “sensações tão potentes” — ela não diz o que são essas “sensações”. Repulsa potente? Desprezo potente? Quero precisão, não sensações vagas. Quero vergonha, medo, terror, remorso, uma confissão. Será mesmo pedir demais? Essa crítica barata me aborreceu um bocado. Foi escrita com tanta cautela, ela tomou o cuidado de não se desculpar, de não assumir responsabilidade. Eu devia saber que ela tentaria se esquivar furtivamente. Como ousa supor que suas palavras vazias, redigidas com tanta rapidez, seriam suficientes? Mesmo depois de todos esses anos, a sra. Catherine Ravenscroft, autora premiada de documentário, mãe de Nicholas, o vendedor de aspiradores de pó, continua a retorcer a faca com unhas pintadas e crítica dissimulada. Cometeu um erro ao achar que eu ficaria satisfeito com essa pequena missiva cheia de significados. Ela me atiçou.
É um insulto. Não tenho interesse em vê-la reconhecer minha dor. É tarde demais para isso. Ela precisa senti-la, saber como é. Só então ficaremos quites.
Ela precisa sofrer como eu sofri.

Stephen Brigstocke encontrou fotos da esposa, Nancy, já morta, que ele ama e idolatra, e começa a puxar um fio no qual encontrou cadernos de anotações e que também o levaram até um manuscrito feito por ela, e é ai que o mundo de Stephen se parte pela primeira vez, entendendo que uma das maiores perdas de sua vida não foi heroica como haviam imaginado. Aqui preciso falar do núcleo familiar de Stephen: casado por toda a vida com a também professora Nancy, o casal teve um único filho, Jonathan. O casamento era muito estável e o casal tinha o sonho de serem escritores, depois se tornando professores para manterem a vida confortável que tinham.

A trama tem dois pontos de vistas: o de Catherine, que abre a trama é realmente o fio condutor que leva o leitor com ela, e o Stephen, que é muito mais complexo de se ler porque o homem destila ódio, luto e uma sede de vingança que transbordam as páginas – não estou brincando. Enquanto lia e estava na metade da trama, mandei uma mensagem de audio de 6 minutos para a Julia falando sobre como o livro estava me deixando triste porque tinha plena certeza que a trama era centrada no luto e na dor que sentimos quando perdemos alguém que amamos, querendo encontrar outra pessoa para culpar enquanto tentamos continuar com as nossas vidas ou seja lá o que restou delas. Estava me sentindo sufocada, sem sentir raiva de nenhum personagem, entendendo as motivações de Stephen e querendo que Catherine ficasse bem, que, nessa altura, já estava a beira da loucura mesmo: Stephen já tinha entregado algumas fotos para Robert e já havia distribuído exemplares de “O completo estranho” no emprego de Catherine (e claro que um colega de profissão já estava aproveitando para tentar dar uma rasteira na nossa protagonista), mas então tudo escala demais quando Stephen tenta chegar em Nicholas. E é ai que eu paro de falar da trama, mas só aviso que: se segure porque vem ai um dos maiores e melhores plot twists que já li em toda minha vida. Não estou brincando. É genial, é perfeito, é desconsertante, esteve lá na nossa cara o tempo todo, mas somos humanos e gostamos de sempre pensar… de um jeito.

Ouço a respiração dela acima do barulho da rua, entrecortada, mas Catherine nada diz. Fico esperando que desligue. Mas ela não o faz.
Você devia contar a seu marido — digo, com a maior delicadeza possível.
Conte você, porra — sussurra ela, e suas palavras me dão a esperança de que finalmente tenha encontrado, em seu coração, um jeito de me odiar.

Entretanto há uma falha na trama que necessito apontar, apesar de entender a escolha da autora: no ápice da trama, quando enfim Catherine e Stephen se enfrentam cara a cara e uma grande mudança acontece, temos somente um resumo da cena pelos olhos de Stephen, seus pensamentos e conjecturas sobre muito que estava bem diante dele e ele sempre se recusou a entender que era verdade. E é aqui que sinto que preciso ver a adaptação, na esperança de que Alfonso Cuarón, Cate Blanchett e Kevin Kline me entreguem uma das maiores cenas em seriados de todos os tempos. A escrita de Renée é sim, bastante crua, mas lembrem-se de que a trama é de 2015 e o livro é sim, bastante curto, provavelmente levado pela trama central ser pesada, mas que poderia sim, conter muito mais do que entregou sobre os pensamentos dos personagens, até mesmo de Catherine – menos no capítulo final porque esta parte da trama é PERFEITA e entrega tudo, absolutamente tudo, que uma leitora do livro pode pensar em desejar, colocanddo a personagem como uma das maiores narradores dos últimos anos porque a força, coragem e decições que ela tem não é fácil de se ter.

Só posso agradecer a Editora Suma por ter me enviado este livro que é definitivamente a minha leitura favorita do ano, “Difamação” é um quebra-cabeças que engana o leitor, o fazendo a acreditar que entendeu tudo e que sabe o que vem pela frente, mas sendo completamente atropelado pela realidade, que é justamente a realidade do nosso mundo: a de que a difamação é muito mais fácil de se imaginar e de se levar como verdade do que a possibilidade de se enfrentar a mais dura das verdades. Se você quer um pouco de realidade sobre mulheres em seu amplo aspecto e o modo como sofremos como as coisas são colocadas e feitas, leia este livro e entenda exatamente o que vem a ser uma difamação.

Para comprar “Difamação”, basta clicar no nome da livraria:

Amazon.
Magalu.