13.09


“Contrapeso”
Djuna
Tradução: Luis Girão
Arte de capa: Ing Lee, Ale Kalko.
Suma – 2024 – 168 páginas

Na ilha de Patusan, o conglomerado coreano LK está construindo ―a contragosto dos cidadãos ―um elevador para a órbita da Terra. Aos poucos, a construção transformará a cidade em um movimentado centro turístico: uma porta de entrada e saída do planeta. No espaço, o que sustenta o elevador é uma massa de lixo conhecida como contrapeso. Nesse lixo, está escondido um verdadeiro tesouro: um fragmento de memória deixado pelo antigo CEO da LK, que pode ser crucial para determinar o futuro da humanidade.

Para recuperar a fonte perdida de informações, uma série de rivais entram em disputa. Nessa corrida contra o tempo, eles se verão presos em um labirinto de identidades falsas, neuro-implantes e antigas queixas políticas sustentadas pela Frente de Libertação Patusan, o exército de nativos determinados a proteger a soberania da ilha.

Já falei em tantas resenhas que sou uma cria de scifi – “Star Wars” moldou meu caráter – que nem tem graça mais, mas há mais outros filmes que também marcaram minha vida e que são do gênero: “Exterminador do Futuro” e, claro, “Blade Runner”, o qual vi ainda criança e não entendia o sentido real de sua trama, só via um homem caçando androides tão humanos que um dava um belo de um discurso na chuva e no final o tal caçador tinha um final feliz com uma das androides. Só vim realmente entender o filme quando cresci e já adolescente, li o livro no qual o filme se inspira, “Androides sonham com ovelhas elétricas”, de Philip K. Dick que vim a entender sua real natureza e amar mais ainda o filme (e nem me importo qual versão seja, só amo todos).

Claro que o mundo está se rendendo a cultura sul coreana e claro que não sou imune a isso, então quando a minha Editora favorita da vida anunciou “Contrapeso” aqui no Brasil, fui ler sobre e tomei um choque porque o autor, Djuna, publica livros de contos e romance há 20 anos e simplesmente nunca se revelou – não se sabem nem ao menos o nome real da pessoa. Critico de cinema e escritor: é isto que se sabe sobre a pessoa que trouxe esta trama cyberpunk e que é a primeira publicada fora da Coreia. Não tinha como não querer ler, mesmo sabendo que muitos gringos reclamaram do livro, motivos que falarei nesta resenha, mas sou do tipo que tenho de ler por mim mesma para entender as falhas e acertos de uma trama e aqui estou, ainda na dúvida sobre como explicar que amei esta trama – e também fiquei perdida em uns 70% dela.

Não é a minha mãe. São só cinzas.
Ah, uma pequena filósofa. A criança está certa. Dentro do frasco está apenas o pó que sobrou de alguns elementos terrestres. O que tanto poderia significar ter sido parte de um corpo humano por uma breve fração de tempo nos bilhões de anos de história após ter nascido em uma supernova? De todo modo, as cinzas serão misturadas aos fogos de artifício que vão disparar hoje, tudo se transformará em chamas no ar, elas deixarão o céu colorido de rosa por alguns segundos, depois se espalharão pelo vento, cada particula seguindo seu caminho.

Acho que o principal também é deixar claro que a ideia do autor foi para um filme, que não utilizada, se tornou este livro. Como vocês podem imaginar, há uma feroz falta de construção de mundo e desenvolvimento de personagem que ficam a cargo do diretor de uma película e também trabalho dos atores. Em um livro, o autor tem mais esta liberdade de mostrar bastante seu mundo, sua visão do que esta acontecendo e as motivações de seus personagens. Por mais que no livro possamos entender o que aconteceu mais pro final da trama, ficou faltando algo. Algo grande. Uma demonstração de emoção que fica latente quando você entende o final.

Além disso, vou frisar que os gringos não mentiram quando disseram que a trama é difícil e ouso dizer que até mesmo acima da media de tão intricada que parece no começo. Não há como identificar muito e nem ter pistas da trama que nos aguarda no primeiro terço inicial do livro, só sabemos que Mac, personagem protagonista, está investigando um possível assassinato dentro da ilha de Patusan, lugar onde o conglomerado coreano LK está construindo um elevador para a órbita da Terra. Só isso já dá ideia do tom de ficção que estamos lendo e como há muitos outros elementos não esperados no começo da leitura. Sim, a IA dá suas caras por aqui em um livro que mistura muito bem o suspense com a ficção, beirando o noir o tempo inteiro, um clima de investigação que levara a respostas inesperadas – e sim, isso acontece.

Patusan é agora a porta de entrada para a Terra. Um satélite geoestacionário lançou um cabo de força em modelo aranha que já começou a trabalhar muito antes de aterrissar em Patusan. Depois de chegar à ilha, o cabo foi sendo aumentado, tornando-se mais largo, grosso, longo e complexo. A missão da fábrica na ilha é criar um caminho para o espaço sideral, e o trabalho continuará enquanto a empresa permanecer ativa.
Centrada nessa fábrica, a economia de Patusan está voltando a prosperar. A população, que antes diminuíra para quatro mil residentes, aumentou para oitocentos e noventa mil. Um novo porto e um novo aeroporto foram construídos na costa, e uma nova cidade foi erguida de modo a conectar tudo isso ao topo da montanha em que o elevador espacial pousa. Inúmeras pessoas de todo o mundo estão se mudando para a região vislumbrando um caminho para o espaço.

Só que também preciso assinalar que a sinopse não entrega o tamanho do papel da IA nesta trama e não será eu que farei isso, por mais que eu tenha acabado de dar dicas – não, você não vai adivinhar o que está acontecendo, confie em mim. Mac, que tanto quer investigar o que aconteceu, é o chefe do Departamento de relações externas e lida diretamente com a Frente de Libertação da ilha que luta contra o poderil econômico e esmagador da LK, que decidiu o futuro do lugar com aquele elevador sendo construído ali, trazendo empregos para alguns e infelicidade para outros.

E se você ainda se pergunta porque comecei falando de “O Exterminador do futuro” e “Blade Runner”, chegou a hora na qual eu faço a ligação com estes dois clássicos (pelo menos para mim) da Ficção cientifica: o primeiro traz uma IA tão poderosa que se torna autoconsciente e que nos lança a beira da extinção (se você não conhece a Skynet, refaça suas escolhas de vida). Já o segundo é um grande exemplo de um scifi noir que influenciou gerações, com a também consciência de androides que se tornam humanos – não é o lugar no qual você se perde falando sobre este filme e este conceito, Virna, foco. Para aqueles que estão começando a enxergar que o futuro chegou, vocês entenderão o medo que a trama de “Contrapeso” deixa no final, com a certeza de que homens com poder, dinheiro e ego demais são tão perigosos quanto armas.

Nunca pensei muito no contrapeso ao final do elevador espacial. É um componente crucial do design, sem dúvidas. Ele puxa os cabos através da força centrífuga, mantendo a estrutura do elevador. Quando o cabo se multiplicou e ficou mais espesso, o contrapeso — que foi formado por restos de um asteroide capturado e explorado para mineração — também foi ficando cada vez maior, mas de maneira irregular. Enviaram todo tipo de lixo da estação espacial para lá, contribuindo para o seu crescimento. Agora, ele é uma mistura de detritos espaciais e cabos descartados, um verdadeiro ferro-velho flutuante. E uma vez que a gravidade artificial, advinda da força centrífuga, é estável na estação, ela acabará por se estender em direção ao próprio contrapeso. Por enquanto, ainda que muito longe, a estação espacial fixa já está funcionando como um centro para humanos e cargas que escapam da gravidade da Terra.
No momento, o contrapeso é dominado apenas por robôs. Um mundo de pequenas máquinas que pacificamente limpam e empilham detritos, pedras e lixo, sem interferência humana.

Não há de se falar muito em personagens coadjuvantes porque a trama realmente se foca no mistério da forma do antigo presidente do conglomerado LK, Han Jung-hyeok, e as pistas que levam Mac até o contrapeso do elevador, nos mostrando sobre o que pode ser amor e os limites do que conseguimos entender em nossa inteligência humana. Não sei bem como explicar isso sem soar confusa ou entregar spoilers, então me restringirei a falar que a trama pode não ser para todos, mas quem simplesmente embarca, faz muito, muito sentido.

Contrapeso” só não se tornou um favorito meu de todas as formas pelos motivos que já falei acima e não consegui ignorá-los, mas a trama é tão, tão rápida que por mais que você se perca no começo, você quer saber o que está acontecendo e até onde aquilo irá, tomando um choque no final e aquele tipo de choque que te faz pensar sobre o amanhã. Talvez mais para uns, menos para outros, mas, ainda assim, é sim, um contrapeso que nos faz flutuar no balão dos bons livros e tramas que poderiam ser melhores se com mais desenvolvimento.

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