“Os Sussurros”
Ashley Audrain
Tradução: Lígia Azevedo
Paralela – 2024 – 352 páginas
Na Harlow Street, casais de classe alta e seus filhos se reúnem para um churrasco. O verão está acabando, mas as bebidas continuam até tarde da noite.
Tudo vai bem até que Whitney, a anfitriã perfeita, assusta a todos com uma explosão furiosa com seu filho. Todos na festa ouvem os gritos e, com isso, sua máscara de perfeição se quebra em alto e bom som. Poucos dias depois, o menino cai da janela do quarto no meio da noite. Agora, a mãe está no hospital, sentada ao lado do filho, e se recusa a falar com qualquer pessoa, enquanto a vida dele está em jogo.
Ao longo de três dias tensos, quatro mulheres lidam com o que levou a essa terrível noite. O que acontece a seguir?
Explorando a inveja, as amizades femininas, o desejo e as intuições que silenciamos, Os sussurros é um romance arrepiante que marca Audrain como um grande talento da ficção psicológica.
Gostar de livros de suspense é ler livros e ficar dias e dias após a conclusão da leitura sutando sobre eles e com vontade de falar com todos sobre. Em um thriller psicológico construído quase perfeito, Ashley Audrain entrega uma trama tão redonda em seu segundo livro, chamado “Os Sussurros“, que chama a atenção por todos motivos certos (o primeiro livro da autora é “O Impulso” e você pode ler minha resenha sem spoilers clicando AQUI) e não é empolgação demais não, já como o livro está sendo aclamado lá fora desde sua publicação e com razão, na minha humilde opinião.
Publicado em Junho do ano passado e agora chegando no Brasil pela Editora Paralela, “Os Sussurros” é uma trama não só familiar, mas também sobre a sociedade no geral representada por uma vizinhança que parece ser bastante pacata e com moradores respeitáveis e com vidas, relacionamentos e famílias bastante estáveis. Como já sabemos há bastante tempo, quase sempre a perfeição esconde coisas feias embaixo do tapete em prol de mostrar somente o perfeito e é justamente nessa sujeira escondida embaixo de um belo tapete persa na sala de uma casa lindíssima na Harlow Street que reside a trama deste livro.
Há algo de animalesco em como adultos de meia-idade avaliam uns aos outros enquanto fingem ser amigos no quintal de uma das casas mais caras da rua. A multidão é atraída pelos mais bonitos. Estão todos ali para uma tarde em família, pelas crianças, que brincam em paralelo, mas os homens escolheram seus melhores sapatos e as mulheres escolheram acessórios que não usam quando vão ao parquinho, e todo mundo mantém um tom de voz educado.
A trama se concentra em 4 casais e vou falar separadamente sobre cada um, começando por Whitney e Jacob. Mulher forte e que sabe o que quer, Whitney decidiu se casar com o apaixonado Jacob. Com o casamento, veio a ideia de filhos, e Whitney deu a luz a Xavier, o mais velho do casal, com 10 anos. Com o filho, vieram as dúvidas sobre a recém mãe e a principal era se justamente queria ser mãe. Mas agora isso não era mais uma hipótese, era uma afirmação e ela precisava se adequar a nova realidade, mesmo amando seu trabalho. Enquanto sua vida profissional só cresce, Whitney sente que não nasceu para ser mãe, o que se confirma com sua segunda gravidez – agora de um casal: Sebastian e Thea. De alguma forma, os gêmeos não deixam a sensação de peso que Xavier deixa em Whitney. Ela continua não sendo maternal, mas o relacionamento com o mais velho é o que culmina em mostrar que sua vida perfeita não é tão perfeita assim, quando em uma festa de aniversário dos gêmeos, ela grita com o garoto de 10 anos acreditando estar só com ele, mas uma janela aberta entrega para toda a festa o que acontecia em um quarto.
Então temos Blair e Aiden, casal que mora do outro lado da rua, com Blair sendo a melhor amiga de Whitney, se é que podemos chamar assim. Blair abriu mão de sua carreira quando sua filha Chloe nasceu e preencheu seu coração de amor. Ao mesmo tempo que o amor por Chloe tomava espaço em sua vida, cuidando da escola, lições, atividades e afins da filha, Blair sentia que seu casamento estava se esfacelando. Acreditando que Aiden está lhe traindo, sente que pode repetir o mesmo relacionamento fracassado dos pais. O casal aqui não é tão estável financeiramente como o casal do outro lado da rua e o relacionamento de Blair e Whitney é tão disfuncional que beira ao tóxico, com nenhuma das duas realmente se revelando para a outra, mostrando somente partes de si.
“Você acordou.”
Ela está muito cansada. Ergue a cabeça e, sustentada pela familiaridade da voz dele, sente pela primeira vez que pode sobreviver àquilo. Mas a sensação passa tão rápido quanto veio. Ela espera que ele a repreenda. Que bata com alguma coisa em sua cabeça, como ela merece. Que chute seu crânio. Para que ele rache e sangue escorra por sua testa, entre seus olhos, um rio ao longo da ponte do nariz. Whitney quer que ele seja violento com ela, só dessa vez. Quer sentir como é.
Temos ainda Rebecca e Ben, uma médica e seu marido amoroso e apaixonado. Rebecca está em uma jornada dolorosa que faz o coração do leitor se partir: engravidando e perdendo os bebês, sem conseguir completar a gestação, ela está escondendo do marido um grande segredo. Enquanto o que aconteceu foi por sua escolha e decisão, sabe que precisa contar ao marido, o qual provavelmente não a perdoará por já ter deixado claro a sua decisão. Decidida a acreditar no amor e confiança que tem no marido, Rebecca espera pelo melhor.
E para fechar as personagens principais, temos Mara, casada com Alfred há mais de cinquenta anos e atualmente com oitenta e dois anos, tem por costume se sentar com o marido na porta da casa na Harlow Street e observar suas vizinhas, sabendo assim de segredos que não imaginamos no começo da trama – e desprezando algumas. Mas não se engane, o papel de Mara aqui não é ser uma vizinha fofoqueira ou sequer agente do caos: ela é parte integrante da trama, por mais que não goste de algumas mulheres, mostrando que o que aconteceu no passado pode se repetir de novo e de novo, em um ciclo doloroso, em diversas famílias.
As pessoas raramente são o que parecem.
Mas, às vezes, são as boazinhas que fazem as piores coisas.
Como a sinopse entrega, sabemos que Xavier sofre um acidente, mas não é diretamente depois da festa de aniversário dos irmãos gêmeos – está sim, na verdade, o catalisador de uma sucessão de eventos que levaram ao acidente do garoto. Obviamente Whitney está no centro da narrativa, mas também temos os pontos de vistas de todas as outras personagens femininas, o que enriquece muito e faz com que possamos entender muito de suas escolhas tão equivocadas, exatamente como viram suas mães fazerem e desejando não repetir aqueles erros, lembrando ao leitor que as personagens são boas e más, tudo junto e ao mesmo tempo.
O maior acerto da trama é mostrar algo que as pessoas parecem ter esquecido nos tempos atuais: ninguém é totalmente bom ou totalmente ruim. A pessoa que pode ser mesquinha pode ter atos de bondade e alguém frio pode esconder sentimentos, tudo em um só porque é assim que somos, essa mistura de confusão e evolução, de luz e escuridão, raiva e amor, nos fazendo mudar e aprender a cada erro. E a cada sussurro também.
“Você não precisa ouvir meus problemas em um momento como este. Eu só queria dizer que, não importa quão ruins as coisas estejam, você vai encontrar força para seguir em frente de maneiras que você nem imagina. Algo vai aparecer bem quando você precisar”, ela diz, abarcando com um gesto seus sapatos baixos, sem cadarço e gastos no degrau de baixo. “Mas você tem que esperar. Ser paciente.”
Sei que você está se perguntando que Sussurros são esses e a resposta é que depende para quem você pergunta. Para Whitney, talvez seja a sua própria consciência. Para Blair, pode ser o sexto sentido lhe apontando que Aiden está sendo infiel – ou podem ser sussurros de paranoia, afinal, estaria Aiden realmente a traindo? Para Rebecca pode seu anseio por gestar e se tornar mãe e para Mara pode ser uma frase sussurrada por seu filho muitos anos atrás ou um que ela guardou por tantos anos para enfim falar. No final das contas, os sussurros podem ser muitas coisas, depende do que você quiser que eles signifiquem. Ou precisa que signifiquem.
Já deixei claro que adorei o livro e a trama, apesar de ter cenas desnecessárias, quase que para mostrar ao leitor que estamos em uma trama adulta, parecendo esquecer que a trama em si já o é. Destaque para o encerramento da trama e sua frase final, que deixa tudo cravado em pedra sobre o que aconteça em breve, mas talvez não também. A dualidade dessa trama realmente foi seu ponto forte: como as pessoas são boas e más ao mesmo tempo, como alguém pode tanto querer ser uma mãe e outra não, tudo em tons de cinzas que prende o leitor até seu final, mostrando que para algumas tramas acontecerem tudo que você precisa é levantar o tapete. Só um pouquinho.
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