29.12


“O Impulso”
Ashley Audrain
Paralela – 2021 – 326 páginas

Blythe Connor está decidida a ser a mãe perfeita, calorosa e acolhedora que nunca teve. Porém, no começo exaustivo da maternidade, ela descobre que sua filha Violet não se comporta como a maioria das crianças. Ou ela estaria imaginando? Seu marido Fox está certo de que é tudo fruto do cansaço e que essa é apenas uma fase difícil.

Conforme seus medos são ignorados, Blythe começa a duvidar da própria sanidade. Mas quando nasce Sam, o segundo filho do casal, a experiência de Blythe é completamente diferente, e até Violet parece se dar bem com o irmãozinho. Bem no momento em que a vida parecia estar finalmente se ajustando, um grave acidente faz tudo sair dos trilhos, e Blythe é obrigada a confrontar a verdade.

Neste eletrizante romance de estreia, Ashley Audrain escreve com maestria sobre o que os laços de família escondem e os dilemas invisíveis da maternidade, nos convidando a refletir: até onde precisamos ir para questionar aquilo em que acreditamos?

Fazem 24 horas que terminei de ler “O Impulso” e passagens do livro ainda voltam em minha mente, me fazendo lembrar da trama do livro. É terrível não ter ninguém para conversar sobre ele porque não vou e nem quero dar qualquer tipo de spoiler sobre a trama, e essa resenha será completamente livre de detalhes, somente com elementos muito leves que não vão, de forma nenhuma, entregar qualquer coisa real da trama. Se você quer mesmo meu conselho, leia a sinopse, se jogue nesse livro assim que você tiver oportunidade e você vai ter uma experiência de leitura complexa e forte, de um jeito que fica com você depois que a última página é lida. Exatamente como todo fã de livros gosta.

Se você me perguntar sobre o que é a trama de “O Impulso”, eu vou te responder bem diretamente: as mulheres. Um livro sobre mulheres, suas expectativas, suas escolhas. Um livro sobre mulheres escrito por uma mulher, e aqui faço uma ressalva bem interessante: Ashley Audrain nos conta, nos agradecimentos do livro, que tinha sido mãe há pouco tempo quando a trama do livro começou a se formar em sua mente. Consigo entender perfeitamente como e por que isso aconteceu. Apesar de não ser mãe, eu sou mulher, e, como tal, tenho toda uma pressão da sociedade sobre como eu deveria ser: maternal; firme – porém doce, bonita, dentro dos padrões e ciente de que um dia eu iria ter um companheiro ao meu lado que pudesse me ensinar muito que eu não sabia e não compreendia. Só que… não. Entre o que eu deveria ser e sentir e o que nós, mulheres, realmente sentimos e queremos, há muito, muito mais, e é isso que este livro me proporcionou.

Você sabia que eu tinha mais o que contar, só que nunca insistia – tinha medo do que poderia ouvir. Eu compreendia. Todos temos direito de alimentar certas expectativas em relação aos outros e a nós mesmos. Com a maternidade não é diferente. Todos esperamos ter uma boa mãe, nos casar com uma boa mãe, ser uma boa mãe.

Muito da trama do livro não está no tempo atual: Além da trama de Blythe, somos apresentados em flashbacks a Cecilia, sua mãe, e ainda a Etta, sua avó, mãe de Cecilia. Em certo ponto da trama, Cecilia diz para Blythe que as mulheres da família delas são diferentes, mas a grande questão aqui é qual a forma de diferente que somos capazes de suportar? Blythe, entretanto, está indo pelo caminho esperado por ela: cresceu, entrou em uma faculdade com bolsa, tem boas notas e conhece Fox, que se tornou seu namorado e que em breve mostraria que queria um relacionamento sério com ela. Morar junto. Casar. Tudo está indo tão bem que o próximo passo parece ser obvio: felizes para sempre.

E é sempre que começa a mostrar o caminho do que parece óbvio que a trama de “O Impulso” subverte e te joga em questionamentos que você não espera. Como? Depois da espera do seu “felizes para sempre”, casada com o cara que ama, Blythe fica grávida. Mais um ponto para sua felicidade, você pode pensar, mas… espera, será? Será que Blythe quer mesmo um bebê? Será que seu relacionamento com sua mãe é capaz de lhe mostrar como ser uma boa mãe? Um filho é uma dádiva, eu acredito, mas traz responsabilidades demais também: noites insones, dores, inseguranças, medo, parto – e tudo isso é contado pelos olhos de uma protagonista que quer fazer o que o marido espera dela, afinal Fox veio de uma família que beirava a perfeição e queria reproduzir o que ele aprendeu. Blythe quer ser feliz e tenta muito dar tudo isso, mas, como vamos vendo nos flashbacks que mencionei, sua própria família não ensinou ninguém a ser feliz. Por quê?

Mas esse desequilíbrio tinha um custo. Deixamos para trás nossa estimada e tranquila decada de conforto. Agora, minha presença fazia você se retirar. Seu julgamento me deixava ansiosa. Quanto Violet recebia de você, menos você me dava.

Blythe está tão perdida naquele mundo que ela acredita ser perfeito que quando a realidade de ter um bebê sob sua responsabilidade chega, ela se decepciona profundamente. Violet, sua filhinha, parece lhe odiar desde bebê, mas a questão que começa a crescer na mente do leitor é que se o que Blythe sente é real ou é somente sua rejeição a uma criança que ela não estava preparada para ter. Então temos o elemento do narrador não confiável, e me permita abrir um parêntese: eu tenho uma ótima intuição para descobrir sobre as mentiras (ou faltas de verdades, como você preferir) quando os personagens e a narrativa querem nos fazer irem para uma direção errada. Mas, aqui, eu confesso que fiquei quase o livro inteiro sem saber realmente no que acreditar e acho que por isso que AMEI (sim, em caps) tanto esse livro: você não pode precisar se o que Blythe, mãe de uma menininha linda, está sendo simplesmente uma péssima mãe, replicando relacionamentos, ou está vendo uma ameaça real em sua filha.

Ainda há o peso que um filho traz para o casal em si, em sua vida romântica. Para mim parece claro que a vida muda completamente quando um filho vem ao mundo, mas a questão é que se uma mulher que tem uma vida boa, confortável e estável deseja isso e está pronta para esse impacto – além de questionar se o parceiro de Blythe estava realmente pronto para receber a família que ele tanto queria, da forma como ele queria e quando ele queria. Porque uma coisa é imaginar a tal “família de comercial de margarina”, outra é deixar a esposa acordar diversas vezes na noite para cuidar e dar de mamar para sua filha enquanto você dorme. É deixar sua esposa abrir mão de seus sonhos profissionais enquanto você continua trabalhando para “prover” sua família e não abre mão de nada. Bem fácil assim, não é mesmo?

Em algum momento em nosso sétimo mês juntas, Violet finalmente começou a dormir por mais de 20 minutos a cada vez. Eu voltei a escrever. Não contei isso a você – você insistia sempre para eu coxilar quando ela dormia durante o dia e, quando chegava em casa, perguntava se eu tinha descansado. Era a única coisa com que você se preocupava. Você me queria alerta e paciente. Me queria descansada, para eu poder cumprir com meus deveres. Antes, você costumava se preocupar comigo, como pessoa – minha felicidade, as coisas que me faziam bem. Agora eu era uma prestadora de serviços. Você não me via como mulher. Eu era apenas a mãe da sua filha.

A dúvida de Blythe é tão grande e tão visceral que ela implora para ter outra gravidez a seu marido. Ela quer e precisa se provar que não há nada de errado com ela porque seu marido inválida seus sentimentos, e assim como o leitor, ela começa a se questionar sobre o que realmente sente. É desesperador e agoniante ver o estado que a personagem vai passando, a tensão, o nervoso, a falta de confiança em si mesma e até mesmo a falta de paz que vai se abatendo com a família. O que se fazer em uma situação dessas?

Eu sei, eu entendo que tem muitas pessoas que lerem podem ficar chocadas com isso. “Como pode uma mãe desconfiar e ver algo ruim em sua filha perfeita?”, e eu lhe respondo bem simples: Blythe via e não podemos invalidar o que mães passam e enxergam. O livro, nesse ponto, dá um salto em sua narrativa de uma forma que se torna realmente impossível parar (eu li o livro direto, em 7 horas de leitura, em pleno natal, sem conseguir parar ou desgrudar, simplesmente porque eu PRECISAVA saber o que estava acontecendo ali). Estaria eu comprando a paranoia de Blythe, aceitando o comportamento de Cecilia, abraçando a falta de estabilidade de Etta e não prestando atenção na racionalidade de Fox? – ou seria justamente o inverso: eu estava vendo um homem invalidar, mais uma vez, os sentimentos de uma mulher que estava passando por coisas que ele não entendia. Isso acontece muito. E me levou a quase surtar para descobrir o que realmente estava acontecendo naquelas páginas.

A menstruação vinha todos os meses desde os 12 anos, como uma amiga fiel lembrando: você sangra. Você verte. Não precisa de um bebê dentro de você. Não ouça se o mundo lhe disser o contrário.
Ela tinha sonhos e sua liberdade. Mas então desistiu de tudo.

Muito do trunfo da narrativa vem sim, do quesito “não saber” o que está realmente acontecendo e a forma como vai sendo construída. Pelo quarto final do livro, eu estava encantada e hipnotizada porque não tinha mesmo como você saber o motivo de algo tão difícil estar acontecendo com a vida da protagonista, mas, ao mesmo tempo, você consegue entender porque talvez, só talvez, seja ela mesma que esteja causando aquilo tudo pra ela. E talvez não seja também.

Blythe é uma personagem que você consegue se relacionar e entender, por mais que você acredite que ela está louca, e eu tenho certeza que algumas pessoas que lerão esse livro terão plena certeza de que ela está louca e eu queria muito conversar com essas pessoas, fazer um clube da leitura e sentar e ouvir todas as ideias que estão vindo de você. Essas pessoas provavelmente desprezarão a personagem, mas isso não aconteceu comigo: eu dei a ela o beneficio da dúvida. Eu entendi que ela tinha uma bagagem e tudo isso poderia sim, estar afetando sua capacidade de interpretação. E também criei teorias sobre o seu relacionamento com Violet. Eu me perguntei se ela não via na figura da filha uma ameaça por pura rivalidade feminina ou seria uma mãe narcisista – acho que você já entendeu que pirei em teorias aqui, certo? Porque sim, eu pirei em teorias, e ainda bem que fiquei na dúvida, em tudo, o tempo inteiro.

Blythe?
Oi?” Eu olhei para ela, à porta.
Não quero que aprenda a ser como eu. Mas não sei como ensinar você a ser uma pessoa diferente.

Termino esta resenha novamente mexida por todos sentimentos que tive ao terminar esse livro, com aquela sensação maravilhosa de ter lido algo que ficou comigo, por todos motivos certos e intensos. Me pego constantemente me perguntando o que aconteceria depois daquela última página. Há tanto para se falar e pensar sobre essa trama que eu realmente fico me questionando na complexidade dela e na em todos nossos impulsos de sermos quem somos. Para nossa felicidade. Para a felicidade de nossos pais. Pela nossa procura do nosso final feliz. E o que fazemos quando não o temos, quando não chegamos lá, quando não conseguimos o que queremos.

O Impulso” é um thriller capaz de te fazer perder o sono, e eu te afirmo isso com toda certeza do mundo (e olha que eu sou viciada em thrillers, acho que vocês já sacaram isso), além da grata surpresa de ser o primeiro livro da autora. Mas, além do suspense da trama, da falta de confiança em nossa personagem principal e de toda dureza da trama, há uma trama, bem no coração de todo enredo, que é sobre o papel da mulher. O que você quer e o que esperam de você é muito, muito diferente, exatamente como eu comecei falando nesta resenha. As expectativas são diferentes dos nossos instintos e ainda há aquelas mulheres que tem outros sentimentos, outras perspectivavas, outras metas da vida. O livro fala de maternidade, mas, mais do que isso, fala sobre relacionamentos: você constrói seus relacionamentos, pouco a pouco. Colocar alguém no mundo não dá um passe livre de amor eterno em mão dupla. Você precisa conviver, aprender, conhecer e então sim, amar. E se o amor não chegar, o que faz de você uma mulher? Você já se questionou isso? Espero que sim.

O livro ainda não foi lançado aqui no Brasil: será dia 22 de janeiro de 2021. Recebi um convite da Editora Paralela (nossa parceira maravilhosa) para receber uma prova do livro. Prova são os famosos ARCs que normalmente falamos: são provas de leituras avançadas, feitas para promover o livro e ainda sem sua revisão final, então o texto ainda pode ter mudanças e algumas mudanças até mesmo de diagramação. Agradeço demais a confiança da Editora e fico feliz de poder ter lido esse livro porque ele definitivamente entrou na minha lista de melhores do ano, sem esforço algum.

Para comprar “O Impulso”, ainda em pré-venda, basta clicar no nome da livraria:

Amazon.
Submarino.

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1 comentário em “Resenha: O Impulso – Ashley Audrain”



  1. Mayara disse:

    Meu Deus!
    Só de ler sua resenha já me deu palpitação!!
    E Uma vontade imensa de ler e ao mesmo tempo pavor.
    Espero um dia conseguir ler esse livro, pq atualmente zero emocional para um tema tão complexo.



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