“Olhos vazios”
Charlie Donlea
Tradução: Carlos Szlak
Faro Editorial – 2023 – 320 páginas
ELA MUDOU O NOME E A APARÊNCIA… MAS NADA PODE APAGAR O QUE TESTEMUNHOU.
Alex Armstrong mudou tudo sobre si mesma: seu nome, sua aparência, sua história. Ela não é mais a adolescente aterrorizada que apareceu na TV, algemada, sendo conduzida da casa onde vivia até a noite em que sua família foi massacrada. Apelidada de Olhar Vazio pela imprensa, ela foi acusada dos assassinatos, teve a vida duramente exposta pelos veículos de comunicação, mas lutou com todas as suas forças para limpar o seu nome
Dez anos se passaram e Alex nunca parou de procurar pela verdade, mesmo tendo de esconder sua identidade da horda de fanáticos por crimes reais e repórteres desesperados por qualquer notícia sobre seu paradeiro. Agora como investigadora, ela trabalha incansavelmente para garantir justiça para outros acusados. Pessoas como Matthew Claymore, que é suspeito do desaparecimento da namorada, uma estudante de jornalismo chamada Laura McAllister. Laura estava prestes a divulgar uma grande história sobre estupro e acobertamentos em sua faculdade. Alex acredita que Matthew é inocente e descobre revelações impressionantes sobre o corpo docente da universidade, alunos e pais poderosos dispostos a fazer qualquer coisa para proteger os filhos. Mas ao iniciar sua investigação, Alex encontra conexões surpreendentes com o assassinato da própria família. Por mais diferentes que os crimes possam parecer…
Vou começar atestando algo que parece óbvio para os leitores do gênero: Charlie Donela é atualmente um dos maiores e melhores escritores de Suspense/Thrillers no cenário mundial. Sei disso porque já li quase todos livros publicados do autor (inclusive já resenhei “Não confie em ninguém”, que você pode ler clicando AQUI) e posso dizer que em maiores e menores escalas a cada livro, Donlea consegue o que parece ser um dom natural: prender o leitor em tramas que a princípio parecem intrincadas demais, mas que no final, ao juntar todas as peças, você entende que é algo cruel demais, um crime que pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar do mundo – e o mais assustador: a qualquer pessoa. A forma envolvente e as pistas que o autor sempre vai dando em suas tramas são quase que como um quebra-cabeças, e eu particularmente adoro um.
Recebi este exemplar da Faro Editora, que agradeço, em troca de uma resenha honesta e não vou atenuar nenhuma impressão que tive ao ler este livro. Até aqui, meu livro favorito do Donela havia sido justamente “Não confie em ninguém”, mas isso definitivamente mudou: “Olhos Vazios” é uma trama tão boa, tão instigante tão redonda, tão repleta de momentos reais e cruéis, que definitivamente se tornou meu favorito. E não, não estou só jogando isso, mas sim porque a narrativa é ágil, a trama (que são basicamente duas) se interligam de um jeito surpreendente e por mais que eu tenha previsto uma das grandes reviravoltas da narrativa, não fiquei nem mesmo remotamente decepcionada pela forma como o autor a montou. Contada de forma não cronológica, indo ao passado em diversos pontos para contar a história de Alexandra “Alex” Quinlan, adolescente de 17 anos que tem os pais e o irmão mais novo assassinados dentro de sua casa em uma madrugada normal – mas que consegue sobreviver. E esse crime é o ponto de partida de uma trama tão bem construída que só consegui largar o livro quando terminei.
Garrett Lancaster se encaminhava para a tribuna, enquanto as câmeras de televisão registravam todos os seus movimentos, e milhões de telespectadores assistiam a cobertura ao vivo. O processo de Alexandra Quinlan contra o estado da Virginia por difamação havia atraído a atenção do país. Desde a noite do assassinato da família Quinlan e da prisão da filha de dezessete anos pelas mortes, o público havia ficado fascinado por Alexandra Quilan. Primeiro, quando ela tinha sido acusada pelo crime e tachada de assassina sádica. E depois, ao ser inocentada após surgirem evidencias que provavam a sua inocência. E sobretudo naquele momento, quando Alexandra tinha dado a volta por cima e processado o estado da Virgina, alegando que o Departamento de Policia de McIntosh e a promotoria distrital de Alleghany não só prejudicaram a investigação do assassinato de sua família, mas também arruinaram a sua vida ao longo de todo processo.
A trama começa na data dos assassinatos dos pais de Alex, em 15 de janeiro de 2013. O casal Dennis e Helen, e seu filho de 13 anos, Raymond, são executados a tiros em sua casa e vemos isto pelo ponto de vista do assassino, que deixa claro que o garoto era um “efeito colateral”, ficando claro para o leitor que o alvo eram os pais. Quando o assassino vai até o quarto de Alexandra para também acabar com a vida da garota, descobre que ela fugiu. A partir dai temos trechos, todos muito rápidos, de um julgamento de um processo que está acontecendo em setembro daquele mesmo ano, processo este que tem Alexandra como autora e não como ré: ela está processando o estado da Virgínia por difamação, já como ao chegar na cena e encontrar somente a adolescente ali, com a arma do crime nas mãos, parecia claro para a polícia norte-americana que Alexandra era a culpada e, claro, não se dignou a investigar propriamente.
Sem fazer o seu trabalho direito e com a ideia fixa de que havia sido a filha mais velha do casal que havia cometido aquele crime terrível, encabeçados pelos detetive Romero Alvarez, a policia pede pela prisão da jovem que nem havia completado 18 anos. Mas a primeira policial a chegar a cena do crime, Donna Koppel, entende que Alexandra estava em choque precisando de ajuda, e por isso ligou para seu marido, o advogado Garrett Lancaster, do renomado escritório Lancaster & Jordan. Depois de meses presa, Alexandra é solta e decide processar o estado, e é ai, em forma de flashbacks, que vemos mais detalhes da noite horrenda que a jovem sobreviveu porque além do trauma de ver os corpos dos pais, ao ser tirada da casa já algemada, uma repórter chamada Tracy Carr já estava na porta da casa na pacata cidade e claro que tentou entrevistar Alexandra. Em choque ao ter visto toda sua família ser morta, a adolescente olha para a câmera e atesta exatamente isso – mas, perdida no choque do que havia acabado de acontecer, não havia emoção em seus olhos e, por isso, a repórter a deu a alcunha de “Olhos Vazios”. Claro que esse apelido pegou e é por isso que temos esse titulo. Claro que Alexandra também vence o processo contra o Estado. E essa trama toda é somente a primeira parte do livro.
Durante o julgamento, e ainda naquele momento, a mídia americana estava desesperada por encontrá-la, e não por razões boas ou nobres. A mídia queria capturar Alexandra Quinlan e queimá-la na fogueira. Apesar de uma pilha de provas incontestáveis de que Alex não tinha matado a própria família, e havia, na verdade, escapado por pouco da morte, os abutres da comunidade de crimes reais se recusavam a acreditar. E desde que ela ganhou uma grande indenização em seu processo por difamação, que a deixou milionária, os fanáticos por crimes reais ficaram desesperados para encontrá-la, questioná-la, expor as suas mentiras e garantir que o resto da sua vida fosse um inferno.
Quando a segunda parte do livro começa, somos reapresentados a Alex, que agora usa o sobrenome como nome e tenta muito se encaixar em uma vida normal. Dois anos se passaram e ela realmente tenta levar a vida de uma universitária comum, sem nunca deixar de lado o crime horrível que presenciou. Há detalhes na cena que a polícia simplesmente não conseguia explicar e Alex tem certeza que há motivo para tais detalhes, então começa a investigar por sua própria conta, já como tem dinheiro suficiente para viver e pagar suas contas. Mas claro que o crime que marcou sua vida se tornou um marco entre os fãs online de crimes reais, aqueles aficionados por esse gênero, seja em formato de documentários ou de podcasts. Essa comunidade, que gosta de bancar de detetive na vida real, fica atônita com o sumiço da Olhos Vazios, sem a menor ideia de que a garota basicamente se escondeu em outro país com a ajuda de Garrett Lancaster. Até que um dia, em uma pesquisa sobre o que aconteceu no passado, Alex precisa ser novamente salva, encerrando mais uma parte da narrativa.
Se você se questionando qual o propósito desta parte do livro,te explico: para mostrar como e por que Alex se tornou uma detetive do Escritório Lancaster & Jordan quando a terceira parte da trama começa. O ano agora já é 2023 e Alex parece ter encontrado um propósito maior em sua vida, já como nunca conseguiu deixar de lado completamente a investigação do assassinato de sua família, e, talvez, ajudando a inocentar outros acusados como ela foi, talvez alivie sua culpa de ter sobrevivido ao massacre de sua família. E é aqui, logo no começo desta parte, que somos testemunhas de um estupro – calma, não há nada gráfico, mas já entendemos bem em que direção a trama de Laura McAllister tomará. Estrela da universidade McCormack, a jovem estudante de jornalismo conseguiu transformar um podcast feito em um estúdio da faculdade em um verdadeiro hit, chamando atenção de milhões pelos Estados Unidos. Trabalhando em uma grande reportagem para um episódio de seu já famoso podcast, Laura simplesmente some deixando seu namorado Matthew como principal suspeito, já como ele foi o último a vê-la. Mas o caso que a jovem estava investigando para sua reportagem talvez a ligue a Duncan, filho do Juiz Lawrence “Larry” Chadwick, que está sendo investigado pela agente do FBI Annette Packard porque é o principal candidato a uma vaga no Supremo Superior Tribunal Norte-Americano. Quando Matthew precisa de um advogado, acho que já sabemos que escritório ele procurará, fazendo sua vida encontrar a de Alex.
Seu plano era ousado. Ela não usaria a faixa de frequência e a plataforma de transmissão da Universidade McCormack, que sempre foi o primeiro meio para Laura distribuir as suas reportagens antes de postá-las nas suas contas das redes sociais. Em vez disso, ela só faria uso das redes sociais e postaria o episodio direto na internet para os seus mais de um milhão de seguidores. Depois, ela ia se esconder por alguns dias. Talvez ela se escondesse em um hotel e acompanhasse o desenrolar dos acontecimentos. Ela tinha pensado em ir para casa, mas não queria chamar a atenção dos pais caso a impressa ou a policia – ou até mesmo o governo federal – aparecessem para procurá-la.
Existe muito que não estou falando nesta resenha, até porque o livro tem sete partes e parei de falar sobre a trama no parágrafo acima ainda na terceira – e acredite, aí tem todas informações que você precisa para se jogar nesta narrativa sem ter absolutamente nada de sua experiência estragada por informações demais. A partir desse ponto, são acontecimentos ininterruptos, Alex investigando o sumiço de Laura e vendo que o crime de sua família talvez se cruze em um intrincado de diversos crimes ao longo de decadas. Para os que não conhecem a escrita de Donlea, me permita dizer que assim como em outros livros dele, nenhuma personagem está a salvo – absolutamente nenhuma.
O ritmo do livro não para, e mesmo com 320 páginas, você não consegue parar porque você quer saber o que acontece. Como já mencionei, não seguimos uma ordem cronológica aqui, então os flashbacks sempre são assinalados por páginas com coloração, formatação e fonte diferente, o que obviamente chama a atenção do leitor, além de haverem datas no cabeçalho, sem indicar quem seriam os narradores de todas aquelas partes, afinal, estamos em um suspense e temos de montar esse quebra-cabeças. Espere ainda algumas surpresas pelo meio do caminho, as quais obviamente não falarei, mas quem é fã do autor e do universo criado vibrará (sim, os livros dele se passam no mesmo universo!). E, no final das contas, se prepare para se deparar com uma trama complexa, com personagens bem construídos e com motivações coerentes até mesmo para alguém que decide se tornar um possível vilão, mas que é, na verdade, um herói aos seus próprios olhos – que podem esconder muito e não serem nada vazios.
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