“Não confie em ninguém”
Charlie Donlea
Faro – 2018 – 352 páginas
O destino de Grace Sebold toma um rumo inesperado durante uma tranquila viagem com o namorado. O rapaz é assassinado… e ela é condenada pelo crime. Depois de dez anos na prisão, surge a chance de Grace provar sua inocência ao conhecer a cineasta Sidney. Em um documentário que exibe as falhas do processo, a cineasta questiona se a condenação foi fruto de incompetência policial ou se a jovem foi vítima de uma conspiração. Antes do término das filmagens, o clamor popular leva o caso ser reaberto, mas um novo fato provoca uma reviravolta: Sidney recebe uma carta anônima afirmando que ela está sendo enganada pela assassina. A cineasta começa a investigar o passado de Grace e quanto mais se aprofunda na história, mais dúvidas aparecem. No entanto, agora, o que está em jogo não é apenas a repentina fama e carreira, mas sua própria vida.
Charlie Donlea é um nome que tem crescido bastante entre os autores de suspense e thriller, por isso, é natural que me chamasse atenção. Adoro um bom livro de suspense, que me prenda a ponto de não conseguir soltar o livro momento nenhum. Tendo publicado apenas 4 livros (falarei sobre isso adiante), Donlea chegou ao Brasil pela Editora Faro, desconhecida minha, e veio a Bienal do ano passado em São Paulo. Minha atenção já estava completamente tomada e eu decidi que desse ano não passaria a sua leitura. Assim fiz. E ainda bem que fiz.
Aqui o livro começa com a protagonista da trama, Sidney Ryan, uma jornalista e produtora de documentários que ao realizar o seu primeiro projeto baseado em um caso de crime real conseguiu ótimos retornos, se tornando um nome bastante lucrativo. O caminho foi natural, e Sidney se pegou fazendo um segundo documentário também baseado em um caso real, e a medida que suas séries foram mostrando falhas nas convicções de que os culpados eram os reais autores dos crimes e provocando reviravoltas em processos judiciais, ela se tornou uma espécie de “tentativa de salvação” para essas pessoas presas e que juravam que eram inocentes – e é aqui entra Grace Sebold.
Um instante antes, na curva final da minha árdua escalada do Gross Piton, pisei em uma poça de lama com as solas macias dos sapatos. A adrenalina tinha tomado conta do meu corpo, o que facilitou bastante a jornada. As endorfinas me ajudariam muito. Eu precisaria de seus poderes analgésicos para descer a montanha tão rápido quanto a subi. Matar alguém exige perfeição, timing e sorte. Eu esperava que esses três atributos estivessem ao meu lado naquele entardecer.
Grace era uma estudante de medicina, com um futuro brilhante diante dela, que foi à Ilha de Santa Lúcia, no Caribe, para o casamento de uma amiga de longa data, levando com ela o namorado, Julian Crist, outro estudante de medicina, tão brilhante e com futuro tão promissor quanto o de sua namorada. Na noite aonde um jantar romântico entre os dois aconteceria e Julian tinha uma surpresa planejada, ele encontra a morte – na verdade, é assim que o livro se inicia, com o ponto de vista de Julian e também nos “presenteia” com um ponto de vista, em primeira pessoa para não entregar o sexo, do assassino e sua busca por Julian. Como estava previsto o jantar, a única pessoa esperada para ver Julian era Grace, que se tornou a principal suspeita do crime assim que os policiais entenderam que o que aconteceu com o rapaz não foi um acidente. Tendo estudado com Sidney nos primeiros anos da faculdade e agora sabendo da fama da jornalista, mesmo já tendo sido sentenciada e cumprindo sua pena há 10 anos, Grace continua alegando sua inocência e escreve para a outrora colega para pedir sua ajuda. Assim a jornada das duas se entrelaçam e a trama do livro se inicia.
Sidney vai ao encontro de Grace no Caribe, e o livro é muito, muito eficaz em te deixar no escuro sobre Grace e sua personalidade. Vemos a prisioneira através dos olhos de Sidney, como ela envelheceu e os efeitos da prisão em uma pessoa que era cheia de vida e sonhos. A partir dai, Sidney começa a investigar o caso da morte de Julian e tem uma ideia bastante inovadora: irá colocar seu quarto documentário sobre o crime de Julian no ar enquanto o edita, ou seja, basicamente iria descobrindo as novidades e dissecando o caso à medida que ele fosse ao ar, dando o nome de “A Garota de Sugar Beach”, cidade natal de Grace. Era um passo bastante ariscado, mas já tendo rendido bastante dinheiro a sua emissora de TV, um voto de confiança foi dado a protagonista, que logo se vê completamente entregue ao caso tentando descobrir se Grace estava mentindo ou falando a verdade sobre sua inocência, e com isso o leitor vai sendo sugado para um universo aonde nem tudo que parece é. E quanto menos eu falar sobre o livro em si e sua trama, melhor pra você. Acredite.
Os Estados Unidos tinham se esquecido de Julian Crist, mas não de sua morte. A cultura popular americana recordava somente que um jovem estudante de medicina havia sido morto em Santa Lúcia e que sua namorada fora condenada por seu assassinato. Julian Crist era uma nota de rodapé na história de de Grace Sebold. Ela roubara as manchetes na última década. Suas apelações e seus gritos de injustiça foram estridentes. Os Estados Unidos a conheciam como a garota presa em um país estrangeiro, acusada de um assassinato que ela alegava não ter cometido.
Sidney é uma personagem que você se identifica por personificar o universo real feminino: completamente absorta em seu trabalho, ela se questiona se não está perdendo mais da vida ao não conseguir manter um relacionamento (há um ex dela no livro, que é um dos seus chefes) e as suas dúvidas sobre si mesma, evocando bastante os questionamentos sobre como conduzir o documentário que está indo ao ar e ganhando mais e mais audiência a cada semana, além de lidar com a inveja de um colega de trabalho. Grace, em contrapartida, é uma personagem cheia de nunces e dúbia, fazendo o leitor ter pena da personagem e também nunca se sentir seguro sobre suas ações e o que ela realmente pensa e deseja, mesmo no passado. Ela está mentindo, disso o leitor sabe, mas não entende aonde e nem quando ela mentiu – uma grande, grande sacada do autor.
A ideia de pedaços dos capítulos que mostram como seriam trechos do documentário me ganhou profundamente. Como sou amante de documentários de crimes reais, sei bem como funciona a narrativa e a forma como o livro foi desenrolando e mostrando as passagens torna a narrativa mais atraente ainda, junto com pontos de vistos do julgamento que Grace enfrentou na Ilha de Santa Lúcia. O leitor cria seus próprios julgamentos, levado também a acreditar que sim, o julgamento dela foi tendencioso, levado pela ganância dos gestores da ilha em encerrar o caso – afinal, que tipo de lugar comparado a paraíso que serve como destino de férias iria sobreviver a um crime tão bárbaro? É a velha história tão conhecida do dinheiro guiando as ações da justiça e toldando o julgamento da polícia, pressionada. Parece que realmente um erro aconteceu com Grace, mas… será mesmo? Você tem certeza? Porque nesse ponto, Sidney recebe uma carta explicando que Grace é uma grande mentirosa e manipuladora – e não é a primeira vez que algo horrível acontece ao seu redor. E isso é tudo que você precisa saber sobre o livro. Digo de novo. Sério.
– Tínhamos vinte e poucos anos, Sidney. Não sei se algum relacionamento é perfeito nessa idade. Mas eu o amava. Alguma parte de mim ainda o ama. A parte que não está brava com ele. Passei muitas horas e mais do que algumas noites em claro tentando descobrir essa emoção, mas em algum nível difícil de explicar, sinto raiva de Julian. Não tenho acesso a um psiquiatra aqui, por isso preciso entender essas emoções sozinha. No entanto, o que decidi é que sinto raiva de Julian porque ele me deixou aqui. Porque sua morte me trouxe muita dor e tristeza. Sua morte custou minha própria vida. E mesmo assim, depois de todos esses anos, ainda o amo. Sei que nada disso é culpa dele. Só que não tenho nenhum outro lugar para pôr a culpa. Assim, o pobre Julian é quem leva uma boa parte dela.
Como falei antes, Charlie Donlea possui 4 livros publicados em sua vida até aqui, todos também publicados no Brasil pela Faro Editorial. Com uma publicação por ano, Donlea é o autor de “A Garota do Lago”, “Deixada para trás”, “Não confie em ninguém” e “Uma mulher na Escuridão”. Ainda quero assinalar um pequeno easter egg: Livia Cutty, uma das suas personagens centrais em “Deixada para trás” tem um papel importante em “Não confie em ninguém”, o que me leva a crer que ela aparecerá em outras histórias do autor – assim como um certo policial que perdeu uma perna e que aparece neste livro (estou esperando isso, hein, não me decepciona, Donlea!). A forma como o autor está construindo o universo dos seus livros – porque sim, li os 4 – está sendo bem estrutura e concisa, fazendo o leitor ter a certeza de que ele tem domínio do que quer e aonde vai. Dos seus 4 títulos, todos de suspense envolvendo crimes, o que mais gostei foi realmente “Não confie em ninguém”. “A Garota do Lago” me irritou profundamente nas motivações do crime central, “Deixada para trás” traz uma ótima reviravolta no enredo e “Uma mulher na Escuridão” não me prendeu por acrescentar em nada ao gênero – e eu estou mais do que disposta a continuar sendo uma leitora fiel de seus livros. Ano que vem está previsto mais um livro: “The Suicide House” e claro que já está na minha lista de futuras leituras (e já está confirmada a publicação pela Faro Editorial ano que vem).
Li o livro porque comprei o box “Viciados em Suspense” da foto acima por um valor bastante razoável (R$ 36 aproximadamente, sem frete). Os livros da Faro Editorial me surpreenderam demais por sua qualidade e não conhecia a editora, além de serem baratos em algumas livrarias (você pode conferir abaixo). Com páginas amarelas, não encontrei erros de digitação em nenhum lugar de “Não confie em ninguém”, sem contar que a fonte do livro muda em momentos para você entender aonde a trama está. Foi uma grata surpresa seu papel amarelado e eu deixo aqui o alerta para vocês sobre a Editora: fiquem ligados porque ela está merecendo nossa atenção e definitivamente já ganhou a minha. Coloquei algumas fotos dos detalhes do livro, como ele tem orelha e tem desenho na contracapa para mostrar mais um pouco da qualidade pra vocês.
Prezada senhorita Ryan,
Acredito que vocvê tenha cometido um grande erro em relação a Grace Sebold.
Por fim, qualquer coisa a mais que eu diga vai entregar a direção da trama do livro e eu realmente não quero isso. Confesso que em determinada parte do livro eu desconfiei fortemente de alguém e tive o grato prazer de entender que parte do que eu pensava estava completamente certo, mas ainda há uma reviravolta extra no enredo sim. Se você ama suspense, pode cair no mundo de Charlie Donlea, e, se desejar, leia os livros pela ordem de publicação que coloquei acima (eu não li e não tive problemas com isso, são histórias independentes somente com uma personagem aparecendo em dois livros diferentes, o que mostra que as tramas estão inseridas no mesmo universo), mas leia porque você não vai se arrepender de ler um livro de suspense capaz de te prender do começo ao fim: pode confiar em mim.
Para comprar “Não confie em ninguém”, basta clicar no nome da livraria:
Amazon.