17.10


“Uma rua no Brooklyn”
Jenny Jackson
Tradução: Lígia Azevedo
Paralela – 2023 – 256 páginas

Morar na Pineapple Street, no Brooklyn, é um sonho para muitos residentes de Nova York, mas uma realidade apenas para poucos ― como é o caso da glamorosa e bem relacionada família Stockton.

Darley, a filha mais velha, nunca precisou se preocupar com dinheiro. Ela seguiu seu coração, trocando o emprego e a herança pela maternidade ― mas acabou sacrificando mais de si mesma do que pretendia. Cord, o único filho homem, acaba de se casar com Sasha, que encontra entre os Stockton uma realidade totalmente diferente daquela vivida por sua família de classe média. Ela se sente excluída em meio a tantas tradições impenetráveis e é vista como interesseira. Georgiana, a mais nova dos Stockton, se apaixona por quem não poderia (e nem deveria) e é forçada a se perguntar que tipo de pessoa quer ser.

Espirituoso, divertido e cheio de personagens cativantes ― embora falhos ―, Uma rua no Brooklyn é um romance escapista sobre dinâmicas familiares complexas, o cotidiano fascinante dos super-ricos e a insanidade do primeiro amor, e faz uma das perguntas mais antigas do mundo: será que dinheiro traz mesmo felicidade?

*Suspiro*. Ok, vamos lá: tenho muito o que falar sobre “Uma rua no Brooklyn”, mas, ao mesmo tempo, essa resenha será bastante direta porque passei bastante tempo pensando sobre esse livro e qual a minha conclusão final sobre. Acredito piamente que nem todo livro (nem filme, nem música, nem peça teatral) tenha por obrigação modificar qualquer aspecto da vida com quem entra em contato: algumas vezes só queremos nos divertir ou dançar. E foi com este pensamento que escolhi ler o livro de estreia de Jenny Jackson, que me prometia falar sobre a vida dos ricos (muito ricos) que vivem em New York. Como boa cria de “Gossip Girl”, embarquei e me deparei com uma trama bem maior do que pensei que leria – e digo nisto no mau e bom sentido. No bom porque realmente o livro traz a vida dos ricos com alguns detalhes especificos, mas o mau é que é justamente o maior problema da trama porque a vida glamourosa deles não é o foco da narrativa. A família Stockton é o foco, como a sinopse entrega, mas não por seu dinheiro e sim por ser uma família. Sim, o foco do livro é o relacionamento familiar. Ou a falta dele, dependendo do seu ponto de vista.

Temos três pontos de vistas em todo livro: de Darley, a eficiente e aparentemente bem resolvida irmã mais velha Stockton. Formada na faculdade, deixou a carreira quando engravidou do segundo filho quando a primeira tinha 6 meses, e, com o apoio do apaixonado e gentil Malcolm, seu marido, se tornou uma dona de casa e mãe em tempo integral. Temos então Sasha, a esposa de Cord, o filho do meio dos Stockton. Sasha é, sem meias palavras, maltratada pelas duas cunhadas porque acreditam que ela quer “algo” do marido, apesar dela ser formada, ter seu emprego e não demonstrar ser uma interesseira. Se há um problema com Sasha, é a falta de orgulho, mas chegarei neste ponto ainda, porque agora tenho de falar do terceiro ponto de vista que é o da Georgiana. Caçula, mimada, infantil e com todos passando a mão na cabeça da pobrezinha, fazia um tempo que não tinha tanto ranço de uma personagem. E olha que ela terminou bem melhor do que começou. Muito bem, vamos continuar.

Nos dias bons, Sasha reconhecia que tinha muita sorte de morar ali. Tratava-se de uma casa antiga de quatro andares no Brooklyn, um pa­lácio enorme e tradicional onde caberiam dez apartamentos de um cômodo como aqueles em que Sasha costumava morar. No entanto, nos dias ruins, Sasha tinha a impressão de que habitava uma cápsula do tempo, o lar em que seu marido havia crescido e do qual nunca tinha saído, repleto de lembranças e histórias de infância dele, mas principalmente das porcarias da família.

O casal Stockton criou os filhos como passei a acreditar que quem é herdeiro de herdeiro de herdeiro (ou, como chamam, famílias possuidoras de “dinheiro velho”) faz: com tudo de melhor que o dinheiro pode comprar. Georgiana, por exemplo, é formada em Literatura Russa e foi trabalhar no terceiro setor, em uma ONG, mas vive também com a bela mesada que recebe dos fundos da família. Darley abriu mão do seu fundo quando se casou com o marido e não quis fazer um acordo pré-nupcial com ele, o dinheiro destinado a ela “saltando” para seus filhos, mas isto não é um problema porque Malcolm tem um ótimo emprego e é muito inteligente. E, por fim, Cord, que trabalha com o pai e também vive com a mesa dos fundos que recebe. Quando se casa com Sasha, Cord resolve se mudar para a casa na Pinneaple Street – casa de sua família, que ele e suas irmãs e seus pais viveram por anos e anos.

Claro que Darley e Georgiana, assim como sua mãe Tilda, ainda sentem que a casa é delas. Georgiana ainda tem as chaves, Tilda fala que Sasha não deveria trocar as cortinas e Darley caminha pelo lugar. É óbvio para quem lê que Sasha é tratada quase como uma agregada no sentido de funcionário da palavra. A trama começa com uma cena que parece um tanto desconexa, mas, no quarto final do livro, vai fazer todo sentido. Enquanto vamos sendo apresentados ao meio dos ricos (realmente ricos), vamos tendo acesso a mente das personagens e da forma, digamos assim, peculiar que vêem o mundo, que nada mais é do que o mundo através das lentes de quem nunca precisou pensar em contas e tem até medo de se envolver com as pessoas porque, veja bem, podem querer algo com o dinheiro deles. E Sasha, obviamente, é uma dessas pessoas, pensam Sasha e Darley.

A mansão pertencia ao fundador da organização, um herdeiro da indústria farmacêutica. Ele havia viajado o mundo quando jovem e se conscientizado da falta de acesso a assistência médica em países subdesenvolvidos, então abrira uma organização sem fins lucrativos para ensinar organizações locais a construírem sistemas de saúde sustentáveis. A organização funcionava basicamente graças aos recursos que recebia de lugares como a Fundação Gates e o Banco Mundial, e contava com doadores ricos do setor privado. Georgiana trabalhava no departamento de comunicação, portanto tinha que puxar o saco daqueles doadores e selecionar fotos para o site, editar artigos sobre os projetos para a newsletter e gerenciar os perfis nas redes sociais. Ela não nutria interesse especial por redes sociais, mas como tinha menos de trinta anos todos achavam o contrário. E a menção casual ao fato de que tinha mil e oitocentos seguidores no Instagram a ajudara a conseguir o emprego. (Mas quem não tinha? Tudo o que a pessoa precisava fazer era deixar o perfil público e postar fotos ocasionais das amigas gatas em uma festa.)

O problema entre Darley e Georgiana x Sasha começou quando, noivos e prestes a se casarem, um belo dia, um advogado bateu à porta do apartamento de Sasha e lhe falou sobre um acordo pré-nupcial. Ferida, Sasha tenta conversar com Cord, mas ele obviamente acha que a noiva está reagindo forte demais por uma bobagem. Uma briga acontece, Cord menciona para sua família que Sasha foi pra casa dos pais por causa do acordo – some isto a um primo bêbado na festa de casamento e o casal recém casado indo morar na famosa casa da família e pronto: as duas Stockton bateram o martelo que Sasha era mesmo uma interesseira. Claro que Sasha não sabia da “fama” que lhe era taxada aí, mas, por algum motivo que não entendo, ela simplesmente aceitou se casar e entrar nessa roubada, já como durante a briga que aconteceu depois da visita do advogado, Cord disse que escolheria a família a ela – sim, ele falou isso. E sim, ela ainda se casou.

A trama não é ruim e é bastante divertida em alguns pontos, mas, em outros, é somente o leitor querendo estapear Georgiana e sacudir Darley com as escolhas que fazem. Estou evitando falar muito sobre a trama das duas porque eu reprovei em torno de uns 95% de tudo que as personagens fizeram e poderia fazer um texto explicando ponto a ponto. Meu problema não são elas serem mimadas, meu problema é que ninguém sacode as duas e explica o quão mimadas elas (e o Cord) são e me foge a compreensão porque ninguém não faz isso. Fechados ente si, em um ápice da trama, eles chegam a ficar com raiva de Sasha por não ter contado algo bem errado (e moralmente f*dido) que a Georgiana fez porque, olha só, ela só tem 26 anos e estava sofrendo. Família não é passar a mão na cabeça, mas, a mensagem final da trama termina sendo essa, como se tudo magicamente pudesse ser revolvido com a *toquem as trombetas:* FAMÍLIA.

Bom, estou mesmo começando a levar pro pessoal, Cord.” Sasha estava de saco cheio. Havia um limite para quanto uma pessoa aguentava ser tratada como uma intrusa sem abrir a boca. “Não sei o que fiz de errado, mas tenho a sensação de que suas irmãs não gostam de mim.
Como assim? Isso não é verdade.” Cord deu alguns tapinhas nas costas dela e tentou ir embora. Era um homem branco da elite da cabeça aos pés: conflitos o deixavam profundamente desconfortável.
Sasha insistiu. “Parece que elas reviram os olhos sempre que eu abro a boca.” Era mais que aquilo, mas ficava complicado explicar. Como articular em palavras a sensação de que elas estavam constantemente lhe virando as costas, franzindo o nariz, desviando o rosto?

E aqui preciso parar de falar da trama para falar sobre família. Família é importante. Família é a base da maior parte das pessoas. Mas você não deve (e nem pode) aceitar tudo só porque alguém é da sua família. E é por isso que terminei tão irritada com o livro e com a única personagem que acredito que me identifiquei, Sasha. Ela precisava se impor. Ela precisava mandar todo mundo ir catar coquinho, incluindo o marido. Ela precisava mostrar, como mostrou para sua própria família, que tem vontade própria e se precisar se afastar, ela vai. Mas não. Tudo foi resolvido e perdoado porque bem, eles fazem parte da mesma família. Enfim, é o mesmo que usar amor como solução, deixando de lado toda responsabilidade afetiva.

Parece que detestei o livro, e não foi bem assim. Um dos pontos altos do livro é justamente a proposta principal: a forma como a autora consegue retratar o modo de pensar das personagens é realmente muito, muito coerente com cada uma: Darley, a que sente que deve abrir mão das coisas pelos irmãos até que começa a se ressente; Sasha, que veio de uma família que a amava de classe média, que ama o marido e que quer fazer o relacionamento funcionar porque o ama; e, por fim, Georgiana, que faz dezenas de escolhas impulsivas e erradas porque sempre foi tratada como se não precisasse ter responsabilidade. Todos os pontos de vistas são muito, mas muito diversos entre si, fazendo com que o leitor imediatamente entenda que trocou a visão de quem está vivenciando os fatos, o que torna a leitura bastante coesa e rápida.

Quanto mais ela pensava a respeito, mais furiosa ficava. Via-se em uma situação da qual só poderia sair perdendo. Era parte de uma família em que não tinha voz e não tinha voto, uma família que mantinha as portas fechadas e os envelopes lacrados para ela, uma família ligada pelo dinheiro, mas também amordaçada por ele. De repente pareceu fazer sentido que os Stockton tivessem se estabelecido tantos anos antes na região do Brooklyn com as ruas com nomes de frutas, que eles quisessem viver em casas protegidas pelos institutos de preservação histórica: não queriam mudar, queriam permanecer exatamente como eram.

Retornando a proposta central do livro de mostrar como são os núcleos familiares dos ricos (realmente ricos) é também bastante explorada e demonstrada. Ainda há uma ótima analogia com as frutas, o nome da rua da bendita casa da família Stockton e a casca de uma laranja que está na capa do livro: a certa altura, Darley pensa nela e nos irmãos como frutas, se colocando como uma laranja, chata e segura, enquanto Cord seria um abacaxi – a tal Pineapple, nome da rua.

Como comecei falando, nem todo livro precisa ter algo profundo para mudar o leitor ou aquecer seu coração. Às vezes a gente quer só se divertir, e, nessa proposta, acredito que o livro é bem-sucedido, apesar das raivais que passei em alguns trechos. No final das contas, talvez nós, como bons Bookstans, não queremos refletir sobre frutas ou fazer analogias profundas: às vezes uma boa e velha pipoca é tudo que precisamos.

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