15.09


“Holly”
Stephen King
Tradução: Regiane Winarski
Suma – 2023 – 448 páginas

Holly Gibney surgiu tímida e reclusa em Mr. Mercedes e se tornou uma detetive particular talentosa. Neste romance inédito de Stephen King, ela retorna para enfrentar dois adversários perversos.

Penny Dahl está desesperada para encontrar a filha, Bonnie, que sumiu sem deixar vestígios. Em busca de ajuda profissional, ela liga para a agência Achados e Perdidos, sob o comando de Holly Gibney. A detetive reluta em aceitar o caso, porque deveria estar de licença, mas algo na voz de Penny faz com que Holly não consiga ignorar o pedido.

A poucos quarteirões de onde Bonnie foi vista pela última vez, moram Rodney e Emily Harris. Um casal de acadêmicos octogenários, dedicados um ao outro, eles simbolizam a banalidade da classe média suburbana. No entanto, no porão de sua casa bem cuidada e repleta de livros, os dois escondem um segredo terrível, que pode estar relacionado ao desaparecimento de Bonnie.

Descobrir a verdade se torna uma tarefa quase impossível, e Holly dependerá de seus talentos extraordinários para desmascarar os professores ― antes que eles ataquem novamente.

“Eu não conseguia deixar Holly Gibney partir. Ela deveria ser uma personagem secundária em Mr. Mercedes, mas acabou roubando a cena e o meu coração. Holly é única.” ― Stephen King

Holly tem potencial de ser meu novo livro favorito do King!” Foi o que falei para a Ju enquanto li “Holly”, novo livro de Stephen King, e sim, eu estava certa: por todos motivos do mundo, este livro é simplesmente uma senhora canetada de um autor que já se consolidou de tal forma que pode navegar por todos os gêneros e surpreender seu leitor. E a surpresa aqui vem na forma da trama: Não há sobrenatural. Não há nem mesmo menção a qualquer causa sobrenatural com os crimes que acontecem neste livro. Se você quer começar a ler King e tem medo do sobrenatural, pode ler “Holly” sem medo algum (e me permita abrir este parêntese para dizer que não é o primeiro livro do autor que não há terror, como, por exemplo, “Billy Summers”, que você pode ler a resenha clicando AQUI).

Para os que não conhecem Holly Gibney, a personagem principal que dá o título este livro, destaco que ela apareceu pela primeira vez em “Mr. Mercedes” como uma coadjuvante que definitivamente roubou a cena. Presente em todos livros desta trilogia, fazendo participação ainda em “Outsider” e em mais um conto do livro “Com sangue” (que você também pode ler minha resenha SEM spoiler clicando AQUI), Holly enfim ganha um livro todo seu para mostrar o funcionamento de suaente brilhante e da agência de investigação Achados e Perdidos mais uma vez. E algo me diz que não será a última vez que a vemos, o que me deixa bem feliz. Agora vamos falar da trama de um livro que tem tantos acertos que fica difícil elogiar.

Sob a tutela paciente de Bill Hodges, ela treinou a mente para acompanhar certos fatos e não demonstrar no rosto quando eles levam a certas conclusões. Eis um fato: ao que parece, Charlotte tinha joias que valiam muito dinheiro. Eis outro: Holly nunca viu a mãe usando nenhuma delas; nem sabia que existiam. Conclusão: em algum momento depois que a mãe recebeu a herança, e provavelmente depois que o dinheiro foi supostamente perdido, Charlotte virou uma acumuladora secreta, como um goblin em uma história de fantasia.

Holly” se passa durante a pandemia, já no ano de 2021, quando as vacinas já haviam chegado, mas as pessoas ainda estavam morrendo em grande quantidade. Nos Estados Unidos, varrido por uma onda de negacionismo, muitos escolheram não tomar as vacinas, entre eles Charlotte, mãe de Holly, que morreu no hospital. O relacionamento das duas sempre foi marcado pela falta de incentivo à filha, que tem um jeito metódico e certo de ver a vida e de agir tanto em suas investigações, quanto com seus relacionamentos. Apesar de não ser a cena que abre o livro (já volto nesse ponto), lemos uma Holly arrasada realizando seu discurso em um velório pelo aplicativo Zoom. Tudo parece demais e seus amigos entendem isso, especialmente Barbara, a irmã mais nova de Jerome Robison, outro personagem que também adentrou o Kingverso em “Mr. Mercedes” e que tem participação também nesta trama.

Com seu sócio Pete tendo contraído Covid e uma Holly enlutada, a Achados e Perdidos está fechada temporariamente, mas, para sua surpresa, Holly recebe quatro mensagens em sua caixa postal de uma mulher chamada Penny Dahl. Holly foi indicada a Penny por Izzy, detetive que está cuidando do sumiço de Bonnie, filha de Penny. Mesmo sabendo que não deveria se colocar sob pressão e depois de conversar com Pete, Holly aceita se encontrar com a mulher e saber mais sobre o que está acontecendo. É é assim que, claro, aceita o caso para procurar pela jovem adulta Bonnie.

Tantas lembranças ali. A pergunta é simples: enfrentar ou esquecer?

Enfrentar, claro, e não só porque ela é uma pessoa diferente agora, uma pessoa melhor, uma pessoa corajosa que enfrentou horrores nos quais a maioria das pessoas não acreditaria. Enfrentar porque não há alternativa.

Lembram que falei acima que a cena do velório da mãe de Holly não era a cena que abria o livro? Pois bem, a cena inicial se passa em outubro de 2012, com um professor universitário chamado Jorge Castro sendo sequestrado. E eis aqui que eu conto para você, que me lê, um dos maiores trunfos de King neste livro: ele nos apresenta e faz o leitor se apegar a todas as pessoas que estão sendo sequestradas, porque sim, há uma sequência de sequestros acontecendo. Todos que forma levados têm seu momento de contarem sua história, já como a narrativa do livro não é cronologicamente linear, e todos, absolutamente todos, causam um impacto no leitor, cada um por um motivo diferente, a ponto de torcer demais para que o destino interfira e eles encontrem uma saída para o mal que os atacou.

Holly logo tem acesso a última filmagem de Bonnie viva e saindo de uma loja, com sua bicicleta. Brigada com sua mãe, com quem tinha um relacionamento bastante atribulado, Penny está desesperada para ter a filha de volta, ajudando como pode Holly. Mas a investigadora começa a entender que há sim, um padrão de pessoas desaparecidas: Jorge Castro, Cary Dressler, Elle Craslow, Peter Steinamn e Bonnie Dahl. Apesar de serem pessoas aparentemente sem qualquer ligação, sabemos que Holly irá encontrar algo em comum entre todos porque King não está escondendo o que está acontecendo do leitor, que tem a visão total do que está acontecendo, ao contrário das personagens.

Holly está melhor do que antes — mais pé no chão, mais emocionalmente estável, com menos tendência a se culpar —, mas ainda sofre de baixa autoestima e insegurança. Essas duas coisas são defeitos de personalidade, mas a ironia é a seguinte: ambas a tornam uma detetive melhor. Ela está perfeitamente ciente de que suas suposições sobre o caso podem estar totalmente erradas, mas seus instintos lhe dizem que ela está certa. Ela não quer saber se Cary contou para algum dos Coroas de Ouro sobre seus planos de ir embora da cidade; ela quer saber se algum deles conhece ou talvez até seja casado com uma mulher que sofre de ciática. É improvável, mas, como dizia o Deputy Dawg do desenho animado: “É possível, Muskie, é possível”.

Tudo que acontece quando as personagens são sequestradas é aterrorizante, mas, reforçando, não há nada sobrenatural. Absolutamente nada. É é muito isso que torna tudo mais horrível. Todo arco de Ellen, toda a história de vida dela e tudo que acontece com a personagem, abre um rombo no coração de quem lê este livro. Por diversas vezes me peguei chocada e triste, frustrada e impotente, tentando entender como as pessoas podem chegar a este lugar porque sabemos que podem e digo em diversas frontes: lembram que a narrativa se dá durante a pandemia? Temos exemplos de pessoas que não acreditam na Covid, pessoas contra as vacinas e os bons e velhos adeptos de teorias da conspiração, tudo em um cenário gigantesco de pessoas que tem a maldade dentro de si às vezes são simplesmente equivocadas – e há, claro, as boas, como Jerome, Barbara e Pete.

Mas não há como encerrar esta resenha sem falar de duas personagens que a própria sinopse já menciona: o casal de professores universitários Rodney e Emily Harris. Os dois na casa dos 80 anos, desde cedo fica claro o lugar de ambos na trama. Não quero falar exatamente o que ou muito sobre os dois porque obviamente não é minha intenção estragar a leitura de ninguém, mas me permitam falar que são duas personagens (insira um palavrão aqui) ODIOSOS. É bizarra a capacidade que King tem que nos fazer sentir asco por suas personagens e pela forma como elas escolhem viver suas vidas em determinadas situações, e temos um claro e vivído exemplo aqui.

Quando você acha que já viu o pior que os seres humanos têm a oferecer, descobre que se enganou. O mal não tem fim.

Quero deixar novamente claro que este livro é realmente tudo e mais um pouco que você pode esperar de um thriller investigativo, com um extra a mais por mostrar o pior da humanidade. King sempre deixa claro isso de um jeito ou de outro em seus livros, porque por mais que as ameaças e os vilões de suas tramas possam ser um palhaço vindo do espaço ou um cemitério que traz os mortos a vida mas em uma versão violenta, os seres humanos sempre são o verdadeiro horror em suas histórias, seja por sua ganância, homofobia, egoísmo ou violência. Existe um trecho em “Depois” (outro livro do autor que você pode ler a resenha sem spoiler clicando AQUI) que o personagem principal, um garoto que vê gente morta, pergunta ao espírito de um assassino serial porque ele matava pessoas quando vivo. A resposta? “!Porque eu podia.” É assim que King mostra a maldade pura em seus livros, e, infelizmente, é assim que é na vida real também.

A cada livro que passa, King mostra o quão fã de livros e cultura geek ele é, e aqui temos menções alque vão de Star Wars à Star Trek, a poetas e séries, como Veronica Mars. É sempre maravilhoso entender que amamos os livros escritos por alguém que entende seu público dessa forma e que é capaz de escrever grandes cenas de violência sem apelação ou que é capaz de partir o coração do seu leitor com “jeitinho”. A sensação que tenho é que parte do meu coração foi partido por King neste livro, mas o partido que todo Bookstan adora e pede mais. Para os que já conversaram comigo, não é surpresa alguma eu adorar um livro deste autor que definitivamente é um dos maiores nomes da literatura de todos tempos, mas a surpresa da vez ficou por conta da intensidade e trama tão… Mundana. Porque é isso: da pandemia a crimes diários, a violência humana se faz presente de formas aterrorizadoras. A diferença é que na ficção temos uma Holly Gibney pronta para fazer o que for preciso para ajudar, mas na vida real, compete a nós tentar salvar uns aos outros – e a nós mesmos.

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