07.05


“Depois”
Stephen King
Suma – 2021 – 192 páginas
Tradutora: Regiane Winarski

Um livro que demonstra todo o talento de Stephen King, Depois é assustador e emocionante, e fala dos desafios de crescer e aprender a distinguir o certo do errado. Uma história poderosa, perturbadora e inesquecível sobre o preço de encarar o mal, não importa sob qual forma ele se esconda.

James Conklin não é uma criança comum: ele vê gente morta. Com que frequência? Jamie não sabe bem; afinal, os mortos em geral se parecem muito com os vivos. Exceto pelo fato de que eles ficam para sempre nas roupas em que morreram, e são incapazes de mentir.

Sua mãe implora para que ele mantenha essa habilidade em segredo, o que não é problema na maior parte do tempo. Pelo menos até Liz Dutton, a companheira de sua mãe e detetive do Departamento de Polícia de Nova York, aparecer na saída da escola e anunciar que precisa de ajuda.

É assim que Jamie embarca em uma corrida para desvendar o último segredo de um falecido terrorista, e começa a jornada mais assustadora de sua vida.

Vou começar sendo direta assim como Jamie, personagem principal da trama e narrador, deixa bem claro desde começo: essa é uma história de terror. E preciso apontar que ele realmente não mentiu. O tipo de terror que temos aqui é exatamente o que faz de Stephen King o Rei que ele é: é a mistura do sobrenatural com monstros reais, tudo embalado por um narrador incrivelmente carismático, e muito se deve ao fato de que Jamie, aos 22 anos, vai narrando eventos de sua vida aos 4, 6, 8 e mais alguns anos de sua pré e adolescência em si. Quando criança, Jamie era adorável e isso não foi se perdendo ao longo dos anos ao acompanhar sua vida, e não há nenhuma surpresa aqui: Jamie narra sua vida e sua experiência em diversos pontos chaves da narrativa, tudo mostrando bastante a sua “habilidade” de ver e falar com pessoas mortas. Sim, ele vê pessoas mortas o tempo todo (desculpa, não resisti), mas o próprio livro faz piada com o filme “Sexto Sentido” e deixa claro que os mortos aqui não funcionam como na obra cinematográfica.

Mas então como funciona aqui, você pode se perguntar, e eu explico porque é realmente bem fácil: assim que morrem, os mortos aparecerem mais fortes, mais visíveis e com a fala também completamente audivel. A medida que os dias passam, os mortos perdem essa “força” e começam a perder a voz, com Jamie somente vendo os lábios se moverem e vão se tornando mais translúcidos, até que, por fim, somem. Jamie não sabe para onde eles vão depois disso, mas, a medida que o enredo vai se desenvolvendo, ele começa a ser obrigado a pensar sobre isso, levando o leitor com ele em suas descobertas.

Chegamos no prédio e o elevador ainda estava quebrado. Até dá para dizer que as coisas poderiam ter sido diferentes se estivesse funcionando, mas acho que não. Acho que as pessoas que dizem que a vida é feita das escolhas que fazemos e das estradas que tomamos estão falando merda. Porque, ora, tanto a escada quanto o elevador nos levariam ao terceiro andar. Quando o dedo errático do destino aponta para você, todas as estradas levam ao mesmo lugar. É o que eu acho. Posso mudar de ideia quando estiver mais velho, mas acho que não.

Jamie não tem o pai em sua vida, e sua mãe, Thia, desde sempre mostra que o centro da vida é o filho. Ela é agente literária, tendo assumido a empresa do seu irmão, que desenvolveu Parkinson precoce. Thia tem uma boa vida com seu filho, morando em um apartamento muito bom e sendo vizinha do professor Buckett (que perde a esposa no começo da trama), o qual é uma espécie de avô pra Jamie, papel que se torna maior ao longo dos anos. Aqui preciso fazer um parêntese porque já notei que King gosta do relacionamento de “mentor – pupilo” entre crianças e pessoas mais velhas, e aqui funciona muito, muito bem. A aproximação dos dois acontece durante os anos mesmo quando Thia perde quase tudo e precisam sair do apartamento grande e confortável que morava com o filho para outro menor, e ainda assim eles continuam visitando o idoso.

É justamente por perder quase todo dinheiro que Thia resolve fazer algo que nunca se imaginou fazendo: ela pede ajuda ao filho para que, usando seu “poder”, fale com o escritor que morreu sem completar sua obra. Sem o lançamento desse livro, Thia e seu filho estarão realmente quebrados e ela está tentando muito, muito mesmo, evitar que isso aconteça. Aqui preciso enfim falar sobre Liz, a companheira de Thia: policial, Liz parece uma boa pessoa que entrou na vida de Jamie através de sua mãe. Quando chega o momento de Jamie falar com Regis Thomas, o escritor morto da série Roanoke (suja a Suma fez um pôster para o livro dentro do livro e preciso gritar que: AMEI), Liz enfim se dá conta que o pequeno Jamie realmente pode ter um poder extraordinário que ela nunca havia realmente acreditado – afinal, é algo difícil mesmo de acreditar, não tiro a razão de Liz. Mas estamos em um livro do King, e claro que grandes reviravoltas chegam, e preciso falar que sempre aguardo por elas porque King sempre traz algo que eu amo: os monstros humanos.

Deve ser tão estranho isso que você consegue fazer. Tão bizarro. Não te deixa morrendo de medo?
Pensei em perguntar se ela sentia medo de olhar para a noite e ver as estrelas e saber que elas continuavam para toda a eternidade, mas nem me dei a esse trabalho. Só falei que não. A gente se acostuma com as coisas extraordinárias. Aceita como normais. Podemos até tentar não nos acostumar, mas é o que acontece. Tem coisa extraordinária demais no mundo, só isso. Em toda parte.

O trabalho de Liz também a leva para um caso bastante sinistro: Thumper é alguém que coloca bombas em diversos lugares há mais de 10 anos dentro da narrativa do livro. Duas forças tarefas já foram criadas para tentarem pegar o homem, e agora, com um novo ataque que resultado na morte de uma vitima e o surgimento de uma terceira força tarefa, o assunto volta à tona. Não vou dar detalhes precisos porque isso implicaria em dar spoilers, mas o que acontece é que Liz se torna determinada a capturar Thumper, até que descobrem a identidade do homem e ele se mata com um tiro na cabeça. Mas, obviamente, isso não para Liz, que leva Jamie com ela para encontrarem o espírito de Kenneth Therriault, o nome real de Thumper. E eis que temos um vilão coadjuvante que me entregou tudo, absolutamente tudo, que eu queria.

Sabe as regras de como os mortos funcionavam para James, sobre como com os dias eles começaram a se tornarem translúcidos até que somem? Kenneth Therriault parecia ser a exceção, e muito disso provavelmente pela maldade que existia dentro dele. Alguns vilões não precisam de passado que os expliquem, não precisam de redenção, não precisam de piedade – alguns vilões são simplesmente vilões e é isto que temos aqui. Kenneth se torna uma presença maligna na vida de Jamie, e eis que em certa altura, desesperado para poder se ver livre do que estava acontecendo, Jamie se deparada com as instruções do Professor Buckett sobre um certo Ritual de Chüd – isso mesmo que você leu: tem aqui o mesmo ritual de “It: A Coisa”, só que “repaginado”, digamos assim. É um livro do King, o Rei do Kingverso, ele pode tudo, e ele faz de uma forma que fica redondinho e perfeito.

Se é isso que você consegue fazendo uma boa ação, pensei uma noite, olhando pela janela e vendo Thumper do outro lado da rua, debaixo da luz do poste, eu nunca mais quero fazer outra.

Não vou ousar terminar essa resenha sem falar do universo de Regis Thomas. Escritor da série Roanoke, temos King mais uma vez falando sobre o universo literário através de um escritor que escreve uma série de terror com cenas de sexo desnecessárias, sem deixar de ter aquela grande pitada de ironia, que também é uma marca dele. Assim como em “Metade Sombria”, temos escritores com suas superstições e tiques para escreverem, criando universos. Acredito que seja uma forma de King também homenagear seus próprios amigos.

Aqui eu preciso fazer uma adendo a tradução INCRÍVEL que a Regiane Winarski fez. Em certa altura, procurando por um determinado objeto, as personagens se referem à “São Longuinho”. Já participei de uma live com a Regiane no ano passado na Editora Suma, conheço seu trabalho, e fico feliz demais de saber que ela está cada mais envolvida no universo do King por aqui porque é preciso muitas sacadas rápidas para trazer o texto para o nosso português.

Encerro esta resenha indicado que se você não está acostumado com King, eu não indico começar por “Depois”, que é um grande livro, mas pode ter assuntos sensíveis demais para algumas pessoas. Não porque a trama de terror seja forte, sangranta e impossível de ler, mas, como o próprio Jamie começa indicando no começo de sua narração, essa é uma história de terror – ele só não especifica que tipo de terror e nem você espera o tipo de terror que temos aqui. Porque, se formos sinceros, sabemos muitos bem que alguns humanos podem ser monstros e criarem as mais horripilantes estórias de terror.

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