24.12


“Amor, mentiras e rock & roll”
David Yoon
Tradução: Lígia Azevedo
Arte da capa: Ing Lee
Seguinte – 2021 – 386 páginas

Sunny Dae é nerd ― e com orgulho. Essa é a fama que ele e seus dois melhores amigos conquistaram na escola, onde curtir RPG definitivamente não é visto com bons olhos. E estava tudo bem, até Sunny conhecer Cirrus Soh, a garota mais descolada e confiante que ele já viu. Quando Cirrus acha que o quarto do irmão de Sunny é na verdade o dele, o garoto não consegue corrigir o engano. Com os olhos dela brilhando ao ver as guitarras e os pôsteres de rock na parede, ele acaba dizendo que tem uma banda ― embora não saiba nem segurar uma guitarra, ops.

Agora sua única esperança para sustentar a história e conquistar Cirrus é fazer com que seus amigos nerds topem participar de seu plano maluco de tornar essa banda realidade, vestindo as roupas que o irmão mais velho deixou para trás quando se mudou para Hollywood e ensaiando na sala de música da escola. O problema é que logo Sunny descobre que a vida de um rockstar mentiroso não é só fama e glória…

David Yoon fez de novo e todos nós deveríamos ler mais os livros dele. Não vou negar que achei “Amor, mentiras e rock & roll” um bom livro, mas, ainda assim, meu preferido dele ainda é “Frank e o amor”, seu 1º livro publicado (e você pode ler minha resenha sem spoilers clicando AQUI), mas nosso foco aqui é realmente seu mais novo livro, então é dele que obviamente irei falar.

De cara preciso muito deixar claro que Sunny é um narrador com carisma acima da média (mas muito acima mesmo): você consegue entender o humor do personagem, assim como suas dores, com suas frases rápidas e com um humor afinado, o garoto é o típico adolescente que enfrenta seus desafios diários sofrendo bullying no colégio. Sunny é um jovem coreano-americano de terceira geração e tem como melhores amigos Milo (um guatemalteco-americano de terceira geração) e Jamal (um jamaicano-americano de terceira geração também), com os quais joga RPG e juntos tem um canal no qual postam vídeos de construções de equipamentos que usam em seus jogos. Enquanto parte deles sentem que precisam se esconder das pessoas em sua escola, o oposto acontece quando estão os 3 estão juntos: enfim eles são quem são e como querem, o que é, definitivamente uma benção (e isto é até mesmo apontado na trama mais para frente). Claro que a vida de Sunny está longe de ser o ideal, e seus pais, apesar de serem pessoas bem intencionadas e que querem o bem do filho, trabalham demais, enquanto seu irmão mais velho, Gray, foi embora para Los Angeles tentar a vida como músico.

Todo super-herói tem uma origem. Todo vilão tem uma origem.
Todo nerd tem uma origem.
Sabia disso?
Eu tenho a minha.
Minha sentença oficial saiu no ensino fundamental. Um momento específico me definiu claramente como nerd. Congelou minha nerdice em carbonita, como se fosse o Han Solo.
Eu tinha treze anos.

Sunny e sua família moram em Rancho Ruby, nos arredores de Los Angeles, um lugar de pessoas com alto poder aquisitivo. Com seus pais trabalhando no ritmo que trabalham, Sunny tenta não expor tudo que passa no colégio, realmente mais focado em passar tempo com seus amigos e aproveitar o jogo deles do que em analisar a falta que seu irmão, outrora melhor amigo e companhia de jogos de RPG, lhe faz. E logo no começo da trama também descobrimos que os Dae irão ajudar os Soh, famílias que são amigas há anos e que agora estavam chegando para morar na rua da família do nosso protagonista. E é assim que os pais de Sunny pedem para ele apresentar o colégio para Cirrus, a filha do Soh, e lhe fazer companhia. Logo Cirrus vai até a casa de Sunny, e, por uma pequena confusão, acredita que o quarto de Gray é o quarto de Sunny. O garoto, completamente encantado pela nova conhecida, a deixa pensar que ele era quem seu irmão era: popular, apaixonado por música e com uma banda. E é assim que nasce uma nova personalidade para Sunny, mesmo sem ter a intenção disto.

Claro que este é o ponta pé de várias comédias românticas: personagem acredita que outro personagem é outra pessoa/está fazendo algo que não está/confunde as coisas de uma forma “engraçadinha”, e aqui não temos um começo diferente. Mas, com uma delicadeza imensa, David Yoon consegue transformar o que poderia ser somente um livro bonitinho de amor sobre uma família que precisava se reconectar, já como Gray volta para a casa dos pais completamente destruído depois de fracassar em sua carreira musical. A magoa entre os irmão vai crescendo a medida que as mentiras que Sunny vai contando aumentam, chegando ao ponto de entrar em um show de talentos com “sua banda” de mentira, na qual obrigou Milo e Jamal a também fazerem parte. Sunny também vai se sentindo mais e mais confortável naquela mentira e começa a se complicar cada vez mais, já como tem que usar as guitarras e roupas do irmão e se equilibrar de todas as formas para Cirrus não entender que ele é um “perdedor” na escola e nem deixar os que fazem bullying com ele estragarem tudo.

Naquele momento, eu soube que deveria me reassegurar de que a mentira era apenas temporária e de que logo eu poderia voltar a ser eu mesmo.
Na cozinha lá embaixo, o timer parou de apitar.
No silêncio, eu cheguei a uma conclusão.
Concluí que eu também gostava daquele outro eu.

E é justamente por envolver toda família de Sunny e a sua dinâmica com seu irmão mais velho que o livro me ganhou da forma como ganhou. Rever as dinâmicas e explicar para os pais aonde eles estavam falhando com os filhos, enquanto vai tentando descobrir quem realmente era depois daquele Sunny que descobriu que gostava de ser: bem mais expansivo e com uma namorada que achava maravilhosa, o garoto começa a cometer uma série de erros que vai, obviamente, explodir no clímax do livro, que é de sentir uma dor no coração – e ok, sem qualquer menção sobre o que acontece para que spoilers não sejam derramados aqui.

A jornada de Sunny é de descobrimento e quase tudo nesse livro me agradou, e só não o amei com todo meu coração porque eu não consegui realmente querer Cirrus com Sunny do tipo “para sempre” porque ele mente para ela. Sim, entendemos que ele tem baixa autoestima e que mentiu por acreditar que ela sequer daria uma chance se soubesse quem ele realmente era, mas, a medida que ele vai usando a roupa de “roqueiro”, mais eu acreditava que Cirrus não era seu destino final e somente a sua passagem para se tornar quem ele estava destinado a ser. Algumas pessoas têm essa função em nossas vidas: não de serem nossa parada final e sim de serem um ponto em nossa longa jornada de transformação que acontece durante toda essa linha chamada “vida”. Eu sei, parece ser um pensamento profundo demais para um livro de comédia romântica, mas o David Yoon consegue, mais uma vez, fazer o leitor se identificar com a situação e pensar sobre ela. E é isso que um bom livro faz conosco, não é?

Toda banda se baseia em outras? — perguntei. — Alguma banda é realmente única?
Copiar alguém primeiro é o único jeito de descobrir quem você é.
Isso não faz sentido.
Não faz — disse Gray, rindo alto e abertamente. — Mas, ao mesmo tempo, faz.

Com este livro, compreendi que o autor gosta de falar sobre crescimento e as formas doloridas como isto acontece com qualquer adolescente tendo seu primeiro amor, mas Yoon também é mestre em criar personagens maravilhosos que não estão somente ali para serem secundários – e aqui temos Jamal e Milo. Eles não são a família que Sunny tem, mas eles são a família que ele precisa ter, e há uma diferença imensa entre essas duas coisas. Queria bem mais dos personagens, sendo bem sincera.

Já em contrapartida, temos Gray, o irmão mais velho. Entendo que o personagem estava quebrado e precisando dos pais, precisando de apoio, precisando de chão, e senti muito por ele, mas ele também precisava ser responsabilizado por suas próprias escolhas. E, incrivelmente, eu também queria bem mais dele, mesmo não tendo encontrado redenção para ele no livro.

Não vou dizer que você não fez idiotice. Mas você nunca deve sentir que precisa fazer algo ou ser alguém que não quer só para impressionar pessoas que não te conhecem de verdade.

Claro que eu não terminaria esta resenha sem falar de toda representatividade deste livro. David Yoon é descendente de coreanos e apresenta toda xenofobia que há nas “brincadeiras” (que de brincadeiras não tem nada) que fazem com essas pessoas, além de falar mais sobre a cultura de um país que está ganhando o mundo. Há uma passagem que Gray e Sunny contam o que passavam com essas “brincadeiras” na escola que faz o leitor entender que a nossa ignorância é grande. A representatividade (ou falta dela) na escola que os personagens frequentam fica bastante clara em uma passagem do livro que diz: “… No mar de gente parecida da Ruby, éramos únicos e vivíamos sozinhos.”, que é cruel de se imaginar, aquele tipo de cruel que a vida realmente é.

Quem já leu alguma resenha minha por aqui em outros anos sabe que eu tenho o costume de deixar livros que eu acredito que vou amar para estarem entre os últimos do ano, e não errei em deixar “Amor, mentiras e rock & roll” nesta lista. Apesar de não concordar com o final, eu consegui me emocionar e adorar os personagens, sem contar em todas referências musicais na trama. Se você ainda não conhece David Yoon (ou o conhece somente sendo marido da Nicola Yoon), está na hora de se jogar nos livros dele. Você vai descobrir que o amor pode estar envolto em mentiras, mas, de alguma forma, ele é capaz de se sobressair, sofrer e te fazer crescer, tudo embrulhado em uma boa trilha sonora e talvez até através de páginas de um livro, com amigos que você desejaria ter e sendo um astro do rock – ou qualquer outra coisa que você deseja, porque este é o poder dos livros: você pode ser quem você quiser, quando quiser, aonde quiser, e não ser nenhuma mentira.

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