“Frank e o Amor”
David Yoon
Seguinte – 2019 – 408 páginas
Frank nunca conseguiu conciliar as expectativas de sua família tradicional coreana com sua vida de adolescente na Califórnia. E tudo se complica quando ele começa a sair com a garota de seus sonhos, Brit Means, que é engraçada, inteligente, linda… Basicamente a nora perfeita para seus pais ― caso tivesse origem coreana também.
Para poder continuar saindo com quem quiser, Frank começa um namoro de mentira com Joy Song, filha de um casal de amigos da família, que está passando pelo mesmo problema. Parece o plano perfeito, mas logo Frank vai perceber que talvez não entenda o amor ― e a si mesmo ― tão bem assim.
É sempre bom resenhar um livro que te fez pensar e proporcionou diversos sentimentos – mas também é difícil porque você precisa se controlar para não dar nenhum spoiler sobre a trama porque quem escreve quer convencer você, leitor desta resenha, a ir ler o livro, e para isso, você não precisa saber nada além do suficiente para ter o mesmo impacto emocional que tive ao ler. Confuso, eu sei, mas normalmente eu sempre amo os livros que provocam essas sensações de felicidade e tristeza: agridoce é o que precisamos para entender que a vida se reflete nas páginas da obra que lemos, e, por isso, não há felicidade sem um toque de tristeza, e nem tristeza suprema que não ceda para um dia novo nascer e tentarmos fazer tudo diferente. Tá, parei, estou filosófica demais, mas é que “Frank e o Amor” realmente me pegou por todos os motivos que eu vivi, exatamente, na fase do final da adolescência e início da vida adulta e sobre não saber meu lugar no mundo (obviamente que não pelos mesmos motivos). Permita-me falar mais sobre.
Frank Li, ou Sung-Min Li, é um adolescente da Califórnia que está terminando o ensino médio e prestes a entrar na faculdade (ele é inteligente e tem boas notas, isso é o esperado dele e é o que ele também espera de si mesmo, afinal faz parte das turmas de ensino avançado no colégio). Como tantos outros adolescentes, Frank não sabe exatamente como lidar com o mundo, mas ele tem um fator a mais: ele é descendente de uma família típica e repleta de tradições Coreana, com seus pais tendo vindo do outro país para os Estados Unidos com apenas 300 dólares e conseguindo vencer: agora eles tem um pequeno mercado e a filha mais velha do casal e irmã mais velha de Frank, Hanna, já se formou em direito. O problema, entretanto, reside na forma como os pais de nosso protagonista vêem o mundo: como dois imigrantes coreanos que ainda convivem com um grupo de amigos todos coreanos e que esperam que os filhos mantêm todas tradições da família, e, por isso, Hanna se casar com um homem preto foi basicamente o fim do relacionamento com a filha para eles. É o começo da jornada de um garoto imperfeito que vai passar por tantas coisas que mal cabem em um único livro.
Ela está morrendo de medo ao dizer isso. Dá pra ver em seus olhos. Dá pra sentir em sua pele. Porque o amor é a coisa mais assustadora do mundo. O amor é uma mão azul e poderosa vindo do céu na sua direção. Tudo o que você pode fazer é se render e rezar para não te matar.
Os pais de Frank mantêm encontros mensais com os outros casais coreanos, sempre dispostos a manter todas tradições possíveis vivas, e, como se é de imaginar, os filhos têm de participar, e é aqui que somos apresentados ao grupo que se chamam de “Limbos” – porque bem, eles estão literalmente no limbo, já como não são norte-americanos completos e nem coreanos. Toda essa dúvida de Frank sobre sua identidade e qual caminho seguir (ou “tribo”, como ele mesmo fala em uma altura do livro) é muito, muito interessante de se ler, até mesmo porque o autor é descendente de Coreanos (já falo sobre quem ele é!) e é capaz de falar com propriedade e local de fala. Mas você está se perguntando sobre o amor do Frank, certo, afinal de contas esse é o nome do livro: “Frank e o Amor”, e eu te respondo que a resposta é muito maior do que posso te responder sem te entregar spoilers demais.
Basicamente a vida romântica de Frank, que é nula, começa a decolar quando ele é convidado por Brit Means para fazer um trabalho da escola com ela. Inteligente, engraçada e com ótimas sacadas, Frank logo se vê caidinho pela garota, o que seria perfeito se ela não tivesse um grande problema aos olhos de seus pais: ela não é descendente de coreanos – pior, ela é branca, descendente de Europeus. Recorrendo a uma dos limbos, Joy Song, uma amiga de muitos encontros constrangedores durante os encontros mensais de seus pais, que está namorando um japonês (o que os pais conservadores dela também não aprovariam jamais!), eles começam um namoro de mentira para conseguir sair de casa com seus reais namorados. Parece muito livro que lembra as bobinhas e gentis comédias românticas, não é? E sim, até a metade do livro, é isso que David Yoon vai nos entregando com maestria porque Frank é irônico, sagaz e inseguro, e isso é passado em cada página do livro. E então chega a parte que o livro toma um rumo completamente diferente: a vida real.
Mas, durante as Reuniões, o tempo parece congelado por algumas horas. Os filhos só comparecem por causa dos pais. Seríamos amigos de outra forma? Provavelmente não. Mas não vamos ficar sentados ignorando um ao outro, porque seria chato demais. Por isso conversamos e filosofamos até que seja hora de ir. Então somos lançados de volta à realidade que nos espera do lado de fora das Reuniões, quando o tempo descongela e volta a correr normalmente.
Eu nos apelidei de Limbos.
Todo mês, temo ir às enfadonhas Reuniões com os Limbos, quando ficamos presos entre dois mundos. Mas todo mês sou lembrado de que a maior parte dos Limbos é bem legal.
Realmente não quero dar qualquer tipo de spoiler sobre o livro e o que acontece com Frank em sua vida em um geral e estou fazendo um malabarismo para isso, tanto que me sinto até mal de somente agora mencionar Q, o melhor amigo de Frank. Q é preto, inteligente (muito!) e rouba diversas passagens quando ele aparece. Eu me peguei amando Q com toda a força do meu coração e eu espero muito, muito, mas muito mesmo, que David escreva sobre ele na faculdade. Acho que só fará bem ao universo ter um livro contando como Q se saiu em sua nova jornada de aceitação, porque sim, meus amigos, o enredo central desse livro é aceitação: aceitar quem você é, aceitar que você não precisa atender as expectativas dos seus pais, aceitar que você é imperfeito e vai fazer os outros sofrerem, aceitar que vão te magoar e partir seu coração e aprender a se sentir bem em sua própria pele. Aceitar.
No final das contas, o que eu quero realmente falar sobre o livro é que se você quer um romance divertido sobre um garoto que não tem a menor ideia de como levar a vida e morre de medo de não suprir as expectativas dos pais e os decepcionar (!), além de escancarar preconceitos e a luta que passamos sempre com nossos pais para quebrar barreiras culturais e comportamentais, você pode ler sim, “Frank e o Amor” que não vai se decepcionar. Alias, enquanto eu lia, eu mostrei uma quote para a Ju e conversamos sobre como os livros atualmente estão chutando a porta e mostrando cenas fortes de racismo, dúvidas, sexualidade e mais: é bom ver a evolução de todos os gêneros, trazendo discussões que seriam impensáveis há 10 anos.
— Vocês são tão racistas — eu digo de repente.
Estou tão acostumado com o racismo deles que nem me dou mais ao trabalho de argumentar. Seria como mandar o vento mudar de direção. Vocês sabem que havia pessoas de outras origens neste país mesmo antes de vocês chegarem, né?, eu costumava dizer. E que a Coreia é um país bem pequenininho enquanto o mundo está cheio de gente sobre quem vocês não sabem muita coisa, né?
Argumentar com mamãe-e-papai é inútil, porque o vento vai soprar para onde quiser, de acordo com sua lógica própria irritante. Só um louco continuaria tentando mudá-los. Principalmente quando eles encerram o assunto argumentando que “é só brincadeira”. Tipo agora.
— Racista, não — diz minha mãe, magoada. — Só brincadeira.
David Yoon me surpreendeu demais com sua escrita, principalmente por este ser seu primeiro livro. Quando estava lendo, também falei pra Ju que a Netflix precisava muito fazer um filme desse livro com uma adaptação bastante decente, então fui procurar e vi que os direitos já foram comprados antes mesmo do livro ser publicado pela Paramount (você pode ler a notícia em inglês clicando AQUI). Não sei bem se haverá filme, mas sei que se adaptassem direitinho, seria um filme maravilhoso sobre crescer e se encontrar. A escrita é tão, mas tão fluida, que eu mal me dei conta que o livro tem mais de 400 páginas. E sim, para quem reconheceu o sobrenome, David é o marido de Nicola, a autora de “Tudo e Todas as Coisas” e “O Sol também é uma Estrela”, e ele é descendente de coreanos e ela preta, o que também nos faz questionar o quanto do que o próprio David viveu está nas páginas do livro. A Edição da Seguinte ainda traz uma pequena entrevista com ele no final, e eu li avidamente, querendo saber mais sobre o autor dessa obra que parecia tão simples, e se transformou em algo tão maior pra mime – li até mesmo os agradecimentos dele, além do comovente agradecimento a sua esposa.
Fiquei muito, muito feliz mesmo desta ter sido a minha última leitura de 2019 e a minha primeira resenha de 2020 porque eu não estava esperando que o livro tivesse esse impacto em mim. Comecei acreditando que iria ser algo leve, mas não, não foi: quando terminei, estava com um nó na garganta, sabendo que precisava continuar seguindo a vida exatamente porque passei pela mesma fase que Frank passou e sai de casa para fazer faculdade fora, aprendi a ver o mundo de outra forma, aprendi a conversar com minha família, aprendi quem eu era e aprendi que o mundo, assim como as pessoas, é repleto de cores: você só precisa encontrar a sua e aonde o seu amor está. Não pare de procurar. Você irá encontrar assim como Frank encontrou, mas nem sempre aonde se espera.
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