“Garota, 11”
Amy Suiter Clarke
Tradução: Helen Pandolfi
Arte da capa: Guilherme Xavier
Suma – 2021 – 304 páginas
Uma apresentadora de podcast obcecada por um crime não resolvido. Um serial-killer que volta a matar garotas, vinte anos depois de ter desaparecido. A caçada começa agora.
Elle Castillo é a apresentadora de um podcast popular sobre crimes reais. Depois de quatro temporadas de sucesso, ela decide encarar um caso pelo qual sempre foi obcecada ― o do Assassino da Contagem Regressiva, um serial-killer que aterrorizou a comunidade vinte anos atrás. Suas vítimas eram sempre meninas, cada qual um ano mais jovem que a anterior. Depois que ele levou sua última vítima, os assassinatos pararam abruptamente. Ninguém nunca soube o motivo.
Enquanto a mídia e a polícia concluíram há muito tempo que o assassino havia se suicidado, Elle nunca acreditou que ele estava morto. Ao seguir uma pista inesperada, no entanto, novas vítimas começam a aparecer. Agora, tudo indica que ele está de volta, e Elle está decidida a parar sua contagem regressiva.
Para surpresa de absolutamente ninguém, desde que eu descobri a publicação nacional de “Garota, 11” eu fiquei louca para lê-lo, que tem basicamente um mega combo de coisas que eu adoro: investigação, serial killer e personagens femininas que prometem ser fortes. Claro que já fiquei na espera e assim que surgiu a oportunidade, fui ler o livro que estava em minha cabeça há quase um mês. E que coisa maravilhosa é quando você fica ansiose para ler um livro e ele não te decepciona em absolutamente nada! Sim, meus amigos, este livro não me decepcionou e não parei de pensar nele desde que o terminei de ler.
A narrativa aqui se divide de duas formas: uma é pelo ponto de vista da personagem Elle (até certa altura, depois temos o ponto de vista do assassino também) e também as passagens que narram o podcast que Elle é a anfitriã. O livro também se divide em 4 partes: “A Contagem regressiva”, “Começando de novo”, “O Estopim” e “O Sacrifício”, aonde o foco é cada uma das passagens da história – e muito bem focado, para ser sincera. Tudo na estrutura do livro é construído para se levar ao final repleto de ação e suspense exatamente como acontece.
Sim, bom, já havíamos notado que o assassino parecia obcecado com certos números. Ele sequestrou as duas primeiras mulheres com um intervalo de três dias, as manteve em cárcere por sete dias e as açoitou vinte e uma vezes. Então deduzimos que esses números significavam algo para ele. Era um padrão consistente.
Elle é a personagem principal, uma mulher na casa dos seus 30-e-alguma-coisa anos. Ela era uma assistente social que deixou seu emprego depois de colocar uma criança em perigo por ser obcecada com um serial killer apelidado de Assassino da Contagem Regressiva, ou apenas ACR. Depois que deixou seu emprego formal, Elle se dedicou integralmente ao seu postcast “Justiça Tardia”, um podcast de crimes reais que tentar ajudar com investigações particulares de crimes não resolvidos que envolvem crianças. Depois de 4 temporadas de um sucesso crescente, Elle sente que chegou a hora de rever os casos do ACR. E se você se pergunta porque ele tem esse nome, é exatamente o que quer dizer: um serial killer começou a sequestrar garotas com idades decrescentes e depois as matava, tudo com um prazo miticuloso entre as datas. As mortes começaram com uma garota de 20 anos e pararam com a garota dos 11, que conseguiu fugir da casa na qual estava presa. Assim que ela fugiu, um incêndio começou no lugar e 3 corpos foram encontrados cabonizados, levando ao caminho natural de fazer a policia acreditar que o ACR estava entre aqueles corpos carbonizados e nunca reconhecidos.
Apesar de sua profissão, Elle leva uma vida bastante pacata e tranquila com seu marido, Martín Castillo, um médico legista que participa esporadicamente do podcast da esposa. Eles tentaram conceber um filho por anos, até que entenderam que aquilo não iria acontecer com eles – e tudo isso é tratado no livro, mesmo que brevemente. Elle tem como melhor amiga Sash, sua vizinha, que teve uma filha através de fertilização in vitro porque não sente atração por alguém a ponto de conceber uma criança pelo sexo (achei essa representação, mesmo que pequena, bastante significativa). A filha de Sash, Natalie, é uma criança de 10 anos que é esperta, inteligente e que é o mais próximo que Elle tem de uma experiência materna, por isso se faz bastante presente na vida da garotinha. São relacionamentos completamente saudáveis e simples de entenderem, já como Elle e Martin desejavam tanto um filho que não veio, jogando assim sua atenção na garotinha filha da vizinha que tem uma família reduzida, e a Sash agradece justamente toda atenção dada a sua filha por ser uma advogada e trabalhar bastante, então é bom ter essa rede de apoio. Logo no começo, vemos o aniversário de Natalie e a forma como os 4 funcionam como uma família. Um começo bastante comum. Mas só o começo mesmo.
Elle assentiu olhando para a tatuagem em seu pulso direito: um ponto e vírgula. Por sugestão de Sash, Elle fizera a tatuagem dois anos antes, na época em que desistiu de engravidar e caiu em depressão profunda. Era seu lembrete, sua esperança, de que mesmo os piores momentos da vida não precisavam ser o fim da história. Por mais que ela quisesse ir para cama naquele exato momento e desistir, ela não podia. Não quando ela poderia estar mais perto do que nunca.
Vamos entendendo o que aconteceu no passado com toda trama do ACR com os episódios do podcast que detalham as mortes e quem eram as vitimas, além da grande sacada de trazer entrevistas com pessoas que conheciam essas pessoas e foram diretamente afetadas pelo sequestro e morte daquelas garotas. É muito, muito eficaz e um dos melhores recursos para a narrativa, já como você basicamente vive as duas etapas da trama: no passado, no ano de 1996, e no presente, durante o final de 2019 e começo de 2020. O podcast ainda traz a presença do detetive Sykes, agora aposentado, e que participou das investigações no passado. Ele parece sentir que poderia ter feito mais e o leitor simpatiza com ele, assim como todas as pessoas que falam pelas vitimas e por Elle, que é uma anfitriã muito, muito competente.
A medida que os episódios da 5º temporada de Justiça Tardia vão sendo divulgados, as coisas começam a ficar bizarramente estranhas. Elle começa a revistar o passado, descobrindo pistas que a polícia deixou passarem batidas. Tudo parecia bastante promissor, até que recebe uma ligação estranha de um homem falando que tem informações cruciais para dar, mas só o faria pessoalmente. Indo até o lugar sozinha, portando sua arma, Elle descobre o tal homem morto – e ai sim, a trama realmente começa com uma rapidez intensa, já como logo em seguida uma garota é sequestrada, a fazendo ver bastante semelhanças na forma como o ACR atraia suas vítimas e como a garota foi levada no presente.
— Seu marido é mexicano? — Os olhos de Maria brilharam. — Não é à toa que seu espanhol é bom. É a linguagem do romance, sabia?
— Funcionou comigo, sem dúvidas. — Elle riu. Maria parecia estar mais confortável. Sempre é algo difícil entre estranhos, mas, na experiência de Elle, quando se tratava de uma mulher que fazia parte de uma minoria e uma mulher branca era ainda mais difícil. Enquanto mulher mexicana nos Estados Unidos, Maria teria milhões de razões para não confiar em alguém como Elle. Ela estava se esforçando para não lhe dar novas razões.
Depois de anos trabalhando em investigações particulares auxiliando a policia, é claro que Elle já tem contatos dentro da delegacia de polícia, inclusive a detetive Ayaan Bishar. A confiança da mulher em Elle parece ter sido abalada e por mais que o leitor se questione o que aconteceu, não temos todas as informações, o que começa a parece o caso de uma narradora não confiável por parte de Elle. Por parte do livro, você vai se questionar isto, já como ela parece muito instável m determinados momentos importantes. Toda situação começa a piorar com a chegada do policial Sam Hyde, que obviamente confia zero em Elle. A situação toda parece um barril de pólvora prestes a explodir, até porque você, leitor fã de suspense, começa a fazer teorias a partir de determinadas frases do livro. Parece pouco, mas é bem isso que a narrativa te leva – e então tudo realmente começa a fazer sentido.
Elle está basicamente sozinha em certa altura da trama, sem quase ninguém acreditar nela pela suspeita que ela levanta parecendo estar realmente obcecada pelo ACR – mas por que ela estaria por ele e não pelos outros assassinos das temporadas anteriores do seu podcast? Já como a crença é que o serial killer morreu no incêndio de anos atrás e com a polícia e todos ao redor de Elle acreditando que ela está lidando com um copiador do ARC, tudo parece empurrar a personagem para o precipicio, mas o que seriam de personagens principal sem bons personagens coadjuvantes? Elle então que aproveita a ajuda remota de Tina, a editora do seu podcast e, ao que parece, única pessoa que tem motivos para entender Elle não ser tão estável e também compreender que estes são justamente as razões pelas quais ela é a pessoa mais confiável neste caso. Alias, preciso destacar como as personagens femininas deste livro são reais, desde sua inteligência nos papeis que ocupam até mesmo a incompreensão e desespero quando o inimaginável acontece com elas. Você vai adorar, amar e xingar praticamente todas personagens femininas deste livro, e isso me dá um grande prazer de escrever porque é isso mesmo que eu quero: mulheres (e garotas!) botando pra quebrar, sempre, sem precisar de um príncipe para as salvarem. Uma mulher tem o poder para se salvar.
É verdade, e você está certa. Não é uma desculpa, mas é um fato. A maioria de nós não gosta de ver as pessoas que cometem atos bárbaros de violência como pessoas que já foram vítimas também, mas, na realidade, é o caso para grande parte delas. O extenso número de pesquisas sobre serial-killers demonstrou que quase todos eles têm ocorrências de abuso severo e negligência na infância. É um contexto importante para se ter conhecimento ao analisar os motivos de um assassino e ao tentar compreender que tipo de pessoa eles podem ser. No entanto, há algo a ser dito sobre isso. Existe um analista comportamental do fbi chamado Jim Clemente que diz: “A genética carrega a arma, a personalidade e a psicologia servem de mira e as experiências puxam o gatilho”. É necessário uma mistura perfeita e terrível de circunstâncias para criar um serial-killer. Trauma na infância é apenas uma parcela disso.
Não vou mentir e dizer que “Garota, 11” me surpreendeu profundamente porque não, não me surpreendeu: o que você começa a esperar provavelmente irá começar a acontecer, mas a questão aqui não é se vai acontecer, mas sim como irá acontecer. De uma forma muito, muito competente, você começa a juntar as peças bastante cedo na trama, que vai lhe entregando pedaços de um quebra-cabeças bastante aparentemente simples, mas com papéis bastante definidos. Há 3 segredos acontecendo na trama e 2 deles são bem mais fáceis de se descobrir, mas se prepare para a conclusão no 3º grande mistério da trama. Pode confiar em mim.
Com essa trama bastante competente e segura, o livro entrega pontos de vista do serial killer, explorando seu passado sem encontrar desculpas para seu comportamento doentio, coisa que me agradou bastante porque acredito que algumas pessoas são simplesmente más, e mesmo tendo passado por traumas, elas escolhem perpetuar o mal e espalhar maldade por ai. Some a personagens bem construídos, o 1º livro de Amy Suiter Clarke se transformou em meu livro investigativo favorito do ano, de longe, a ponto de estar de olho na autora e já ter descoberto seu próximo lançamento para o ano que vem (o livro se chama “Noble Wife” e vamos cruzar os dedos para a Suma trazer ele pro Brasil também). Também estou me descobrindo bastante fã de livros que envolvem podcasts e documentários em sua narrativa, literalmente trazendo pedaços destes descritos. A trama envolve crianças e sequestro, mas não há nenhuma descrição gráfica de qualquer tipo de abuso – há surras, abuso, ferimentos, mas nada do tipo que revire seu estômago, caso seja o seu medo.
O luto pode ser como uma dor crônica — tão pungente no começo, ele se torna parte de você até que não consegue mais se lembrar de como é a vida sem ele.
Quando a dor é constante por anos, derramar lágrimas por ela parece exagero.
A capa nacional contem uma arte original de Guilherme Xavier para o Brasil e eu a adorei porque traz toda a atmosfera do livro, com seu cenário gelado de Minnesota, nos Estados Unidos, e sua personagem feminina muito, muito forte. A Edição da Suma é aquela que vocês já conhecem: excelência em tudo e não encontrei nada, absolutamente nada para reclamar.
Não vou terminar sem assinalar a representatividade que o livro trouxe em diversos pontos. Já falei sobre a personagem Sash e a sua assexualidade, mas também há diversas passagens na qual Elle fala sobre o que os imigrantes na America sofrem, e ainda há uma gama de personagens de diversas cores e muito, muito girl power (já falei isso antes, mas preciso reforçar). Com sua narrativa rápida, o livro é uma ótima pedida para aqueles fãs de montar charadas em forma de livros, de tentar adivinhar aonde o assassino está e qual personagem você pode confiar – se é que pode confiar em algum. E, sinceramente, eu não me incomodaria se tivermos uma série de livros com Elle Castillo e seu podcast Justiça Tardia – acho que quem vai ganhar é o leitor.
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