19.08

“ O Tempo Desconjuntado”
Philip K. Dick
Suma – 2018 – 272 páginas

Um romance impressionante de um dos maiores nomes da ficção científica. Philip K. Dick faz o leitor duvidar do real e se perguntar a todo momento até que ponto a paranoia é justificada. Com edição especial em capa dura e projeto gráfico arrojado, uma obra inédita de Philip K. Dick chega ao Brasil, trazendo um retrato único da construção do medo, da desconfiança e da própria realidade.

Ragle Gumm tem um trabalho bastante peculiar: ele sempre acerta a resposta para um concurso diário do jornal local. E quando ele não está consultando seus gráficos e tabelas para o trabalho, ele aproveita a vida tranquila em uma pequena cidade americana em 1959. Pelo menos, é isso que ele acha. Mas coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, Ragle encontra uma lista telefônica e todos os números parecem ter sido desconectados. Depois, uma revista sobre famosos traz na capa uma mulher belíssima que ele nunca tinha visto antes, Marilyn Monroe. E para piorar, objetos do dia a dia começam a desaparecer e são substituídos por pedaços de papel com palavras escritas, como “vaso de flores” e “barraca de refrigerante”. A única alternativa que Ragle encontra para descobrir o que está acontecendo é fugir da cidade e de todos esses acontecimentos bizarros, contudo, nem a fuga nem a descoberta serão tão fáceis quanto ele imaginava.

Acho que o melhor jeito de começar essa resenha é falando de Philip K. Dick: Pra quem não o conhece, ele é tido como um dos maiores nomes da ficção cientifica de todos os tempos. Seus livros e contos sobrevivem há anos, e apesar da época de publicação deles (Philip morreu em 1982, então vocês podem imaginar que seus livros foram publicados anos antes), eles ainda são visionários e repletos de ideias avançadas para nossa época, não só para a época de sua publicação. Sua visão de um futuro que nunca chegou – nem mesmo para nós, já no século XXI – são considerados clássicos que mostram como a sociedade é capaz de sucumbir a própria ganancia das mais variadas formas e ainda são base para diversos filmes que são considerados obras cults (entre eles, filmes como “Blade Runner, O Caçador de Androides”, “Minority Reporter – A Nova Lei”, “O Vingador do Futuro” e muitos outros).

Comecei falando sobre o autor porque preciso que você entenda o peso que os livros dele têm para uma categoria literária e no universo cultural. Suas ideias e visão de mundo sempre foram bastante particulares e traziam esse mundo moderno aonde a moral invariavelmente seria discutida, fosse através do homem se deixando levar por sua ganância até mesmo se androides possuem alma. Sei que colocando assim, parece chato e entediante, mas suas obras não tem nada disso, ao contrário: são inovadoras e vão direto ao ponto.

E é exatamente assim que “O Tempo Desconjuntado” funciona. Logo no começo do livro, já somos apresentados a Ragle Gumm, um homem que parece ser o mais simples do mundo salvo a sua habilidade de adivinhar charadas do jornal naquele ano de 1959, naquela cidadezinha sem nome do interior norte americano. Tudo em sua vida é comum e ordinário: morando com a irmã, o cunhado e o sobrinho, a única coisa fora da linha em sua pacata vida é a sua vizinha casada. Tudo parece tão banal que você se questiona o que pode haver sobre aquele homenzinho que seja tão especial a ponto dele começar a desconfiar sobre a realidade de sua vida. Parece somente um pobre homem paranoico que começa a sucumbir a uma doença mental, mas a medida que o livro vai se desenrolando, você vai vendo que Ragle não é louco e sua vida não é nem de perto ordinária.

De algum modo, por algum motivo, Ragle se percebeu transpondo a barreira do real. Alargando um buraco. Ou então tinha visto esse alargamento, talvez uma fenda se abrindo, um rasgo.

O clímax da estória vai se aproximando a medida que o leitor começa a também formar sua teoria sobre o que está acontecendo. Confesso que existiu diversos momentos que a narrativa me levou a pensar em “O Show de Truman”, um filme de 1998, que traz uma espécie de reality show aonde o personagem principal não sabia que estava em um reality show e que todos ao seu redor atuavam, fazendo com que a audiência se pergunte o tamanho do que queremos dividir com os outros e também o quanto do que mostramos em nossa vida é real. Depois, curiosa, fui pesquisar e realmente o filme incorporou elementos do livro, mas acalme-se: o livro não é a base fiel do livro, então não, você ainda não tem a real ideia do enredo do livro.

Mas não vou mentir: se você descobriu Phillip Dick agora e deseja começar a ler seus livros e contos, esse não é o meu indicado. Raggle, como protagonista, somente se torna interessante quando a paranoia toma conta de sua mente a ponto de você acreditar que ele está perdendo a noção de realidade, o que torna a leitura bastante arrastada, já como no começo da narrativa, você não se importa realmente com ele – e sim com o mistério que você sabe que está acontecendo ao redor dele. Sua irmã é justamente a personagem que mais me cativou e não passa de uma personagem bastante secundaria, somente uma casualidade em um mundo caótico aonde a inteligência do protagonista era necessária. Não posso deixar de pontuar que a edição da Editora Suma é realmente um primor: sua capa dura e seu acabamento faz a edição se tornar diferenciada, e tem algo que se faz necessário elogiar a editora: a cor das páginas é uma maravilha, principalmente para quem lê bastante: as folhas são amareladas de uma qualidade impar.

No final das contas, o livro pode sim, ficar apagado entre as obras impecáveis do autor, mas, ainda assim, faz o leitor se questionar até que ponto podemos confiar em tudo que nos passado pela mídia e o que o governo realmente quer de cada um de nós (pensou que isso era teoria da conspiração da internet? Claro que não, PKD já escrevia sobre isso há muitos anos atrás!), dando a sensação de que, no final das contas, não somos nada além de meros joguetes em um destino muito maior do que todos nós.

É uma lei da sobrevivência, dissera Ragle. Os que se recusam a responder aos novos estímulos perecem. Adapte-se, ou desapareça… uma nova versão de uma regra atemporal.

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