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Resenha: Tudo que ela me disse – Bia Crespo


“Tudo que ela me disse”
Bia Crespo
Arte de Capa: Isadora Zeferino
Seguinte – 2025 – 328 páginas

Marília é uma nerd ― e com orgulho. Seu plano é passar pelo ensino médio sem chamar muita atenção, até enfim poder realizar o sonho de se tornar uma grande diretora de cinema.

Quando surge a oportunidade de apresentar os trabalhos escolares em formato de vídeo, Marília acredita estar se aproximando do seu chamado. Mas tem uma pegadinha: os alunos que precisam de uma força no boletim também vão ter que participar. Ou seja, os populares . A principal deles é Fernanda. Sósia da Avril Lavigne, a menina não perde uma oportunidade de ser o centro das atenções. Só que, entre uma gravação e outra, Marília acaba conhecendo um lado diferente de Nanda ― e se deparando com sentimentos que nunca tinha experimentado.

Em meio a filmagens na praia, coraçõezinhos no Orkut e convites exclusivos pra matinê, Marília vai perceber que, para viver um grande amor, talvez tenha que sair de trás das câmeras e se tornar a protagonista da própria história.

Já podemos dar a coroa de rainha das comédias românticas BR pra Bia Crespo ou vocês precisam de outra canetada para tal? Sério, gente, não sei nem explicar pra vocês o quão maravilhosis os dois livros da Bia são: com personagens fofas, mas reais, com confusões dignas de um filme de comédia romântica e resoluções de deixar o coração quentinho por todos os motivos do mundo, tudo embaladinho com diversas referências culturais. É tão bom ver a ascensão de boas autoras que se preocupam com seu público e que, principalmente, querem mostrar um mundo mais diverso e colorido do que era antigamente. Imaginar que os jovens de hoje em dia, que estão se descobrindo parte da comunidade LGBTQIA+ podem se ver em livros e compreenderam que podem ter uma história de amor nível filmes de romance da sessáo da tarde é nada menos do que maravilhoso.

Em uma escrita mais madura da autora e ao contrário do seu antecessor, “Tudo que ela me disse”, é um livro de descoberta sobre quem uma adolescente é, com reações das pessoas ao redor como partes das famílias e amizades que não estão a altura do que as personagens principais mereciam. Se você quer um resumo do resumo do que achei deste livro, fique com um: MARAVILHOSO. Agora vem comigo que vou falar mais sobre a trama de Marília e quem ela é.

Um calafrio percorreu minha coluna.
No fundo, eu sabia o que estava acontecendo. Mas não queria, não podia falar sobre o assunto. Cada vez que essa temática vinha à tona, eu sentia como se milhares de setas fluorescentes apontassem na minha direção, dizendo para todo mundo ao redor: “Olha, vocês não repararam ainda que ela é diferente?”.
Eu não conhecia nenhuma menina que gostava de meninas. Não na vida real, pelo menos. Além da Clara e da Rafaela na novela Mulheres Apaixonadas e da dupla t.A.T.u., não sabia de outros casais de mulheres. Sempre tinha ouvido cochichos e palavras cheias de julgamento sobre o assunto. “Aquela sapatão”, “Fulana virou lésbica”, “Coitada, se veste que nem homem”.
Deve ter alguma coisa de errado com ela.

Marília é uma adolescente que está completando 15 anos em 8 de março de 2004. Nada popular no Instituto de Educação Santa Cássia, onde faz parte do 1º ano do segundo grau, a garota tem sua festa com somente suas duas melhores amigas, as irmãs gêmeas Tânia e Tamara. Marília ama filmagens, sonha em ser uma diretora de cinema no futuro e acaba de ganhar uma câmera nova mais moderna – para a época, mantenham em mente! Aproveitando ainda a antiga que tinha, Marilia gravava as amigas em momentos descontraídos, sendo as 3 são a trindade nerd da sala de aula que tem um grupo liderado por Fernanda como a popular suprema, uma garota super descolada que é basicamente uma sócia a Avril Lavigne.

Como se já não bastasse todos os problemas e confusões desta época de nossas vidas, as 3 amigas sofrem bullying pesado por serem boas alunas – e Marilia ainda tem o corpo fora do padrão estetico, o que obviamente causa momentos constrangedores para a jovem. Mesmo sendo bastante aplicadas, as amigas esquecem um projeto de biologia sobre plantas, e é ai que nossa trama começa: o professor, encantado com a forma inteligente como as garotas conseguira, apresentar o trabalho a tempo em forma de um vídeo, dá a dica para Marilia aproveitar seus dons como criadora de vídeos em outras matérias.

Nunca entendi muito bem o que Tânia e Tamara faziam quando passavam a noite em claro pensando em garotos. Tânia idealizava encontros perfeitos com Luiz Fernando, que terminavam com um beijo de boa-noite romântico e intenso. Já Tamara parecia mais apaixonada pela ideia de estar apaixonada, e ficava escrevendo letras de músicas no caderno enquanto esperava sua hora chegar.
Será que meus sentimentos pela Fernanda eram românticos? Me parecia normal achá-la bonita — isso era óbvio pra qualquer pessoa que estudava com a gente. Até mesmo minhas amigas reconheciam que ela era uma das garotas mais lindas não só do nosso ano, mas de todo o ensino médio. O problema era sua personalidade. Fernanda era a pessoa mais irritante que eu já tinha conhecido, sem contar todos os anos de bullying que sofri nas mãos dela e de seus amigos. Tudo isso junto tornava improvável, pra não dizer impossível, eu estar gostando dela.

Mas falta elenco, já como as melhores amigas de Marília, Tânia e Tamara, não gostam nadinha de aparecer nas filmagens, e é ai que o destino entrou com um empurrãozinho: a coordenadora do colégio chama justamente Fernanda, a popular da turma, para uma reunião com Marília propondo que as duas se ajudem: Marília vai ajudar Fernanda a melhorar de notas e Fernanda levará seu grupo de populares para aparecerem nos vídeos de Marília. E é assim que temos as duas personagens que vivem em opostos dentro da sociedade do colégio juntas, aprendendo uma sobre a outra e, claro, se apaixonando. Todo arco de compreensão da sexualidade da jovem é composto magistralmente, perfeitinho pela autora.

Sim, a trama é realmente uma comédia romântica com todos seus traços: rola desencontro, brigas e momentos de pura fofura, tudo encaminhado para um final delicioso de ler e acompanhar. Mas lembra que falei que essa trama é mais madura do que o primeiro livro da autora? Torna-se impossível não mencionar “Eu, minha crush e minha irmã” (leia a resenha sem spoilers clicando AQUI) nesta resenha pelo simples fato de que as duas histórias se passam no mesmo universo – quem leu o primeiro livro já conheceu Marília e Fernanda no “futuro” delas, ou seja, em nosso presente. Enquanto a primeira trama me fez dar mais risadas do que normalmente dou em livros, este aqui me deixou mais pensativa porque temos o fator decepção com amizades aqui. E o livro brilha na construção da amizade Marília, Tânia e Tamara.

Percebi então que a câmera se demorou no corpo dela um pouco mais do que eu lembrava. Quando a lente desceu pelo seu torso semirrevelado pela camisa branca, desviei o olhar, envergonhada. Lembrei daquela cena do filme Simplesmente amor, em que a Keira Knightley descobre que o amigo gostava dela por causa da gravação de seu casamento. Ele a tinha filmado o tempo todo, cortando o noivo do enquadramento. Me senti exposta. Culpada de algo que eu não sabia bem o que era.

Quando Marília enfim entende sua sexualidade e assume para as amigas que está apaixonada por Fernanda, uma das irmãs aceita muito bem, mas a outra não. Em outra cena do livro, quando se veste com algo que se sente bem, a jovem sofre uma agressão verbal que corta o coração de quem lê e, claro, muito mais para quem escuta algo assim. São sempre as pessoas próximas que nos infligem as piores dores e faz com quem passemos a acreditar que a humanidade talvez não tenha mais salvação – ao mesmo tempo que são justamente a reação de pessoas próximas a Marília que também nos fazem acreditar que há sim, salvação.

Não se engane: “Tudo que ela me disse” tem esse lado mais sério e que pode ser relacionado a diversos outros casos de amizades que nos decepcionam, mas é sim, uma deliciosa comédia romântica, daquele tipo que a gente lê e quer um filme bem fofinho pra amar as pessoas, lotar cinemas e depois assistir na sessão da tarde. Se você não conhece a Bia Crespo, você está perdendo tempo em sua vida de bookstan e a entrevista que o livro trás em suas derradeiras páginas provam isso. Já conhecia a Bia desde o seu primeiro livro público e na quarta-feira bati um papo com ela que foi, mais uma vez, delicioso – então corra pra ler os livros desta mulher maravilhosa que insiste em escrever tramas solares que são capazes de colorir até mesmo o mundo das pessoas que só vem cinza, como esta que escreve esta resenha. Mal posso esperar pelo próximo, Bia.

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