“A última noite em Tremore Beach”
Mikel Santiago
Tradução: Paulina Wacht e Ari Roitman
Suma – 2017 – 272 páginas
Recém-divorciado e no meio de um bloqueio criativo, Peter Harper decide tirar férias na bela e isolada Tremore Beach, na Irlanda. Tudo parecia correr bem, mas, depois de ser atingido por um raio durante uma tempestade, ele começa a ter terríveis dores de cabeça e sonhos cada vez mais estranhos. Conforme a linha que separa sonho e realidade fica cada vez mais difusa, Peter percebe que talvez seus sonhos sejam um aviso do horror que está por vir… Envolvente e eletrizante, A última noite em Tremore Beach é um thriller arrebatador, perfeito para fãs do gênero.
Nos últimos dias respirei o universo de “A última noite em Tremore Beach” porque primeiro li o livro e depois assisti a minissérie da Netflix, tudo para trazer esta resenha que está sendo complicada de fazer, e já adianto que não pelos motivos certos. Esse foi meu primeiro contato com os livros do espanhol Mikel Santiago e também a primeira série dessa leva de adaptações de livros de suspense para o público espanhol, e tive dificuldade de entender tantas mudanças na trama, mas vamos com calma para não misturar tudo de uma vez: publicado originalmente em 2013 na Espanha, ganhou o mundo e chegou aqui no Brasil em 2017 pela Editora Suma. Com uma mistura de suspense com elementos sobrenaturais, como já entrega na sucinta sinopse, a trama apresenta Peter Harper, um premiado pianista compositor de trilhas sonoras de filmes e seriados que está em uma profunda crise ao se separar de Clem. Pai de 2 filhos, Beatrice e Pip, Peter aluga uma casa maravilhosa na praia de Tremore Beach, na costa Irlandesa, seu país de origem, para tentar recuperar sua inspiração e se encontrar novamente. O que ele não esperava era que o raio caísse em sua cabeça. Literalmente.
Explicando melhor: na pequena cidade de Clenhburran, onde a praia fica, Peter fez amizade com o casal idoso que mora na outra única casa na praia de Tremore, e Leo e Marie praticamente adoram o homem, mas Peter esconde dos amigos e vizinhos que está tendo um relacionamento com Judy, uma moça muito bonita que assumiu a hospedaria da cidade. Os dois tem um acordo de manterem seu relacionamento escondido, cada um com seus motivos para não quererem se comprometer, mas Judy esconde muitos outros acontecimentos do seu passado, sendo bastante sombrios e traumáticos.
Durante os últimos três meses, minha vida criativa havia sido uma frustrante agonia de tentativas e erros. Uma espiral maníaco-depressiva em que uma noite eu achava que tinha algo maravilhoso, a melodia que marcaria o ponto de virada do meu vazio criativo, para no dia seguinte vomitar ao ouvir aquilo (em sentido figurado, mas algumas vezes chegou a acontecer de verdade). Eu me levantava do piano, desesperado, e tinha que sair de casa para não explodir e não beber, consequência direta de explodir. Ia dar um passeio nas rochas de Tremore Beach, procurando caranguejos, com um leve desejo infantil de que uma onda imprevista acabasse com aquele sofrimento, ou ia dar um passeio pelos despenhadeiros até as ruínas do monastério de Monaghan, onde pedia a Deus, com grande vergonha, que me jogasse uma boia de salvação. Na maioria das vezes, porém, ia ao jardim e me dedicava a cortar a grama, que se tornara o maior entretenimento da minha vida monástica. E o gramado lá era lindo, digno do Palácio de Buckingham.
Na noite que abre a trama, Peter está se arrumando para ir jantar na casa dos seus vizinhos e, ao caminhar para sair da sua casa, uma voz clara se faz ouvir, o avisando para não sair de casa. Não era a primeira vez que o homem ouvia essa vez (era a segunda e no decorrer da narrativa sabemos mais sobre a primeira vez), mas como todo adulto funcional e racional, Peter empurra para o fundo da mente esse aviso e vai. Aproveita o jantar com Leo, Marie e o casal convidado Frank e Laura, mas uma chuva torrencial começa a cair durante o jantar, o que faz Peter logo decidir ir para casa, e é claro que é aí que o tal raio cai na cabeça dele. Ao acordar no hospital, está com marcas no corpo, uma dor de cabeça que não passa e o romance com Judy se tornou de conhecimento dos seus amigos. A partir daí, com a chegada de Beatrice e Pip para passar alguns dias com o pai, uma sequência de sonhos vívidos começam a perturbar Peter.
Atormentado por esses sonhos que parecem peças de um quebra-cabeças, com pequenos fragmentos de momentos do passado e futuro das pessoas ao seu redor, Peter se questiona se não estaria maluco – como falei, o que qualquer pessoa funcional e racional faria. Ele procura ajuda com a médica do hospital que o atendeu depois do acidente com o raio, faz exames e até mesmo procura terapias alternativas, tudo enquanto essas visões não param, com uma dor de cabeça constante e duvidas sobre todas as pessoas que ele se importa começam a surgir. A tensão no livro cresce, a trama vai parecendo se repetir e se arrastar em alguns pontos, mas você quer entender o que está acontecendo. E é aqui que deixo a Ju começar a falar sobre a minissérie que se chama “A Última Noite em Tremor”, recém chegada a Netflix, já como ela só o viu e não leu o livro, e volto depois para dizer minhas impressões – e xingar muito no Twitter.
Leo continuou falando de sua chegada a Clenhburran, uma história que eu já ouvira algumas vezes. Comecei a me distrair, minha cabeça viajando para longe dali. Outros pensamentos disputavam a atenção da minha mente… Aquela voz, sobretudo. A voz que tinha falado dentro de mim antes de sair de casa…
“Às vezes você vai ouvi-la.”
… no minuto seguinte, eu não estava mais ali na sala dos Kogan. Tinha voltado à casa da minha infância, no norte de Dublin, perto de Coombe, àquela sala pequena onde a lareira estava sempre acesa, bem abastecida de carvão.
“O instinto é forte na nossa família. Nunca se esqueça disso, Pete.”
Minha mãe sempre falava comigo sobre essas coisas com naturalidade, mas sempre em segredo, quando estávamos a sós. O sexto sentido; o anjo da guarda; a voz que nos protegia.
Ju: Eu preciso dizer aqui que, como a Vi mencionou, eu não li o livro, então não sabia exatamente o que me esperava embarcando nessa série, só o que sabia era basicamente a sinopse da série – e ela não é uma sinopse muito chamativa, para falar bem a verdade.
A série em si não é uma série ruim. Ela é boa em detalhes da história e é boa no desenvolvimento do casal principal e é boa nos finais dos episódios porque realmente te deixa com vontade de ver o próximo para saber o que aguarda Alex e Judy e todas as pessoas em volta deles dois.
Tem interações entre o passado mais distante – em que Alex era apenas um jovem com um futuro que sua mãe tinha vislumbrado para ele e que ela era capaz de tudo, absolutamente tudo mesmo, para se certificar que ele chegue ao destino como ela viu acontecendo.
Conforme a série foi passando, eu ia perguntando pra Vi spoilers do livro e fiquei bem surpresa (tá, nem tanto, afinal adaptação né, rs) com o quanto mudaram a história, principalmente nomes de personagens, que na minha visão não tinha nenhum motivo para acontecer.
O que mais me incomodou na série inteira é o tamanho dela. Definitivamente não precisava, ainda mais terminando da forma como terminou. A impressão que me deixou é que a série toda prolongou uma explicação da visão de Alex para no final terminar e resolver tudo em menos de meia hora. Sério. Em uma série que tem 8 episódios de mais de uma hora cada, o mínimo que eu esperava é que o final também fosse detalhado como todo o resto, mas bem, o que esperar de adaptações, não é mesmo?
“Somos especiais, Pete. Você é especial. Olhe que coisas bonitas você escreve para o piano. Isso vem de algum lugar, um lugar divino dentro de você. Você é um pequeno anjo, sabia? Talvez algum dia também ouça a voz.”
“Mas eu não quero ouvir vozes, mamãe… Papai diz que isso é coisa de gente doida, que vão me prender se eu ficar falando isso por aí.”
Então minha mãe cobria meus olhos com a mão, fechava minhas pálpebras e acariciava meu nariz como se fosse roubá-lo.
“Loucura é viver a vida como se ela nunca fosse acabar, Peter Harper. Aproveite-a. Abrace-a. Não tenha medo da vida, e ela lhe dará o que você pedir.”
Eu não odeio adaptações. Eu só odeio quando mudam o material de origem de uma forma não para levar para o meio cinematográfico, e simplesmente porque acham que podem contar uma história melhor – ou, neste caso específico, para criarem roteiro para 8 episódios de 1 hora cada, porque é isso que acontece aqui. Não há menor sentido na mudança do passado da mãe de Alex (como o protagonista se chama na minissérie, mudando o nome inglês) ou criando personagens originais, como Estrella, que só serviram com o intuito de literalmente criarem mais narrativas e tentar prender o telespectador. Não entendo porque 8 episódios se esta trama se fecharia muito bem em 6 – ou até menos. Enquanto o livro deixa um clima de sobrenatural e herança familiar com o que não compreendemos, a sua contraparte adaptada deixa no ar algo mais próximo de maldição e loucura, tirando grande parte do brilho do que poderia ser aquele “dom”.
A trama do seriado ainda se permite em mudanças que realmente não alteram a trama, como a mudança do nome de Peter para Alex, o nome de Pip se tornar Bruno ou ainda mudar o país no qual a trama se passa, levando para a Espanha e alterando o nome da cidade também, que aqui se chama Tremor. Se há uma boa mudança, definitivamente é somente no relacionamento de Alex com Judy e paro por aí. As atuações são boas e são mesmo o ponto alto da trama, mas não vi sentido nas grandes mudanças que apresentaram e me incomodou bastante tudo sobre a mãe de Alex lá. O final é apressado e não sinto que compensou o tempo investido porque são “só” 8 episódios, mas que juntos, batem quase 10 horas para assistir tudo. Também dou muitos pontos para a trilha sonora, mas não sai nada feliz ao terminar de assistir. Vou deixar o trailer logo mais abaixo para vocês conferirem. E sei que a série está sendo muito bem aceita e muitos estão enlouquecidos de amor, mas, pra mim, que li o livro antes, não funcionou.
Mas por que papai não tinha me dito nada? Será que não sabia que eu morava naquele lugar? Teria acontecido naquela mesma tarde? Quando?
Achei o interruptor, e a luz inundou a sala. Por um instante a luminosidade me desconcertou, e senti a cabeça se queixando com uma aguda pontada proveniente do Centro Peter Harper de cefaleias crônicas. Fiquei apoiado na parede até conseguir abrir de novo os olhos.
Então, quando vi a sala iluminada, havia algo diferente.
Fui de novo até a mesa, em busca do jornal. A mesa estava vazia. Não havia jornal, nem uísque, nem cigarros. Só a velha toalha de crochê e o porta-guardanapo de porcelana adornado com uma flor falsa, que sempre estiveram lá.
Em comparação da minissérie com o livro, a sensação que senti foi que o livro teve pontos que também se arrastou, mas que a história é bem mais direta e sem tantos círculos, sem contar que o final do livro é muito mais honesto e direto do que a série. Dito isso, repito aquela velha máxima que sempre falo: não funcionou pra mim, mas indico a quem quiser assistir para porque cada experiência é única, mas realmente não me conquistou.
Já sobre o livro, realmente indico para quem consegue se envolver em tramas adultas que tem toques de fantasia e sobrenatural. Me peguei em diversos momentos sendo uma chata e pensando que se fosse algo daquele tipo comigo, totalmente procuraria ajuda imediatamente, então termino não me envolvendo como se faz necessário e como acontece com fantasias infantis juvenis, porque você entende a reação de jovens de cairem em um universo que não conhecem, mas adultos faz o leitor se questionar como as personagens não duvidam de si mesmas, e o Peter faz isso, levando a uma jornada com médicos e hipnose que não é tão interessante de ler. Se você é fã de tramas que remetem a alguém predestinado a salvar pessoas ao ter vislumbres de um possível futuro, você encontrou sua nova leitura favorita – e afirmo isso sem premonição alguma. Só confie.
Assista ao trailer da minissérie:
Para comprar “A última noite em Tremore Beach”, basta clicar no nome da loja:
Livro:
Minissérie: