29.12


“Por que ler os clássicos” (Edição especial)
Italo Calvino
Tradução: Nilson Moulin
Arte de Capa: Raul Loureiro
Posfácio: Maria Cecília Gomes dos Reis
Companhia das Letras – 2023 – 312 páginas

Edição em capa dura de uma das principais obras de Italo Calvino. Inclui projeto gráfico especial e posfácio inédito de Maria Cecília Gomes dos Reis, professora de filosofia da Unifesp e tradutora do grego.

É certo, como diz Italo Calvino, que “nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão”. Ou seja, a leitura crítica jamais substituirá a leitura da obra de criação ― mas é fundamental, muitas vezes, para chamar a atenção para detalhes importantes, revelar aspectos despercebidos, projetar nova luz sobre autores já empoeirados. É o que o autor de As cidades invisíveis se propõe a fazer em Por que ler os clássicos.

São textos sobre Voltaire, Balzac, Stendhal, Flaubert, Dickens, Tolstói, Borges, Montale, Homero, Ovídio, entre outros, marcados pela inteligência e argúcia de um dos mais celebrados autores do século XX. Um passeio guiado pelas obras fundamentais da literatura, este volume se mostra um clássico na definição do próprio Calvino: “um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.

Italo Calvino foi um dos mais importantes escritores italianos, apesar de nascido em Cuba. Mais conhecido por obras como “As cidades invisíveis” ou a Trilogia “Os Nossos Antepassados”, é justo atestar que ele foi um dos grandes nomes literários do século XX. Morto em 1985, deixou não só seus livros mas também diversos ensaios e artigos sobre diversos temas, e eis aqui que temos “Por que ler os Clássicos”, um livro póstumo que reúne vários de seus ensaios falando sobre livros clássicos e como o título sugere, todos os motivos que temos para lê-los.

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo…” e nunca ‘‘Estou lendo…”.
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Sendo ele um autor italiano, alguns dos autores e suas obras mencionadas em seus ensaios não são tão conhecidos nossos, assim como nem todos estes ensaios foram feitos para publicação. Como sua própria esposa, Esther Calvino, fala no prefácio, o autor não acreditava que seria possível juntar tudo aqui presente ainda em vida e que queria preciso aguardar a morte do autor. Mas, para o bem dos leitores, todo esse material foi compilado aqui – e assim se nasceu uma obra clássica que se propõe a falar sobre os livros clássicos e ainda algumas críticas à estas mesmas obras e seus autores. Mas, antes, e em meu ensaio favorito, Italo propõe um exercício ao leitor: como se definir o que é um “clássico”?

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

Ler. Ser leitor. Ser bookstan. Amar livros. Ler sempre que quiser. Ler tudo que quiser. Quem ler por prazer e sempre têm um livro por perto, pode faz listas e tentar organizar suas leituras – ou não, seguindo o fluxo de sua vida. Quem ama ler começou cedo, com literatura infantil e depois Infantojuvenil e assim seguiu – ou não também, como esta que vos escreve: comecei lendo livros bem acima da minha faixa etária porque sou irmã mais nova, então tinha acesso a livros não indicados a minha idade e sim, estou olhando para você, “Morro dos Ventos Uivantes”! Quem ama ler já leu diversos clássicos da literatura – ou, mais uma vez, também não. Ser leitor é plural: seja como for, quando for, onde for, um livro sempre estará de braços abertos para você, esperando ser descoberto e se tornar parte de quem o lê. E isso também serve para os considerados livros clássicos.

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe.
9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

E se você está se perguntando o que são esses tais livros clássicos, a pergunta também será inexata. Claro que há alguns consensos: Shakespeare, Dickens, Hemingway, Kafka, todos grandes nomes que repetidamente aparecem em listas de grandes escritores e que são conhecidos pela grande maioria das pessoas, mas… E para o leitor? Mais precisamente para você: Quem você leu que te deu aquela sensação de que o seu mundo parou e quem você é foi alterado por aquele livros? A resposta obviamente mudará de leitor a leitor. E é este meu ponto. Como não há uma fórmula certa para ser leitor, também não há uma resposta certa sobre os motivos pelos quais qualquer um de nós deveria ler os ditos livros clássicos. Não há mesmo. Mas podemos afirmar enquanto lemos um livro que aquele será capaz de mudar nossa vida, e foi justamente tentando responder essa pergunta que o autor Italo Calvino escreveu este primeiro ensaio.

10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
11. O “seu” clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele reconhece logo o seu lugar na genealogia.

Sei que esse texto está parecendo tudo menos uma resenha literária, mas acredito que ele vá de encontro com a ideia do livro sobre o qual falo sobre: os motivos para ler os livros clássicos não podem ser dados, eles precisam ser lidos. Livros clássicos são, no final das contas, livros esperando serem descobertos. Por mais que muitos leitores tenham problemas de efetivamente conseguir ler estes livros, não há o que temer justamente porque são livros, com suas histórias e mundos esperando serem desbravados e conhecidos por mais e mais leitores. São histórias que séculos depois de virem ao mundo, ainda continuam contando suas histórias – exatamente isso, se perpetuando e levando seus pontos e novos mundos a novos leitores.

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

Os quotes deste texto são justamente extraídos de “Por que ler os Classicos”, o ensaio que abre o livro e dá nome a obra, que ainda traz ensaios sobre “Odisseia”, “Robinson Crusoé”, e ainda “Our Mutual Friend”, o último livro completo de Dickens, tudo entre 35 obras e autores analisados, junto com o ensaio inicial que já mencionei. Nesta edição capa dura especial há ainda um Posfácio escrito por Maria Cecília Gomes dos Reis, filosofa, escritora, tradutora e professora. Espero ter feito com que você que me lê pelo menos cogite a hipótese de ler algum clássico hoje, seja qual for – e se não for hoje, que seja em seu futuro porque, bem, sendo bem simples e como diz tão bem Calvino: “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.” Aproveite sem moderação.

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