Sinopse: Da autora de O som do rugido da onça ― vencedor do prêmio Jabuti ―, um romance aterrador sobre as consequências perversas da intolerância e da doutrinação religiosa.
Um crime choca os moradores de uma pequena cidade no interior do Brasil: uma mulher é queimada viva, em um ritual motivado por razões religiosas, a fim de purificar a vítima e endireitá-la para o “caminho do bem”. A violência parece ter se tornado parte da paisagem: desde que uma comunidade evangélica se instalou na região, episódios do tipo se tornaram cada vez mais comuns. Cabe então ao leitor juntar fragmentos, seguir as pistas e acompanhar os rastros de uma mulher que tenta organizar a narrativa desse trágico acontecimento ― enquanto ela mesma tenta lidar com seus próprios traumas e a ausência de um grande amigo.
Em Caminhando com os mortos, a premiada escritora Micheliny Verunschk constrói um romance inovador e assustadoramente atual, que demonstra como o ódio às mulheres e às minorias atravessa os séculos, sobretudo quando se vale do fanatismo religioso.
Quando foi anunciado o livro “Caminhando com os mortos” eu já sabia que ia querer ler, fosse o tema que fosse, simplesmente por ser um livro de Micheliny e eu ter me apaixonado por “O som do rugido da onça” (que vocês podem ver minha resenha clicando AQUI). E, é claro, eu não me decepcionei porque mais uma vez Micheliny entregou uma obra de arte.
“Caminhando com os mortos” começa falando sobre uma morte. Atearam fogo em uma moça de uma cidade pequena do interior e, durante a passagem do livro que alterna entre o presente e fragmentos do passado, nós vamos vendo como funciona a investigação para saber o que aconteceu lá e os acontecimentos do passado que levaram até aquele ponto onde chegou.
“O mais curioso, porém, é que, quando uma pessoa assim querida e importante morre, você passa a fazer praticamente esse mesmo percurso, só que, ao contrário da morte, você só consegue transitar pelo passado, tateando os vestígios deixados por aquele que partiu, indagando objetos, rabiscos, sonhos, mensagens, fotografias, se metendo em brechas, sótãos, iluminando com lanternas mais ou menos potentes os desvãos da memória, pisando com os seus pés as marcas dos rastros que ficaram para trás, tentando encaixar naquela forma frágil a sua própria marca. Diferentemente da morte, no entanto, você procura recompor aquele que foi perdido, como se nesse trabalho de detetive fosse possível conseguir, por um instante que seja, restaurar todo aquele que, no entanto, sempre escapa. E nesse trabalho, apesar do vazio, você se contenta com resquícios, as marcas ao mesmo tempo frágeis e duradouras que consegue reter. E embora nunca tenha existido lugar seguro para você em nenhum tempo ou lugar desde a sua primeira respiração, é com a morte de alguém querido que você percebe a morte em seu encalço.”
Durante o livro, além desse crime, nós também vamos lidando com várias situações que vão sendo pontuadas ali de forma delicada e ao mesmo tempo visceral: luto, a perda de pessoas que amamos, a capacidade que os seres humanos tem de fazer mal a outras pessoas, mesmo sem se dar a menor conta de que estão fazendo isso e, o mais importante, o quanto a vida de mulheres seguem sendo afetadas em todo lugar por conta de fanatismo religioso e de uma boa dose de lavagem cerebral.
São coisas que Micheliny consegue trazer muito bem em uma nuance que podemos entender o que aconteceu, ao mesmo tempo em que ficamos nos perguntando mas COMO isso foi acontecer. Como as pessoas são capazes de fazerem o que fazem – e pior ainda, como muitas vezes elas realmente não se dão conta do quão errado é o que estão fazendo “em nome de Deus”.
“Esses crentes chegam muito falantes, enfiados em ternos, a gravata apertando o gogó, o cabelo na risca do pente. Mas só de olhar para os pés a gente já sabe do que se trata. Antes de falar em Deus, falam no dízimo, antes de falar no Cristo, falam no diabo. Já viu como o diabo não sai da boca dessa gente? Não têm caridade, só interesse.”
Eu fiquei bem impactada, não vou mentir. Durante uma parte do livro eu tive apenas que parar e respirar fundo porque é a dura realidade que vemos ali. Algo que acontece por toda a história, desde que o mundo é mundo, as pessoas usando o nome de Deus em busca de fazer coisas ruins: seja por pura ignorancia, por acreditarem que aquilo ali é o correto a se fazer ou por maldade e ganancia, como se Deus não fosse o ser bondoso que eu (e imagino que muita gente também) escolhemos acreditar que ele é.
Isso sem contar as várias passagens em que falam sobre a dor do luto, porque isso é algo que mexe bastante comigo sim. E tem uma coisa que me marcou bastante que foi um comentário colocado na contracapa do livro, feito por Bianca Ramoneda, que diz: “Se em seu premiado livro de estreia era a onça quem rugia, neste há um imenso silêncio. Assombrado.” e eu não podia explicar em palavras melhores do que essas.
O final do livro me deixou absolutamente sem palavras, mais ainda do que eu já estava a partir de determinada parte dele. Assim como foi com “O som do rugido da onça”, eu tenho certeza que “Caminhando com os mortos” vai ficar dentro de mim por muito e muito tempo mesmo, possivelmente pelo resto da vida, com sua mensagem forte e bem escrita, com toda a dor sentida dentro de mim por Quitéria, Celeste, Lourença, as garotas do Poço e muito também pela perita.
“Mas ao mesmo tempo pensa que talvez seja importante saber desde cedo que tudo o que amamos um dia vai acabar.”
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