08.08


“Uma tragédia familiar”
M. T. Edvardsson
Tradução: Natalie Gerhardt
Suma – 2023 – 208 páginas

Steven e Regina Rytter são um casal abastado, vivem em uma mansão deslumbrante e aparentam uma vida perfeita. Mas há algo fora do comum: a esposa não sai de casa há meses, tomada por uma grave e misteriosa doença.

Depois de alguns desentendimentos com a funcionária anterior, Steven contrata uma nova faxineira, Karla, para cuidar da residência dos Rytter duas vezes por semana. A jovem chegou na cidade há pouco tempo, e trabalha para se manter no curso de direito. Ela aluga um quarto simples no apartamento de Bill Olsson, um homem gentil que, viúvo e desempregado, passa por maus bocados para sustentar a filha de oito anos.

Conforme a situação de Bill vai ficando cada vez mais crítica, Karla se vê obrigada a fazer uma escolha terrível. E quando os Rytter são encontrados mortos, tanto Karla quanto Bill precisarão revisitar um passado que preferiam evitar.

Todas as pessoas em Uma tragédia familiar escondem algum segredo, mas alguma delas seria capaz de cometer um assassinato? Um thriller eletrizante de um mestre do suspense que apresenta uma história sobre dependência, justiça e a linha tênue entre o certo e o errado.

Uma tragédia familiar” foi, definitivamente, uma leitura que me deixou repleta de sentimentos, e não estou brincando quanto a isso. Livros são capazes de produzirem grandes efeitos nos leitores e, claro, como boa bookstan que sou, não fico de fora dessa lista. É um livro construído no suspense, com claramente personagens principais que não podemos confiar e que escondem segredos de todos ao seu redor, inclusive do leitor, mas, acima de tudo, é um livro sobre como podemos nos enganar com as pessoas – e este é mesmo o maior fator do livro e o que o guia em vários momentos.

Uma das coisas que mais adorei na trama foi a minha pesquisa pessoal sobre os locais, redes sociais e costumes da Suécia, pais no qual a trama se passa. Ler é um jeito de visitar lugares que provavelmente nunca estaremos (e outros mundo, no caso da fantasia), e este livro foi um exemplo clássico disto para mim. O sistema policial e judiciário deles também é diferente do nosso, além dos jornalistas nunca divulgarem os nomes dos suspeitos presos – sim, tem tudo isso na trama que alterna entre tempos, deixando o leitor com um belíssimo quebra-cabeças para montar. E eu adorei cada segundo dessa montagem.

A empresa de limpeza falou algo sobre minha esposa?
Lembro da expressão hesitante de Lena. O nome dela é Regina, mas isso é tudo que sei.
Não, por quê?
Ele vai até a escada e com um gesto pede que eu o siga.
Ela está lá em cima, na cama.
Estranho.
Paro no primeiro degrau.
Steven Rytter se vira, mantendo a mão no corrimão. A beleza de artista de cinema fica menos óbvia. Ele baixa a cabeça como se estivesse se encolhendo um pouco.
Minha esposa está doente.

A trama começa com policiais chegando a uma casa onde dois corpos foram encontrandos, já mostrando que estamos lidando com a pergunta sobre quem matou as duas pessoas, mas não só isso: o motivo é o motor de todo enredo. Como a sinopse já deixa claro, o casal Steven e Regina parece ter tudo financeiramente, mas nem tudo emocionalmente, informação dada logo de começo quando a jovem Karla chega para faxinar a casa deles. A casa grande, a vida boa, a condição financeira que o casal parece ser tudo que a jovem precisa, já como está tentando desesperadamente se manter morando no dormitório da faculdade, coisa que fica cada dia mais difícil já como os jovens querem se divertir e Karla entende que aquela é a sua única chance de mudar seu passado, até então escondido dos leitores, o que mostra exatamente que há muito mais por trás dela.

Precisando descansar para estudar para as provas e se concentrar, Karla termina alugando um quarto no apartamento de Bill, viúvo que mora com sua filha, Sally, uma criança de 8 anos de idade. Bill está lutando desesperadamente para continuar criando a filha, sem conseguir um emprego fixo e ainda lidando com o luto da perda de sua esposa, Miranda. A vida de Bill parece só ter ido para trás e, talvez, agora com o aluguel do quarto, das coisas melhores – mas ele esconde diversos motivos pelo qual a sua vida andou tanto para trás assim, além do luto. Bill é um personagem que parece ter diversas camadas e você não está enganado, trazendo um novo ângulo sobre relacionamento que, até aqui, é pouco explorado, e, claro, paro de falar aqui sobre a trama dele para não entregar nenhum spoiler para vocês.

Ah, não, pode continuar o seu trabalho. É importante para o meu marido que tudo esteja limpo e organizado.
Desculpe se eu a acordei — digo, saindo do quarto e fechando a porta.
Ao longo do dia, paro o serviço várias vezes para tentar ouvir algum barulho vindo do quarto. Trabalho por quatro horas. Varrendo, aspirando e passando pano no chão. Sacudindo tapetes e esfregando. Não ouço mais nada.
Que tipo de vida aquela pobre criatura está levando? Não importa que tenha lustres de cristal e relógios de cuco que poderiam estar numa feira de antiguidades se não tem nem forças para se levantar da cama. Todos esses lindos aposentos, todos esses enfeites e objetos de valor. A limpeza e a arrumação cirúrgicas. Está bem claro que essas coisas não significam nada.

No oposto, como já comecei falando, temos o casal Steven e Regina, que vivem em condições financeiras ótimas. Ele médico, continua vivendo normalmente sua vida, enquanto sua esposa parece estar sofrendo de uma doença que nenhum médico consegue diagnosticar. Depois de um virose um ano antes da trama começar, Regina nunca mais conseguiu melhorar. Quando Karla começa a trabalhar na casa, no começo da trama, Steven deixa claro que não quer que a jovem incomode sua esposa, que fica a maior parte do tempo em seu quarto. Claro que não será isso que irá acontecer e as duas começaram a conversar, para desgosto do médico, que parece ser alguém bastante intransigente.

Mas há uma quinta personagem principal nesta trama e que tem ponto de vista: Jennika. Se você se questiona porque ela não é menciona na sinopse, eu te respondo bem simples que é por motivos de spoilers. Quando a personagem é introduzida, você conhece uma mulher com 30 anos que se sente perdida na vida: formada, mas sem querer exercer sua profissão, decidiu continuar estudando, ao mesmo tempo que tem um relacionamento complicado com seus pais. O pai traiu a mãe diversas vezes e ela nunca entendeu porque nunca se separaram. Jennika era amiga de Miranda, a finada esposa de Bill, e você começa a ver todos personagens se interligarem quando ela vai em um encontro – e é isso que posso falar da trama sem entrar em detalhes específicos.

Consegui um quarto novo. — Conto para ela tudo sobre Bill e Sally. — É tão triste. A mãe dela morreu de câncer.
Mas eu estou viva — retruca minha mãe. — Embora isso não pareça fazer diferença para você.
Sei exatamente o que ela está tentando fazer. É bem óbvio, na verdade. Mesmo assim, é difícil, quase impossível me defender de tais palavras. Minha mãe sempre usou minha culpa contra mim.

A medida que a trama avança, parece claro para o leitor que não estamos em um única linha temporal, o que traz mais informações, e algumas podem nos confundir e não entregar para onde tudo aponta. Ainda há trechos de depoimentos entre os capítulos com ponto de vista dos personagens que, alias, não deixei claro: temos ponto de vistas somente de Karla, Bil e Jennika, nunca de Regina ou Steven, o que aumenta ainda mais a curiosidade sobre estes personagens e suas motivações, além de não ter nenhum detalhe pelos olhos deles de como tudo estava desmoronando na vida conjugal deles, se é que estava realmente. Mas, além do relacionamento entre o casal, há também o relacionamento de Karla com sua mãe, o relacionamento de Bill com Miranda, o relacionamento de Jennika com seus pais, todos com diversos pontos diferentes que mostram o quanto podemos ser afetados por escolhas alheias.

Não espere um suspense de roer as unhas, não é assim que está trama é formada. Aqui temos mais uma trama sendo construída com pequenas pistas e revelações sobre os passados das personagens, como se a cada momento mais um pequena peça deste quebra-cabeças fosse sendo montado, nos deixando com a sensação de que a imagem que está se formando não é a que estávamos esperando porque bem, diversas informações são inesperadas – e outras nem tanto, já como você já está bem ciente de que os narradores estão mesmo escondendo trechos e passagens importantes de suas vidas.

Você foi uma criança dente-de-leão — digo.
Ela abre um sorriso cético.
Como assim?
É o que a mãe de Miranda sempre dizia de mim. Que eu fui uma criança dente-de-leão. Uma criança que sobrevive apesar de tudo. Você sabe, porque dizem que dente-de-leão é uma planta resistente, que cresce em qualquer lugar.

Como também falei acima, o sistema policial e judiciário de Suécia é, obviamente, diferente do nosso, e um conceito do que poderia ter acontecido com aquelas personagens começa a se formar, fazendo o leitor se questionar bastante sobre relacionamentos e o poder que eles tem na vida das pessoas e, principalmente, como podem lê-las até a beira de um precipício de diversas formas, mais um grande acerto do livro.

Quando todas as peças se encaixam no final, o livro termina com diversos questionamentos e nenhum sobre a trama, todos morais: como você sobrevive com a culpa depois de fazer algo terrível? Como você supera tantos traumas? Como você pode conviver sabendo o segredo de outras pessoas sem quebrar? Você entende toda construção, entende como as personagens terminaram naquele lugar e provavelmente vai descordar do que aconteceu por vários motivos, mas a sensação de uma boa leitura fica em você, dando aquele gostinho ao imaginar que algumas vezes, uma tragédia familiar não é bem uma tragédia – e você só entenderá isto se ler o livro, coisa mais do que indicada para os amantes de suspense.

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