“Joyland”
Stephen King
Tradução: Regiane Winarski
Suma – 2015 – 340 páginas
Carolina do Norte, 1973. O universitário Devin Jones começa um trabalho temporário no parque Joyland, tentando esquecer a namorada que partiu seu coração. Mas é outra garota que acaba mudando seu mundo para sempre: Linda Grey, que foi morta no parque há anos, vítima de um serial killer. Diz a lenda que seu espírito ainda assombra o trem fantasma.
Fascinado, Devin começa a investigar o caso, tentando juntar as pontas soltas. Ele descobre que o assassino ainda está à solta, mas o espírito de Linda precisa ser libertado. Quando Devin pede a ajuda de Mike, um menino com um dom especial e uma doença séria, a realidade sombria da vida vêm à tona em uma trama ao mesmo tempo assustadora e emocionante.
Vou começar esta resenha com uma afirmação: a sinopse não faz o menor jus a “Joyland”, livro de 2013 publicado em 2015 aqui no Brasil pela Editora Suma, do mestre Stephen King, mas, sinceramente, não espere um livro sobre assombrações assustadoras ou sequer sobre um serial killer: espere um livro sobre dor, luto, corações partidos e morte, tudo no sentido humano da palavra. Sei e entendo a fama e o título de “Rei do Terror” que King tem, mas, em grande parte de suas obras, os temas tratados são bem mais reais (e assustadores) do que qualquer monstro que o autor possa criar, e aqui não foi nem mesmo remotamente diferente, além do livro ter um tom quase de suspense mesclado ao policial, na verdade.
Em uma definição bem simples, “Fui ler esperando terror, recebi tristeza”, e é bem assim que defino este livro: Melancólico, King entrega uma narrativa concisa e direta sobre as injustiças da vida, seja ter seu coração partido por seu primeiro amor, seja ser morta por um maníaco. É sobre envelhecer, tomar decisões que são capazes de mudar sua vida e sobre continuar. Claro que há sim, o elemento sobrenatural aqui com o espírito de Linda Grey e também um serial killer (ao que tudo indica, já aposentado), mas que, mesclados com a história do protagonista Devin, não são os protagonistas aqui. Eu ainda encontro dificuldade de falar sobre essa narrativa porque é realmente triste em vários sentidos, mas ok, vamos lá falar sobre porque este livro me pegou tanto assim.
Eu tinha carro, mas, na maioria dos dias daquele outono de 1973, eu saía da Pensão Litorânea da sra. Shoplaw, na cidade de Heaven’s Bay, e ia andando para Joyland. Parecia a coisa certa a fazer. A única coisa, na verdade. No começo de setembro, a praia Heaven estava quase completamente deserta, o que combinava com meu estado de espírito. Aquele outono foi o mais bonito da minha vida. Mesmo quarenta anos depois, ainda posso dizer isso. E nunca fui tão infeliz, também posso dizer. As pessoas pensam que o primeiro amor é fofo e que fica ainda mais fofo depois que passa. Você já deve ter ouvido mil músicas pop e country que comprovam isso; sempre tem algum tolo de coração partido. No entanto, essa primeira mágoa é sempre a mais dolorosa, a que demora mais para cicatrizar e a que deixa a cicatriz mais visível. O que há de fofo nisso?
O livro é contado em flashbacks por um Devin já maduro nos tempos atuais da publicação do livro, contando sobre o verão de 1973, que ele considera o mais bonito de sua vida. Devin é um estudante universitário que deseja ser escritor (!) e que acaba indo trabalhar durante o verão no parque de diversões Joyland, enquanto sua namorada, Wendy, decide ir passar o verão longe dele – e, claro, acaba partindo o coração do rapaz, que está começando a se adaptar no parque. Caminhando todos os dias da pensão onde se encontra para o parque, ele passa pela praia, aproveitando como pode aqueles dias que não parecem melhorar em nada a dor de ter sido trocado por outro cara. A alegria que ele começa a encontrar é justamente vestir a fantasia do cachorro chamado Howie, que era justamente o “mascote” do parque. Com poucos funcionários na época do outo e inverno, o parque ficava repleto de funcionários provisórios para o verão e lotado de famílias que levavam seus pequenos para passear. Tudo bastante singelo naquele parte bastante antigo, se não fosse a lenda sobre Linda Grey, uma jovem que foi assassinada enquanto estava aproveitando o trem fantasma com um namorado misterioso. Segundo os funciona rios, o fantasma de Linda ainda estava lá.
Entretanto, logo quando estava conhecendo o parque, Fortuna, nome que uma mulher chamada Rozzie Gold usa para fazer profecias e vidências no parque, prevê uma garotinha e um garotinho com um cachorro no futuro do rapaz, enquanto tudo que ele deseja saber é sobre Wendy – mas ela está em seu passado, Fortuna profetiza. E isso, de alguma forma, nunca sai da mente de Devin, o que se provou bastante real porque em um dia com o parque lotado e ele na fantasia de Howie, uma garotinha se engasga com um pedaço de cachorro quente e é salva por ele. A garotinha fica bem e Devin é aclamado como herói no parque, tendo reconhecimento do Sr. Bradley Easterbrook, o dono do parque, que diz não ter condições de dar um prêmio em dinheiro para o jovem, mas fica lhe devendo um favor, que logo será cobrado.
Joyland não era um parque temático, o que permitia que tivesse um pouco de tudo. Havia uma montanha-russa secundária chamada Delirium Shaker e um toboágua chamado Captain Nemo’s Splash & Crash. Mais a oeste do parque havia um anexo especial para os pequenos, chamado Vila Wiggle-Waggle. Tinha também um salão onde a maioria dos shows — isso também descobri depois — era de cantores country ou roqueiros que tinham feito sucesso nos anos 1950 e 1960. Eu lembro que Johnny Otis e Big Joe Turner fizeram um show lá juntos. Tive que perguntar a Brenda Rafferty, a contadora-chefe, que também era uma espécie de mãezona das Garotas de Hollywood, quem eram eles. Bren me achava burro; eu a achava velha; nós dois devíamos estar certos.
Devin já havia perdido sua mãe, sua família sendo resumida a seu pai, e depois da grande decepção amorosa, ele decide ficar em Joyland por mais um ano trabalhando, tirando um ano sabático, por assim dizer, da faculdade. E é ai que o curso de sua vida muda completamente, já como começa a ver todos os dias, quando caminha para o parque (para economizar gasolina, que fique claro) uma mulher e um garotinho de cadeiras de rodas que tem um cachorro. Não preciso realmente falar que o destino dessas 3 pessoas irá realmente se encontrar de forma que mudará quem Devin é para sempre proque isso fica bastante claro porque a narração é pontuada por pensamentos do narrador mais velho, exatamente como já falei.
Confesso que me surpreendi com o tamanho da trama porque 240 páginas não é absolutamente nada para King, acostumado a escrever seus calhamaços, só que aqui temos uma trama enxuta e que se concentra em ambientar o parque, definir quem Devin era nessa época e todos outros personagens que são importantes na trama, como Annie e Mike, a mulher que ele vê no caminho do parque, mãe de Mike, o garotinho na cadeira de rodas. Toda nostalgia está presente na forma como as narrações vão acontecendo, fazendo o leitor ter certeza absoluta dos sentimentos de Devin em tudo que ele estava vivendo, sofrendo e aprendendo. Mas, claro, ele também estava curioso sobre Linda Grey e estava investigando, através de sua amiga Erin, quando ela voltou para a faculdade – alias, a capa do livro é justamente uma alusão à personagem, que interpretava uma “Garota de Hollywood” no parque, tirando fotos dos visitantes, e se torna uma importante peça de ajuda a Devin para descobrir o que realmente aconteceu a Linda.
Só posso dizer o que você já sabe: alguns dias são preciosos. Não muitos, mas acho que em quase toda vida há alguns. Aquele foi um dos meus, e, quando estou triste, quando a vida me dá uma rasteira e tudo parece ruim e sem graça, como a Joyland Avenue em um dia chuvoso, eu volto a ele, ao menos para lembrar a mim mesmo que a vida nem sempre arranca nosso couro. Às vezes, ela oferece verdadeiros prêmios. Às vezes, são preciosos.
Ainda me pego pensando em como uma história sobre um serial killer e uma garota que se tornou um fantasma pode ter se tornado em algo tão gentil sobre primeiros amores, primeiro emprego, primeiras grandes decisões. Em um resumo, temos aqui um livro sobre a transição da adolescência para a vida adulta de uma forma muito simples e que é capaz de tocar, provando como King é realmente um escritor completo, com pequenas nuances sobre a vida em seu geral com uma investigação precisa (e até mesmo direito a um momento de epifania) e uma pitadinha bem pequena de sobrenatural.
Mas mantenha em mente o que já falei: a trama sobrenatural e até a mesma parte policial é um plano de fundo para a história de amadurecimento de Devin, e acho que por isso que amei tanto “Joyland”. Muitas pessoas já falaram que não leem King porque não gostam de terror, seja por escolha ou por medo, então, se você realmente tem curiosidade de ler algo rápido e que te dê ideia do estilo de escrita do autor, pode ler este livro e usá-lo como porta de entrada. Não há nada para não se elogiar nesta trama tão simples e tão dolorosa, e a graça está justamente no trocadilho que o autor fez com o título: Joyland, literalmente traduzido como “terra da alegria” é somente a ideia do parque porque a vida real está longe de ser um parque ou uma terra da alegria, mas não podemos dizer que não é uma verdadeira montanha-russa: alguns dias altos, alguns dias baixos, com sustos e uma sensação de prazer, tudo misturado. Seja como for, não perca de conhecer este parque que tanto prometeu alegrias e entregou muito, muito mais.
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