24.03


“Um verão italiano ”
Rebecca Serle
Tradução: Lígia Azevedo
Paralela – 2023 – 264 páginas

Quando Carol morre, Katy fica devastada. Ela perde não apenas sua mãe, mas sua melhor amiga e referência, aquela que sempre tinha todas as respostas. Para piorar, faltam poucos dias para a viagem que mãe e filha haviam planejado para Positano, na Itália, a cidade mágica onde Carol passou o verão pouco antes de conhecer o pai de Katy. Agora, a filha se prepara para viajar sozinha.

No entanto, pouco depois de pisar na Costa Amalfitana, Katy a vê: Carol em carne e osso, aos trinta anos, saudável, bronzeada e feliz. Katy não entende o que está acontecendo nem como isso é possível ― tudo o que importa é que, de algum jeito, sua mãe está de volta.

Assim, ao longo de um verão italiano, Katy passa a conhecê-la não como sua mãe, mas como a jovem que ela um dia foi. Entretanto, Carol não é exatamente quem a filha imaginava, e, em meio ao luto e à alegria inesperada de tê-la de volta, Katy precisa conciliar a imagem da mãe, que para tudo tinha uma solução, com a da mulher que não tem ideia do que fazer.

Ouch. Ler este livro já tendo perdido sua mãe é, sombra de dúvidas, uma das coisas mais dolorosas que um bookstan pode querer – e também uma das mais reconfortantes. Não há mistérios aqui nesta trama porque é exatamente o que a sinopse promete: uma filha em luto, devastada pela morte do amor de sua vida (porque sim, o amor da sua vida não é necessariamente um amor romântico) decide que irá honrar a memória de sua mãe e fazer a viagem que tinham planejado por tantos anos. O que ela não esperava era encontrar a mãe, viva e jovem, lá.

Eu sei, eu sei que pode parecer uma fantasia, e em partes é. Rebecca Serle está realmente criando enredos que misturam situações doloridas da vida cotidiana e “normal” e colocando um pouco de fantasia nisso. E, sinceramente, funciona. Funciona bem demais. Assim como seus outros dois livros, “Daqui a cinco anos” e “Lista de convidados” (os quais resenhei sem spoilers e você pode ler clicando AQUI), temos uma narrativa guiada por um sentimento bastante mundano que ganha contornos um tanto quanto lúdicos com estes elementos impossíveis: ver o futuro dali a cinco anos, ter em seu jantar de aniversário pessoas que já morreram como Audrey Hepburn e, nesta trama, ter de volta sua mãe recém falecida depois de uma doença debilitante. Tudo muito simples, e, ao mesmo tempo, muito doloroso, porque quem não gostaria de ter de volta alguém que já se foi? Sim, esse livro é um livro sobre o luto, mas é também é sobre autodescoberta e amor.

Minha mãe era a primeira pessoa para quem você ligava para saber uma receita (cebola picadinha, alho e uma pitada de açúcar, não esquece) e a última para quem ligava numa noite em que não conseguia dormir (uma xícara de água quente com limão, óleo essencial de lavanda e cápsulas de magnésio). Ela sabia a proporção exata de azeite e alho para qualquer receita e preparava o jantar facilmente com apenas três itens da despensa. Carol tinha todas as respostas. Já eu não tenho nenhuma, e agora não tenho mais minha mãe.

Quando “Um verão italiano” começa, Katy está sem rumo porque acabou de perder a mãe. Com um casamento consolidado e aparentemente repleto de amor, seu marido Eric parece não conseguir mais se conectar com a esposa porque ela está em um lugar que ele não consegue alcançar – e é isto mesmo. Quando você dá de cara com a finitude da vida e a vulnerabilidade de estar neste lugar que parece que até respirar doí, não há como tentar explicar para qualquer outra pessoa, nem mesmo alguém que também está passando pelo luto. Sim, Eric também está sofrendo pela perda da sogra a qual ele amava, mas é em Katy que a perda da mãe realmente ressoa. Nem mesmo o pai de Katy, Chuck, parece entender o sofrimento da filha e isto é comprovado por uma passagem na qual a personagem deixa claro que por mais que seja apegada ao pai, era a mãe que realmente guiava seus sentimentos.

Decidida a honrar os anos que passaram planejando e não realizando esta viagem, até que, enfim, compraram as passagens para a viagem dos sonhos, Katy embarca para a Itália. Ela e a mãe começaram a planejar tudo antes do diagnóstico da mãe, e mesmo com o advento da doença, continuaram os planos em uma vã tentativa de imaginar um futuro que não chegou, no qual a mãe teria recuperado sua saúde. Tudo desmoronou com a morte de Carol, mas a emissão e envio das passagens de avião lembraram a filha enlutada tudo que estava já programado na Itália. E assim Katy deixa o marido incerto sobre o futuro do casamento de ambos, um pai enlutado e viaja.

Ainda sou incapaz de conceber um mundo sem minha mãe. Como seria isso? Quem sou eu na ausência dela? Não consigo aceitar que ela não vai me pegar para o almoço às terças, estacionar em local proibido diante da minha casa e entrar correndo com uma sacola cheia de coisas — mantimentos, produtos para a pele, uma blusa que comprou no outlet da Saks. Não consigo entender que, se ligar para o número dela, vai ficar tocando, que ninguém mais vai atender com um “Só um segundo, Kat. Minhas mãos estão molhadas”. Não consigo me imaginar aceitando a perda de seu corpo quentinho e acolhedor. O lugar onde sempre me senti em casa. Minha mãe é o grande amor da minha vida, entende? Ela é o grande amor da minha vida, e eu a perdi.

Chegando a Itália, Katy vê os lugares que tanto ouviu sua mãe falar, já como Carol sempre contava que tinha estado lá antes de conhecer Chuck e de ficar grávida da filha. Ao mesmo tempo que é bom realizar aquele sonho, Katy sente que não há como continuar aquela viagem – e é bem ai que vê sua mãe, jovem, com algo em torno dos 30 anos e saudável. Parecendo um tanto quanto perdida, Carol e Katy se conectam rapidamente, já como a filha sabe tudo sobre a mãe, mesmo que a mãe não saiba quem Katy é. A conexão delas parece ser tão real e fácil que o leitor entende como Katy criou tanta conexão com a mulher, que era, sem sombras de dúvidas, alguém que qualquer pessoa gostaria de ser amiga.

Mas Carol é uma pessoa com sua personalidade, erros e segredos, e é justamente o que esse verão vai ensinar a Katy: a mãe também pode ter feito escolhas erradas que nunca foram contados a filha, refletindo em certos conselhos que deu durante a vida. Isto significa que Carol não amava Katy? Isto significa que Carol não merece seu amor? Isto significa que o relacionamento delas era uma mentira? Claro que tudo isto será respondido na própria narrativa, mas acredito que você, leitor, já entendeu que a resposta para tudo isto é um sonoro “não”: todos nós erramos e aprendemos diariamente a sermos pessoas diferentes, melhores, com visões que não tínhamos antes. E este é um dos sentidos da vida (pelo menos para mim).

A Itália sempre foi especial para minha mãe. Ela visitou a Costa Amalfitana no verão antes de conhecer meu pai e adorava descrever Positano, uma cidadezinha à beira-mar, como “o paraíso”. Um lugar divino. Minha mãe adorava as roupas, a comida, a claridade. “E o sorvete lá é uma refeição por si só”, dizia.

Me demorei tanto falando sobre o relacionamento de Katy e Carol porque acredito que é o verdadeiro coração do livro e de toda trama que lemos aqui, mas há mais: Katy, mesmo casada (lembrem-se que o casamento dela basicamente em um “tempo”, enfrentando uma crise forte pelo luto que ela enfrenta), conhece Adam, alguém que tem seu propósito na pequena cidade. E, por algum motivo que não compreendi (o apresentado não me convenceu), Katy começa a se envolver com o homem, terminando em um romance que parece estar destinado a mudar o caminho dela e seus pensamentos. Confesso que esta foi, de longe, a pior parte do livro pra mim pela falta de profundidade do casal. Eu firmemente acredito que não preciso ler romance em todo livro que leio e me fez tirar meio ponto da minha nota final do livro e não o ter como um dos favoritos do ano, mesmo ainda estando em março.

Ainda quero ressaltar para quem vai se aventurar e dar uma chance ao livro que tenha em mente que o luto é algo muito, muito egoísta, então dê um desconto para algumas atitudes de Katy e não esperem coerência. Em determinador momentos o leitor tem vontade de sacolejar a personagem, mas não podemos (e nem devemos) julgar as decisões de alguém que está em um luto tão profundo assim.

Se falar comigo, posso ajudar”, Eric diz. “Mas você tem que se abrir.
Eu tenho”, repito.
Isso”, Eric diz.
Por quê?” Sei que soa petulante, mas me sinto como uma criança.
Porque sou seu marido”, ele diz. “Sou eu. É pra isso que estou aqui. Essa é a ideia. Posso ajudar.
De repente, sou tomada por uma raiva familiar e palavras que pulsam em negrito: Infelizmente, você não pode.

Por fim, deixo claro que a trama é, sem sombras de dúvidas, delicada ao tratar de algo tão triste. Refrescante na forma como conduz a trama de maneira bastante simples e satisfatória, a medida que a narrativa vai se encerrando, o leitor já tem todas as respostas que precisa, principalmente como algo assim poderia estar acontecendo, já como Katy está convivendo com a mãe.

E há sim, um questionamento sobre como isto é possível, mas entenda algo sobre a escrita de Rebecca Serle: algumas coisas que não entendemos acontecem e isto não significa que não aconteceu. Confesso que normalmente não compraria essa ideia vaga de que há mesmo mais coisas do que entendem a nossa vã filosofia, mas também sou contra explicações demasiadas porque a vida não para para lhe dar um manual de instruções explicando para qual caminho seguir quando um desastre acontece. Não tente racionalizar em determinados pontos de sua vida, e também não tente racionalizar aqui: “Um verão italiano” é uma leitura leitura delicada, rápida, melancólica e repleta de esperança, então afirmo para os que embarcarem que não haverá nenhum arrependimento de passar algumas horas aprendendo que o luto é sim, paralisador, egoísta e extremamente difícil, mas que aprendemos a viver com a falta de quem amamos e reaprendemos a amar. E a viver.

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