06.01


“Até os ossos”
Camille De Angelis
Tradução: Jana Bianchi
Arte de capa: Gabriel Azevedo
Suma – 2023 – 296 páginas

Maren Yearly é uma jovem que quer o mesmo que qualquer pessoa comum: ser admirada e respeitada. Ser amada. Mas suas necessidades – secretas e terríveis – forçaram-na a se isolar. Ela odeia esse aspecto da própria vida, o que isso fez com sua família e com sua identidade, e como isso dita seu lugar no mundo. Ela não escolheu ser assim.

Desde que a mãe de Maren, Janelle, encontrou a orelha da babá Penny Wilson na boca da filha de apenas dois anos de idade e uma pilha de ossos logo ao lado, ela soube que a vida nunca seria normal para nenhuma das duas. O amor pode acontecer de muitas formas diferentes, mas para Maren o desfecho é sempre o mesmo: ela precisa esconder as provas enquanto a mãe faz as malas.

Quando Janelle abandona a filha no dia seguinte ao seu aniversário de dezesseis anos, Maren vai à procura do pai que nunca conheceu e encontra muito mais do que esperava ao longo do caminho. Diante de um mundo repleto de pessoas como ela, de potenciais inimigos e da perspectiva do amor, Maren percebe que não está só procurando o pai, mas também a si mesma.

Até os ossos é um romance surpreendentemente original sobre amadurecimento e, ao mesmo tempo, uma excelente história de terror, além de uma reflexão hipnotizante sobre poder e sexualidade femininos.

Sim: “Até os ossos” é o material de origem no qual o filme homônimo que estava nos cinemas se inspira. Do diretor Luca Guadagnino (que também dirigiu “Me chame pelo seu nome”) e estrelado por Taylor Russell e Timothée Chalamet, parte da mesma premissa: a história da jovem Maren que é uma canibal – não há outra forma de se descrever o que ela é. Ainda não vi o filme, mas pretendo e vou explicar o motivo durante esta resenha do livro. Já sobre o livro, foi lançado originalmente em inglês em 2015 e chega agora ao Brasil pela Editora Suma, e é vencedor do Alex Awards de 2016.

O livro já foi lançado em sua versão digital e se encontra disponível para download imediato no link no final da resenha. Já a edição física do livro será somente publicada em 31 de Janeiro e terá uma tiragem exclusiva com a capa tie-in com o pôster do filme, o qual achei esteticamente muito bonito (os perfis dos personagens estão com as testas encostadas mutuamente, dando a impressão de um coração – veja clicando AQUI). Como vocês podem imaginar, li a versão digital do livro gentilmente cedida pela Editora, tudo com a qualidade Suma que vocês já conhecem e me fez tão fã da Editora. Agora vamos a história de Maren porque fiquei com mais dúvidas do que respostas na narração.

Mas lá estava eu, adormecida no chão ao lado do monte de ossos, as lágrimas ainda secando nas bochechas e a boca suja de sangue úmido. Eu já me odiava desde aquela época. Não lembro de nada, mas sei que sim.

Maren é uma jovem de 16 anos que no dia seguinte ao seu aniversário que marcou esta idade, descobre que sua mãe simplesmente foi embora e a deixou sozinha. A situação já é ruim suficiente para qualquer pessoa passando por um abandono assim, mas Maren ainda esconde um segredo assustador com a ajuda de sua mãe: ela come pessoas desde que era apenas um bebê. A primeira pessoa foi sua babá, com quem estava enquanto a mãe estava no trabalhando, e quando Janelle volta, somente encontra a neném suja de sangue e pouco da babá. Pulando alguns anos, nos quais Janelle até mesmo creditou aquele sinistro episódio a uma seita satânica que entrou em sua casa, matou a babá e banhou sua filhinha em sangue (não dá pra culpar a mulher aqui porque vamos ser sinceros: sempre temos a tendência a racionalizar o que não compreendemos), vemos Maren com 8 anos em um acampamento conhecendo Luke, um garotinho que decidiu fazer amizade com ela e termina também sendo comido.

A vida das duas é uma constante variavél, já como cada vez que Maren comete um das chamadas “coisa feia”, mãe e filha se mudam de cidade imediatamente, tentando fugir do fantasma das consequências, já como seria difícil a policia (ou qualquer autoridade) acreditar que uma bebê, depois criança e, por fim, uma adolescente, seja capaz de comer alguém a ponto de não sobrar quase nada. Parece ser brutal, mas muito verdadeiro o que Janelle deixou no bilhete para a filha: “Sou sua mãe e te amo, mas não consigo mais fazer isso.

Mamãe foi embora. Ela havia acordado enquanto ainda estava escuro, juntado algumas coisas e partido com o carro. Mamãe não me amava mais. E como eu a culparia, se ela nunca me culpou?

Sem nunca ter revelado a filha quem era o pai biológico, agora, depois de ir embora, Janelle deixa para ela a certidão de nascimento, que enfim encontra um nome que ela há muito queria saber: Francis Yearly. Para a jovem, parece ser natural para onde a mãe foi: para a casa dos pais, os quais sempre deixou bastante longe de Maren. O casal ainda mandava alguns presentes para a neta, que sabiamente guardou o endereço. Confusa e magoada, a adolescente começa a seguir para a casa dos avós – até chegar lá e não ter coragem de enfrentar a mãe. Decidida a tentar entender porque é como é, Maren parte em busca do quem pode ter alguma resposta: seu pai.

Em uma jornada para descobrir quem ela é realmente e entender seus pensamentos, Maren conhece outras pessoas iguais a ela – e chega de dar spoilers sobre o livro porque não é meu intuito estragar a experiência de ninguém, mas o universo no qual estamos inseridos aqui parece ser, de todas as formas, bastante rico, já como há diversos tipos de carniceiros – sim, há também esta diferença aqui, já como há uma certa “experiência” de se comer carne humana, mas de pessoas mortas, o que cai neste último conceito. A procura de Maren por seu pai se torna um dos pontos altos do livro porque é quando vemos um vislumbre deste universo que fica perdido na escrita da autora.

Com o tempo, acabei percebendo uma coisa. Sempre que uma pessoa diz a si mesma que Dessa vez vai ser diferente, é o mesmo que prometer que vai fazer igualzinho ao que sempre fez.

O livro não entra, em momento algum, em descrições sobre as cenas de canibalismo, se atendo ao antes e os sentidos de Maren se aguçando a medida que vai tomando ciência de sua “presa”, principalmente dos cheiros exalados. Não há nada gráfico realmente, mas há muita dúvida da garota sobre o motivo pelo qual ela é assim e, principalmente, porque ela continua comendo pessoas que são minimamente decentes e gentis com ela. Sim, Maren não sai na rua e escolhe comer uma pessoa que passa pela rua: ela sente o impulso incontrolável de comer quem termina tendo atitudes boas com ela. E é ai o ponto que, pra mim, é mais interessante na narrativa.

Infelizmente, como já falei acima, o livro não se prende a desbravar muito sobre os tipos de “comedores” (como eles próprios se chamam) e deixa de lado o que poderia ser uma grande metáfora para como não aceitamos ser bem tratados e terminamos “devorando” quem tenta ser bom com o outro, seja da forma que seja, o que fica bastante claro no relacionamento crescente entre Maren e Lee, garoto de 19 anos que encontra a protagonista em sua viagem e compaça a acompanhá-la. Fiquei tão investida nessa parte que a medida que o fim da trama foi se aproximando e eu fui entendendo o que iria acontecer, a frustração tomou conta de mim e ainda está aqui.

Ele pegou os livros e os guardou de novo na mochila.
Eu nunca fui muito de ler.
Sua mãe não lia pra você dormir quando você era pequenininho? — indaguei, e ele negou com a cabeça. — Nunca leu pra você?
Eu já te falei, ela não era esse tipo de mãe.
Por isso você nunca se apaixonou pela leitura.
Acho que só não vejo muito sentido em ler. Tudo aquilo que falavam pra gente na escola, tipo como a gente precisa ler esses livros todos e fazer isso ou aquilo pra se aperfeiçoar… Como se aprender palavras difíceis transformasse alguém em uma pessoa melhor.
Não tem nada a ver com isso.
Não adianta, sabe? Não tem como eu ser uma pessoa melhor.
Mas não é pra isso que eu leio. Quando mergulho num livro, é porque quero ser outra pessoa. Por duzentas, trezentas páginas, posso ter os problemas de uma pessoa normal, mesmo que essa pessoa esteja viajando no tempo ou lutando com alienígenas. — Corri os dedos pela lombada de O mestre e Margarida. — Eu preciso dos livros. É tudo o que tenho.

Não posso dizer que “Até os ossos” é um livro ruim ou que falta uma escrita envolvente: Camille De Angelis tem uma escrita rápida e a voz de Maren é muito fácil de se acompanhar e se apegar, mas, assim como pessoas, alguns livros não são para nós e talvez isso tenha acontecido comigo aqui. Não deixo de indicar o livro, mas a falta de profundidade na mitologia me frustrou bastante e por isso quero ver o filme – sabemos que o livro é sempre melhor do que o filme, mas estou mais do que disposta a ver se o filme abriu mais o leque e apresentou mais respostas sobre o que eu tanto queria saber. Indicado para quem deseja um livro com pontos sobrenaturais que não trata o leitor como criança e é capaz de apresentar personagens complexos em um mundo que parece não caber em um único livro.

Para comprar “Até os ossos”, basta clicar no nome da livraria:

Amazon, o eBook para download imediato.
Amazon, com sobrecapa do filme.
Submarino, com sobrecapa do filme.

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