30.12


“Bom dia, Verônica”
Raphael Montes e Ilana Casoy
Arte de capa: Elisa Von Randow
Companhia das Letras – 2022 – 320 páginas

Um marco da literatura policial brasileira, com mais de cem mil exemplares vendidos e uma adaptação pela Netflix, agora em nova edição. Bom dia, Verônica nos leva às profundezas da loucura e do vício humanos, em um thriller carregado de tensão, com viradas inesperadas e personagens cativantes.

Verônica Torres trabalha no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, da Polícia Civil em São Paulo. É secretária de Carvana, um delegado pouco confiável, e filha de um respeitado policial, que teve um fim trágico e não totalmente esclarecido.

Verônica está afastada de qualquer tipo de investigação, mas, ao presenciar o suicídio de uma mulher em seu trabalho, a fragilidade da vítima e as estranhas circunstâncias que a levaram à delegacia a colocam na trilha de um abusador com requintes de crueldade. Quando recebe uma ligação anônima de uma mulher desesperada, ela seguirá as pistas de uma série de crimes ainda mais sombrios.

Janete é uma dona de casa devotada, que obedece Brandão, seu marido, pelo absoluto terror que nutre por ele. Policial militar, ele está acima do bem e do mal e pratica crimes sexuais de extrema violência e sadismo, em que ela é obrigada a participar ― primeiro, aliciando mulheres; depois, acompanhando o desenrolar de suas mortes.

As vidas de Verônica e Janete se entrecruzam e as levam aos limites da violência e da loucura. Ao narrar suas histórias, Ilana Casoy e Raphael Montes criam um thriller sem paralelos na literatura policial brasileira, com uma trama complexa ― e uma investigadora inesquecível.

Vou começar com um alerta e aviso de gatilho: “Bom dia, Verônica” não é um livro para todas as pessoas. Há violência, cenas gráficas de violência, relacionamento abusivo, estupro e necrofilia (não há cenas descritivas desses crimes, mas, ainda assim, está na trama) e a melhor protagonista dúbia que você pode pensar em ler. Sim. Você pode imaginar tudo isso ao saber que o livro é uma obra conjunta do Raphael Montes e da Ilana Casoy, e, como também fica claro pelo curriculum dos autores, é uma obra muito, muito acima da média, muito bem escrita, com uma trama capaz de te fazer ficar sem fôlego com as reviravoltas e também te fazer ficar acordade lendo por toda noite para terminar logo e entender tudo que aconteceu e você leu sobre.

O que eu digo sobre? Eu digo que se você consegue ler uma trama forte assim, você vai encontrar um livro que realmente é muito, muito bom. Mas, como comecei falando, sei que este livro não é para todas pessoas. Se você é, continua comigo nessa resenha – e ah, se você caiu aqui porque viu o seriado homônimo da Netflix, sim, ele se baseia no livro, mas, na minha humilde opinião, o livro consegue ser ainda melhor do que o seriado.

Era o primeiro dia do fim da minha vida. Claro que eu não sabia disso quando abri os olhos pela manhã e vi que estava atrasada. Na semana anterior, meu chefe tinha me dado um esporro pelos minutinhos que eu dormia a mais, achava um absurdo chegar depois dele. Como eu não estava a fim de ouvir a lenga-lenga do velho de novo, vesti depressa uma roupa preta qualquer, minhas pulseiras no antebraço esquerdo (até hoje, não ando sem elas) e bati a porta, sem tomar café nem nada, levando a tiracolo minha bolsa pesadíssima.

Verônica Torres é uma das melhores protagonistas dúbias que já tive o prazer de ler na minha vida bookstan. Mal humorada, instável, cínica, incrédula e com um senso de justiça que parece até deslocado no meio de tanta confusão que há dentro dela, Verônica é uma mulher de 38 anos casada e com 2 filhos que está alocada como secretária do Delegado titular Wilson Carvana na Policia Civil do Estado de São Paulo. Assim que somos apresentadas a personagem, a vida dela muda radicalmente quando uma mulher sai da sala do seu chefe e, sob ordens dele, Verônica vai entregar um copo de água para a outra – que simplesmente se joga pela janela da Delegacia, que fica no 11º andar do prédio.

A mulher se chamava Marta Campos e Verônica se sente imediatamente ligada ao mistério que a levou a se jogar por aquela janela, já como a pobre mulher falou somente uma frase antes de se jogar: “Agora ele vai ser capaz de me amar”. Além do fato de ter se matado, Marta deixou uma impressão gigantesca em Verônica porque tinha uma ferida horrenda na boca, algo que claramente havia sido contraído de um homem que alegou para o Delegado ter lhe enganado da pior forma possível. Mesmo contra a vontade de seu chefe, justamente por uma antiga tentativa de suicídio causada por uma tragédia familiar, Verônica decide começar a investigar o caso escondida, saindo do prédio e dando algumas palavras para os repórteres que estavam na porta do prédio da Policia Civil – e por causa dessa entrevista para a TV, uma mulher chamada Janete toma ciência de quem Verônica é.

Forcei um sorriso, concordando com ele. Mais do que um soco, o velho merecia uma surra. Machista de merda. Eu sabia quanto era difícil para qualquer mulher vir até uma delegacia prestar queixa, ter que vencer a vergonha e explicar como foi feita de trouxa por um galã que lhe fez juras de amor pela internet. Só pensava em como Marta tinha se sentido ao ser recebida por Carvana, aquele tom depreciativo na voz, aquele desprezo pela dor que ela sentia. Eu entendia por que a pobre coitada tinha pulado da janela.

Janete é uma dona de casa casada com Brandão, um capitão do 8º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo. Logo de cara entendemos que Janete está em um relacionamento violento e tóxico, mas não temos dimensão do quão violento o marido dela é. Mulher do interior, acreditou ter encontrado o amor de sua vida na figura do homem e, largando toda família, seguiu com ele para a capital São Paulo, onde se deixou ser afastada de todos familiares e amigos e fez do marido o centro de seu mundo. Com a passagem de tempo, Janete descobriu que o marido era sádico e do pior tipo: ia com ele até o Rodoviária Tietê onde mulheres vindas de diversas partes do país chegavam sozinhas procurando por um emprego para ajudar a manter sua família em suas cidades de origem. Mentia a mando do marido que tinha um emprego para oferecer aquelas mulheres e então ele as sequestravam, levando-as para um sitio afastado onde Janete era mantida com uma caixa na cabeça enquanto Brandão as torturava – e depois as mulheres sumiam.

Tentando desesperadamente fugir dessa vida, Janete liga para o telefone de Verônica na delegacia, mas, sem coragem de falar, desliga. Quando faz a segunda vez, Verônica pede para Nelson, o técnico em informática da delegacia, descobrir o telefone que estava ligando – e é assim que somos jogados na segunda trama do livro, tudo se completando e se enrolando de uma forma que a medida que a nossa protagonista vai investigando e descobrindo mais sobre Marta também se envolve mais no caso de Janete, até que tudo explode em violência, mentiras e cenas que são capazes de fazer qualquer leitor precisa de um momento para respirar.

Deitei a cabeça no volante, chorando como não chorava havia anos. Lembrei-me de Marta encolhida, indefesa, ao lado da máquina pifada; de sua boca horrorosa, tomada pela infecção; de seus olhos assustados, e da sensação que eu mesma já tive de ser desacreditada, ignorada. Ser invisível era uma realidade para muita gente. Marta sabia disso. A ferida, o golpe, o exame, a lenda. E lembrei-me da frase… da frase que ela disse antes de se jogar pela janela. Tudo fazia sentido.
Agora ele vai ser capaz de me amar…

Quem lê Raphael Montes já está acostumado com os temas que ele traz em seus livros, então não espere algo mais forte se você já conhece o trabalho do autor. A experiência de Ilana em casos de crimes reais trouxe ao livro uma sensação de que estávamos lendo uma pesquisa muito bem feita em todas cenas que se fazem necessárias detalhes mais técnicas. A parceria desses dois é, definitivamente, algo que qualquer leitor que goste de livros de thrillers e investigações precisar ler. E ah, vem por uma continuação do livro: “Bom tarde, Veronica” já está sendo trabalhado sim – apesar de não saber quando será publicado. Para os que não sabem, esta é a nova Edição do livro, anteriormente publicado por outra Editora e agora chegando na casa do Raphael Montes, a Companhia das Letras, em uma edição linda e muito bem diagramada.

Existem coisas na vida que transformam a gente. Naquela madrugada, dentro do carro, fumando um maço inteiro de cigarros já velhos que encontrei esquecido no porta-luvas, enquanto escutava tortura, gritos, tiros e perseguição pelas caixas de som do meu rádio, me transformei em uma nova mulher. A antiga Verônica, destemida, cheia de si, foi-se embora com a fumaça que escapava pela fresta da janela, rumo ao céu sem estrelas.

No livro, além de acompanhamos Verônica, também temos capítulos que seguem Janete , que é basicamente uma segunda protagonista, deixando o leitor entender as mudanças pelas quais a personagem passa durante o livro até sua conclusão. Mas muito da trama forte e ousada do livro se deve a voz de Verônica – os capítulos dela são por seu ponto de vista, então tomamos ciência dos acontecimentos junto com a protagonista, que também mostra em flashbacks diversos momentos de sua vida e seus pensamentos caóticos, errados e firmes.

Confesso que o final tem um sabor especial para mim, muito provavelmente pela forma como Verônica eleva o jogo. E não, não é igual ao seriado: a trama do seriado difere em diversos pontos do livro, entre eles a personalidade da protagonista, que na série de TV é mais heroína do que a grande cretina que ela é em determinados momentos no livro (e eu amo, deixo claro pra vocês). Mesmo que você tenha visto a série da Netflix e adorado, aconselho a ler o livro para se apaixonar por uma trama parecida, mas, ainda assim, diferente e capaz de te fazer julgar uma protagonista deliciosamente mordaz e falha. Mal posso esperar para ter mais Verônica na minha vida.

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