“Mulherzinhas”
Louisa May Alcott
Penguin Companhia – 2020 – 592 páginas
Tradução: Julia Romeu
Arte da capa: Cyla Costa
Mulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes de todos os tempos. Ultrapassando a barreira das idades, esse romance é lido com a mesma paixão por adultos e jovens. A história das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete sobre a tensão entre obrigação social e liberdade pessoal e artística para as mulheres.
Cada leitor terá sua irmã favorita: a independente Jo, a delicada Beth, a bela Meg ou a artista Amy. Essas quatro mulheres e sua mãe, Marmee, enfrentam com diligência e honra as privações da Guerra Civil americana, e se tornaram um sucesso instantâneo já em 1868.
Essa resenha não é imparcial – claro que não é, nenhuma resenha é, fica dica para todos que esperam imparcialidade em resenhas –, então se você espera uma resenha que seja capaz de te apontar de erros em uma obra, eu sinto muito porque você não encontrará isso aqui. Eu amo esse livro. Eu amo de coração. Sempre amei. E relê-lo agora me fez me lembrar exatamente o motivo do meu amor por ele: é uma história sobre mulheres em uma época na qual não tínhamos voz, escrita por uma mulher, com pensamentos femininos, voltado ao público feminino e um olhar feminino em uma época na qual nossa vida deveria se voltar para filhos, casa e marido. Ainda bem que tudo evoluiu e estamos aqui hoje em dia, com mulheres com poder em nossas mãos, advogadas, médicas, jornalistas, escritoras e donas de grandes vozes, e tudo isso começou porque nós começamos a exigir nossos lugares com ajuda de mulheres como Jane Austen, as irmãs Bronte e Louisa May Alcott, que começaram a escrever livros mostrando como o universo feminino era muito, muito maior do que a sociedade patriarcal pensava.
“Mulherzinhas” foi escrito no meio da Guerra da Secessão norte-americana, a guerra civil que quase destruiu o país e que mostra o quão intenso o lado progressista precisou ir para conseguir avanços a favor dos pretos no país (indico fortemente vocês a lerem sobre), com homens fora de casa, deixando suas famílias para trás. É nesse contexto que somos apresentadas a família March, composta pela Mãe (chamada carinhosamente de Marmee) e suas filhas Meg (que como mais velha, é mais responsável), Jo (a filha que é o fio condutor da narrativa, impulsiva e que tem grande habilidade com as palavras), Beth (a filha delicada e musicista, sendo uma eximia pianista) e Amy (a caçula que tem a veia artística da família). Cada uma das irmãs é completamente diferente em personalidade e, justamente por isso, se completam tanto.
“Dê a elas todo o meu amor e um beijo. Diga que penso nelas de dia, rezo por elas à noite e que, em qualquer momento, meu maior conforto é seu carinho. Um ano é um tempo bem longo sem ver minhas meninas, mas lembre-as de que, enquanto esperamos, todos podemos trabalhar, para que esses dias difíceis não sejam em vão. Sei que elas vão se lembrar de tudo o que eu lhes disse, que serão filhas amorosas para você, que lutarão bravamente contra seus inimigos do peito e serão tão lindamente disciplinadas que, quando eu voltar, sentirei ainda mais amor e orgulho pelas minhas mulherzinhas.”
Acredito que é justamente pelo título do livro que preciso começar falando sobre: este livro é sobre as irmãs, sobre as “pequenas mulheres” que elas ainda são e que vamos acompanhar o desenvolvimento até se tornarem adultas. Não há qualquer tom pejorativo justamente porque no original inglês é “Little Women” (“Pequenas Mulheres”) e é assim que o pai delas as chamam quando escreve do campo de guerra (quote acima), e é isto que elas são no começo da trama: dos 17 aos 12 anos, vemos as irmãs e sua interação naqueles tempos difíceis sem o patriarca da família com elas, trabalhando e estudando, seu relacionamento entre elas e a confiança que cada uma partilha mesmo dentro daquele relacionamento de irmãs – porque quem tem irmãs sabe que é impossível você gostar de sua irmã o tempo todo, mas sempre a amando (tá, essa é uma piada interna com a minha própria irmã: não é tudo que ela ou eu fazemos que a outra aprova, mas, mesmo não gostando de determinados comportamentos, nós nos amamos acima de tudo, o tempo todo, mesmo quando não gostamos da outra).
As irmãs já conhecem épocas melhores em termos financeiros e agora realmente se encontram precisando de trabalhos para conseguirem se manter. Meg e Jo, as mais velhas, ajudam como podem, e Jo, como já falei acima, é a personagem que está no centro da história, sendo através dela que Laurence, ou melhor, Laurie, é introduzido a família. O avô do rapaz é vizinho das garotas e ele vai morar com seu avô. A amizade que nasce entre Jo e Laurie é sólida e intensa, crescendo a cada dia. Eles gostam das mesmas coisas, tem o mesmo gênio um tanto quanto impetuoso, repletos de vida, questionadores e inquietos, e, o mais atraente para a sociedade naquela época: Laurie é um herdeiro e, obviamente, terá de se casar eventualmente. M, para Jo, Laurie é simplesmente Teddy, seu melhor amigo que assim o seria mesmo sem nenhum centavo no bolso. É um relacionamento puro que começa a ganhar contornos de romance, o que pode fazer os leitores entenderem que aquela será uma história simples de garota-conhece-garoto-rico-e-se-apaixonam, mas se lembre que estamos em uma obra sobre as irmãs e elas são o cerne de tudo, não o romance.
As lágrimas escorreram pelo rosto da pobre Jo, e ela estendeu a mão de maneira desamparada, como se tateasse no escuro; e Laurie pegou-a na sua, sussurrando como pôde, com um nó na garganta:
“Eu estou aqui; segure-se em mim, Jo querida!”
Apesar de enfrentarem essas dificuldades, a família March não deixa de ajudar os mais necessitados, entre eles o Hummels. E é ajudando a família que Beth contrai escarlatina, doença que na época era capaz de matar, a debilitando severamente. A primeira parte do livro termina com este drama que se abate sobre a família – sim, o livro é dividido em duas partes, com a autora deixando claro que só haveria uma segunda parte caso a primeira fosse bem recebida por partes dos leitores porque era assim que o mercado editorial funcionava, ainda mais com obras escritas por mulheres. E, para nossa felicidade e deleite, o ano podia ser 1868, mas livro bom é lido em qualquer época e feito para ser lido, “Mulherzinhas” foi bem recebido e ganhou assim sua segunda parte.
Já nesta nova parte, publicada em 1869, vemos mais das irmãs, agora já próximas da idade correta para se casarem e algumas já com pares românticos certos, mas há aqui uma jogada do destino com o bom e velho desencontro: acreditando que Beth está apaixonada por Laurie, Jo nega o pedido de casamento do rapaz – mas não só por isso. Jo tinha consciência de sua vivacidade e do melhor amigo, e que com o passar dos anos o temperamento dos ambos os colocariam colisão. E é assim que Laurie se afasta da família, enquanto Jo parte para New York, indo se tornar professora de uma família amiga de sua mãe, aproveitando para escrever contos para o jornal Weekly Volcano, que tem como editor o Sr. Dashwood (menções a Jane Austen fazem meu coração bater mais forte!) e conhece Friedrich Bhaer, um homem mais velho e também professor. Já Amy segue com a tia March para Paris, que preteriu Jo a mais nova por acreditar que o gênio dela era mais fácil de domar. Enquanto isso, a vida continua na pequena cidade de Concord, no estado de Massachusetts, para o restante da família que continua lá, sem nunca perderem contato com as suas irmãs e filhas que estão fora da cidade, até que um momento trágico chama de volta toda família a casa que cresceram.
Os três anos que se passaram trouxeram poucas mudanças para essa família tranquila. A guerra acabou e o sr. March está a salvo em casa, ocupado com seus livros e com a pequena paróquia, que encontra nele um clérigo tanto por natureza quanto pela graça de Deus. Um homem pacífico e estudioso, repleto daquela sabedoria que é melhor que a erudição, da caridade que chama todos os homens de irmãos e da piedade que desabrocha no caráter, tornando-o belo e venerável.
Há ainda algo no livro que preciso destacar: a forma como cada capítulo parece ser uma pequena obra em si. Problemas domésticos, desencontros, brigas entre as irmãs, tudo isso exatamente como é a vida, acontece e tem desfecho em capítulos, entrelaçados pela vida das pequenas mulheres que estão crescendo, descobrindo mais sobre si mesmas e como viver em um mundo que parece não querer lhe dar um lugar e que deixa um professor bater em uma aluna sem consequências. Algumas pessoas podem acreditar que o livro é lento e entediante, mas é uma crônica sobre relacionamentos entre irmãs, o poder de amar sua família e a forma como você pode escolher estar lá e colocar sua família antes de você. Vinda de uma casa só de mulheres como sou, eu sou apaixonada por esta obra, já falei e repito isso, e me sinto feliz de saber que existiram mulheres que lutaram para que esta literatura atravessasse os seculos e chegassem até a nossa geração.
O livro entrou novamente em “moda” por causa da sua mais nova adaptação que aqui no Brasil ganhou o título de “Adoráveis Mulheres”, dirigido por Greta Gerwig e com um elenco estrelar: Saoirse Ronan (Jo), Emma Watson (Meg), Florence Pugh (Amy), Eliza Scanlen (Beth), Laura Dern (Marmee), Timothée Chalamet (Laurie), Meryl Streep (Tia March), Louis Garrel (Friedrich Bhaer) e mais estrelas. O filme foi muito bem com a critica especilizada e digo que adapta o livro para as novas gerações: muito ágil e em com idas e vindas no tempo (ao contrário do livro, que corre em ordem cronológica), deixa de lado diversas passagens mas traz em pequenas cenas bastante simbologia que mostra que o livro está presente como material fonte, como a cena que Amy fica mexendo em seu nariz, claramente em descontentamento, como é no livro. Entretanto, justamente para ser mais cinematográfico, o romance entre Jo e Laurie é bastante potencializado, o que me faz entender a frustração de muitas pessoas que não leram a obra e com o desfecho que o livro toma. Seja como for, é uma boa adaptação.
No entanto, apesar de ser tão jovem, Jo já descobrira que os corações, assim como as flores, não podem ser rudemente manuseados.
Tudo isso e o contexto do livro é explicado em sua plenitude pelo prefácio escrito por Patti Smith (sim, a cantora!), explicando mais ainda sobre a segunda parte que, por alguns anos, teve outros nomes que a autora definitivamente não aprovaria (chamada erroneamente por editores de “Boas Esposas”, então só posso agradecer terem unificado a obra em um único tomo e terem tirado essa perspectiva de colocar as personagens somente como esposas porque elas são bem mais do que isso). Essa edição que tive o privilegio de ler agora, cedido em eBook pela Companhia das letras, ainda conta com outro prefácio escrito por Elaine Showalter (escritora e crítica literária) me trouxe mais ainda informações e contexto de algo que eu amo, então foi tão enriquecedor que eu só posso recomendar fortemente para todas vocês que também amam essa obra ou querem conhecê-la de forma mais profunda.
“Mulherzinhas” é mencionado em tantos outros livros ao longo destes anos que fica impossível listar todos e até os dias atuais, como em obras badaladas como “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” (Celia ganhando o Oscar por interpretar uma das irmãs, quem se lembra?), mostrando a força e a imortalidade desta obra, deixando claro o poder das irmãs March em retratar a dinâmica família na época da trama. Se você está ainda procurando uma leitura de verão que seja capaz de aquecer seu coração e encontrar aquele girl power dentro de você, se conectar com seus sentimentos familiares e entender que existem muitos tipos de amores, este livro é para você, que um dia já foi uma mulherzinha – e agora é um mulherão danado.
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