21.01


“Uma Educação Mortal”
Naomi Novik
Tradução: Bernardo Kallina
‎ Alta Novel – 2021 – 336 páginas

Orion lake precisa morrer. Eu sabia disso desde que ele salvou minha vida pela segunda vez. Antes, não me importava tanto assim com ele, mas tenho meus limites. Tudo estaria bem se ele tivesse me salvado um número considerável de vezes, sei lá, dez ou treze. Treze é um número que chama a atenção. Orion Lake, meu segurança particular. Eu poderia viver com isso. Mas o fato é que já se passaram quase três anos que estamos aqui na Scholomance, e até agora ele não tinha apresentado qualquer inclinação para me tratar de um jeito diferente ou especial. Você deve me achar egoísta por contemplar com essas intenções assassinas o herói responsável pela recorrente sobrevivência de um quarto da nossa turma. Bem, só lamento pelo bando de perdedores que não conseguem se virar sem a ajuda dele. Seja como for, não fomos todos feitos para sobreviver mesmo. A escola precisava se alimentar de alguma forma.

Reler esse livro foi delicioso para mim, realmente delicioso, e eu não poderia ter começado melhor minhas leituras anuais para compartilhar com vocês. Voltei a reencontrar Galadriel “El” Higgins, a filha de Gwen Higgins, feiticeira que já estudou na Scholomance também, lugar aonde o pai de El morreu na cerimônia de formatura. Mas espera, eu preciso explicar isso melhor, então vamos do começo: A Scholomance é uma escola com 4 anos, que além de ser literalmente interativa (já como seus andares se movem para baixo a medida que seus alunos vão passando pelas séries) é também uma especie de “fortaleza” feita para proteger os adolescentes. Sim, isso mesmo: muitos alunos vão para a Scholomance tentando se proteger e passarem vivos pela época da adolescência.

Isso porque no universo construído do livro, há os Males (apelido para Maleficentes) que são criaturas que sugam o Mana de jovens feiticeiros (calma que já explico mais sobre o Mana), e é justamente por isso que a Scholomance existe e é construída assim no vazio: para proteger esses adolescentes, separando-os do mundo em um lugar no qual seja difícil serem mortos por estas criaturas. E, terminando todo ensino, há a cerimonia de conclusão de curso que é justamente sair do lugar, quando você enfrente as criaturas que se infiltram no lugar. Por isso morrer na Scholomance é algo bastante esperado, assim como o pai de El morreu. Terminando de explicar os pontos iniciais principais, Mana é basicamente a energia que os feiticeiros carregam dentro de si e que começa a aumentar por volta dos 9, 10 anos, chegando ao seu máximo aos 18 anos de idade – reforçando novamente o motivo pelo qual a Scholomance existe. Os feiticeiros se unem em Enclaves, que são normalmente por cidades, justamente para se protegerem e viverem no meio mundano que não sabem de sua existência, e para conseguir uma boa chance de entrar em um Enclave, é bom você ter boas notas e relacionamentos na Scholomance, caso seus pais já não façam parte de um. Para linhas gerais, é isso que você precisa entender sobre a magia deste universo.

Esse tipo de coisa sempre acontece comigo. Alguns feiticeiros possuem afinidades com magias climáticas, outros com feitiços transfiguratórios, e outros ainda com magias de combate, como é o caso do nosso querido Orion. Eu, por outro lado, tenho uma incrível afinidade com destruição em massa — cortesia de mamãe, é claro, assim como esse meu nome estúpido. Ela é uma daquelas mulheres que amam flores, pérolas e cristais e que dançam para a Deusa em noite de lua cheia. As pessoas são todas adoráveis, e qualquer um que faça algo errado é infeliz ou mal compreendido.

Eu adoro a construção do mundo mágico de Scholomance. É inovador, bem fundamentado e assustador em certos pontos, justamente porque você entende que é uma sociedade que vive em grupos sem se revelar e que precisa mandar seus filhos, netos, sobrinhos e parentes para uma dessas escolas superprotegidas para que eles não serem mortos por essas criaturas. A própria Scholomance também funciona de uma forma bastante independente, sem professores formais, com cada aluno formando sua grade, aprendendo seus feitiços e direcionando sua própria educação de acordo com suas habilidades com bibliotecas voltadas para esses dons, com alunos aprendendo diversas línguas (até mesmo as que caíram em desuso), já como alguns feitiços são feitos nessas línguas específicas.

Você é apresentado a todo esse sistema de magia logo de cara porque temos El como personagem condutora da história, pelo seu ponto de vista, e que já estuda no lugar há 2 anos. El se tornou aluna da Scholomance aos 14 anos, e agora, aos 16, ela já aceitou diversas coisas sobre si mesma, coisas que chegam a ser cruéis para uma adolescente: ela já entendeu que não é uma pessoa simpática ou que os outros desejam por perto. Parece absurdo que ela mesma saiba disso e não tente mudar, mas esse é o grande apelo de El: ela sabe quem ela é e não deseja mudar para se enquadrar no padrão de ninguém. Anda com quem a aceita por perto e por mais que se sinta só (o que é óbvio), aceita ser quem é, sendo sarcástica, inteligente e muito autossuficiente. O que nos leva ao início da sinopse deste livro: é justamente por tanto querer se virar sozinha que ela decide que Orion Lake, o bom rapaz popular do colégio, deve morrer, já como ele insiste em salvar sua vida contra o que ela mesma acredita, que é com ela mesma se salvando e se virando. E é assim que o livro começa, com El chegando a conclusão de que Orion precisa morrer, com o leitor sendo jogado e apresentado a todo esse universo pelos olhos da adolescente que é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores protagonistas de um YA de fantasia que você vai ver (e eu dou o crédito ao sucesso que essa série está fazendo a ela, sinceramente) e que além de ser tão irônica como é, ela ainda tem uma maldição recaída sobre ela. Sim, isto mesmo. É demais para a coitada da El – ou não.

Todos, ou melhor, quase todos, utilizam um pouco de malia aqui e ali em coisas que eles nem sequer consideram erradas. Transformar uma fatia de pão em bolo, sem antes reunir a quantidade necessária de mana, é o tipo de trapaça considerada inofensiva. Mas a verdade é que essa energia precisa vir de algum lugar e, se você não a reuniu antes, então é muito provável que ela tenha sido retirada de um ser vivo, pois é mais fácil extrair energia de alguma coisa viva andando por aí. Ou seja, o preço pelo seu bolo foi algum formigueiro nas redondezas cujos ocupantes endureceram, morreram e se desintegraram.

El sente que sua magia não é regular e sim bastante caótica e sombria, sempre prestes a perder o controle e se tornar algo que não deve (calma que não vou falar o que porque. Também não vou contar o enredo todo o livro e nem quero estragar a experiência de vocês, mas digamos que alguns alunos passam dos limites dentro da Scholomance para terem energia suficiente para seus feitiços). Em passagem mostrando seu passado, logo depois do seu pai, um proeminente filho de uma tradicional e rica família hindu, entendemos mais sobre quem El é. Gwen, sua mãe, foi até a família do pai depois da morte de Arjun, pai de El, para tentar viver com eles, mas então a avó do seu pai, bisavó de El, a olhou e fez essa previsão sobre ela. Ainda muito pequena, El foi levada por sua mãe de volta para o país de Galês depois que seu avô e outros homens da família tentaram tirar a menina dela. Acho que já conseguimos entender que isso também afeta a personalidade de El, certo?

Claro que também vou aproveitar o momento e falar sobre Orion Lake, o filho dourado de uma poderosa feiticeira de New York, que anda com os alunos norte-americanos e que provavelmente é tido como certo fazer parte deste Enclave. Mas há mais em Orion: ele não salva os outros alunos, incluindo a própria El, somente por seu ego, e sim porque acredita que alguém precisa fazer. Ele é bom por ser bom, acreditando nas pessoas e desejando fazer o bem. Claro que sua personalidade é o oposto de El, e é claro que a dinâmica entre os personagens é também um dos pontos altos do livro, fazendo o leitor querer mais daquele relacionamento porque enquanto muitos tratam Orion como um super-herói ou um superstar, El o trata como uma pessoa comum, com seu característico mal humor, o que eleva todos diálogos dos dois e suas pequenas disputas.

A escola é estruturada como uma porca ao redor de um parafuso. As salas de aula ficam todas localizadas no centro. Os dormitórios dos alunos estão, de início, no nível do refeitório e a cada ano giram um andar para baixo, descendo até chegar ao nível da graduação. No próximo ano será nossa vez no andar de baixo. Ainda que isso não me deixe exatamente animada, não pretendo reprovar em absolutamente nada e me sobrecarregar com trabalhos de recuperação.

Como já deixei muito claro, toda construção de mundo é absurdamente bem-feita pela autora mas também quero salientar dois pontos e o primeiro é a representatividade que há no livro. Temos uma protagonista não branca com diversos personagens importantes para a trama que também não são brancos, e nós entendemos, sabemos e apreciamos protagonistas de diversas cores, culturas e lugares do mundo. E o segundo ponto é a forma como os Males são descritos que é um tanto quanto assustadora. Sim, é um livro sobre uma escola de magia YA, mas não pense que aqui serão amenizados esses seres que literalmente se alimentam dos personagens: pode esperar algo bastante cinematográfico nas descrições, tanto da escola que se move quanto dos seres contra quais os personagens lutarão.

A forma como toda trama que os personagens vão enfrentando no livro vai se juntando é bastante concisa e faz toda lógica para entender quem esses personagens são e o que eles querem, principalmente para El. Em determinados momentos você realmente teme pelos personagens, tanto pela El, quanto por sua amiga (“amiga” por ser um termo forte demais, eu sei) Aadhya, quanto por Orion também. E a forma como o livro termina deixa claro que teríamos mais sim e que bem, algo bastante inesperado termina acontecendo e que te faz querer saber o que acontece com aqueles personagens, ainda mais depois de tudo que passaram só neste primeiro livro. É uma aventura sólida, bem construída e que é capaz de prender você, leitor, a cada página, em um mundo de magia que mesmo bastante perigoso, te faz querer existir lá. Não há coisa melhor do que isso.

Papai morreu aqui, durante a graduação, tirando mamãe de lá. Usamos o termo graduação porque é assim que os norte-americanos falam e eles têm arcado com a maior parte das despesas da escola nos últimos setenta anos. É aquela velha história: quem paga o flautista dá o tom. No caso da nossa graduação, contudo, não se trata de uma comemoração, nem nada do tipo. É apenas o momento em que todos os alunos do último ano são deixados no salão da graduação, lá embaixo, no fundo da escola, e devem abrir caminho em meio a um bando de maleficentes famintos que ficam à espreita por ali. É um momento marcante de transição. Cerca de metade das turmas veteranas — isto é, metade daqueles que conseguiram sobreviver ao longo dos anos e chegar até ali — consegue sair. Papai, não.

E, ajudando, temos a edição nacional da Alta Novel que é caprichadíssima! Foi meu primeiro contato com as edições da Editora e recebi além do livro, que tem a capa dura (sonho de todo bookstan!), um mapa da escola, cards falando sobre lugares do colégio, um colar e ainda marcador. A diagramação do livro está perfeita, não encontrei erro nenhum de digitação ou qualquer coisa para reclamar – até mesmo o preço para uma edição capa dura, está acessível. Então sério, se você deseja conhecer mais da Schlomance, você pode ter a certeza de que essa edição vale demais a pena.

O livro é o 1º de uma trilogia chamada justamente “The Scholomance Series” e que tem ainda os livros “The Last Graduate” (publicado em 2021 em inglês) e “The Golden Enclaves” (que será publicado em inglês setembro deste ano). A série só cresce lá fora e o último livro é esperado com ansiedade por todos fãs, então te afirmo que você pode cair de cabeça nessa série e vir aprender mais sobre a Scholomance. Você tem as opções de escolher seja estudar lá e correr o risco de morrer ou não ir e também correr o risco de morrer. Melhor uma chance na Scholomance, que está de portas abertas para você.

Para comprar “Uma Educação Mortal” basta clicar no nome da livraria:

Amazon.
Magalu.
Editora Alta Books.


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