05.01


“O avesso da pele”
Jeferson Tenório
Companhia das Letras – 2020 – 192 páginas

O avesso da pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.

O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Com habilidade incomum para conceber e estruturar personagens e de lidar com as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, Jeferson Tenório se consolida como uma das vozes mais potentes e estilisticamente corajosas da literatura brasileira contemporânea.

Para os que não sabem, “O avesso da pele” ganhou o Prêmio Jabuti 2021 de Romance Literário e confesso que o livro tinha minha torcida. O li em março de 2021 durante uma ação da Editora Companhia das Letras de “5 livros nacionais em 5 dias”, e desde que eu o li, eu soube que era um livro extremamente necessário para nos fazer lembrar de quem somos e de como o mundo pode ser injusto, complexo, repleto de pessoas que carregam feridas e experiências diversas que precisam aprender a existirem juntas, principalmente em relacionamentos. É um livro que fala sobre luto, perdas, identidade e também levanta todas as questões racionais que se fazem necessárias. Não é um livro grande e muito menos cansativo, e sim daquele tipo de livro que você é capaz de ler de uma vez só, em uma única sentada.

O resenhei brevemente para o nosso IG (você pode ver a postagem original clicando AQUI) duração a ação (que adorei, deixo claro, só li livros maravilhosos), mas depois de participar de um bate-papo com o autor depois da premiação, tive certeza de que precisava falar dele com mais profundidade aqui para vocês também porque, sinceramente, quanto mais pessoas souberem e lerem esse livro, melhor para o mundo literário. De verdade.

Coisas ruins acontecem porque a vida é uma série de eventos aleatórios e imprevisíveis. Nós vamos cometer erros no caminho. Mas Deus é misericordioso. Pelo menos, espero que seja.

A narração toda se dá pela voz de Pedro, que conta a vida de seu pai, Henrique, que foi morto em uma ação policial, ambos negros. Em lembranças e lacunas vazias preenchidas com suas próprias construções, Pedro vai mostrando ao leitor a vida dura de um rapaz negro em Porto Alegre, batalhando para encontrar seu lugar e vivenciando o racismo até mesmo em entrevistas de empregos. A falta de tato, o racismo impregnado em nossa sociedade, a falta de preparado do Estado em dar oportunidade a estar pessoas, tudo isso vai sendo construído em uma narrativa que é belissimamente construída e quando se encerra, deixa um nó em sua garganta.

Entendemos a vida de Henrique, o pai, desde o abandono de seu próprio pai no Rio de Janeiro e a volta da mãe para Porto Alegre, e a conturbada família materna que lhe rendeu cenas fortes para uma criança, até o momento no qual a ansiedade nasceu em seu peito. Henrique entrou em uma faculdade, começou a estudar e lá conheceu Martha, que viria a ser sua esposa, mulher que também teve sua própria cota de sofrimento desde o nascimento. O relacionamento dos dois foi, sem sombras de dúvidas, um dos pontos altos do livro porque é um relacionamento desfuncional permeado por ciúmes, inseguranças profundas e como duas pessoas podem estar juntas por todos motivos que acreditam serem os certos e, ainda assim, não entenderem que o melhor é não estarem juntos.

O anúncio dizia que era preciso ter boa aparência. E ler uma frase daquelas significava que aquele emprego não era para você. “Boa aparência” significava, na maioria das vezes, ser branco.

Através de todas as experiências de Pedro, somos capazes de vermos a vida de alguém que não está sendo guiada pelo racismo, mas que este existe e ele não tem como fugir, nem mesmo em seus relacionamentos românticos inter-raciais. É uma vida repleta de sentimentos como a de todos seres humanos, mas capaz de deixar claro que há experiências que o personagem passa que não passamos simplesmente pela cor de nossa pele. Então sim, esse livro me lembrou o quão privilegiada sou e sempre fui, em todas as frentes.

Quando terminei de ler a jornada pela vida de Henrique através dos olhos de Pedro, eu entendi a dor do personagem e entendi mais ainda o motivo pelo qual Pedro precisava reviver toda aquela história. A forma narrativa que o livro se desenvolve também ajuda bastante, em capítulos escritos em parágrafos únicos, causando a sensação de estarmos lendo uma carta de Pedro, quase acessando seus pensamentos e conseguimos entender o quebra-cabeças de saudade que ele está montando, tentando enfrentar o processo da perda da única forma que consegue: se lembrando. Porque não se esqueça: há muito nesse livro, mas ele é um livro sobre a falta que um filho sente e irá sentir do seu pai.

Esta história é ainda a história de uma ferida aberta. É uma história para me curar da falta daquilo que você, repentinamente, deixou de ser.

O que eu posso dizer diretamente para vocês que me leem é que o livro me deixou com um nó forte em minha garganta. “O Avesso da Pele” é um livro que pode ser considerado essencial para qualquer pessoa que quer entender e enxergar melhor o racismo estrutural em nosso país, além de abordar relacionamentos abusivos, a solidão que muitas pessoas passam e o luto – e que merecidamente foi reconhecido por todos seus pontos necessários que mostra ao leitor durante uma leitura que foi uma das melhores para mim em 2021. Mais do que indicado para todos vocês.

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