29.12


“Luxúria”
Raven Leilani
Companhia das Letras – 2021 – 232 páginas
Tradução: Ana Guadalupe

Edie tem vinte e poucos anos e está tentando descobrir quem é e o que quer ser ― tudo isso enquanto trabalha numa editora e faz as piores escolhas amorosas possíveis. Pela internet, ela conhece Eric, um homem branco de meia-idade que tem um casamento aberto e com quem inicia um relacionamento.

Quando Edie perde o emprego, a esposa de Eric, Rebecca, convida a jovem para passar um tempo em Nova Jersey, onde vivem com Akila, a filha adotiva do casal ― que também é negra. Com essa nova dinâmica familiar ― marcada pelas tensões políticas, sociais, econômicas e identitárias dos tempos atuais ―, as intenções e os pontos de vista de todos os personagens estarão em xeque. E, assim, através de um emaranhado de raiva, dor, ternura e afeto, Edie talvez consiga compreender mais a respeito de si mesma, de seu talento e de seu lugar no mundo.

Apesar do nome, “Luxúria” não tem cenas tão gráficas assim, então fica aqui a dica que todo bom bookstan já recebeu na vida: o titulo do livro remete a um determinado ponto do livro que não é exatamente o qual você está relacionando. Há muito mais na luxúria sensual nesta trama, e eu preciso falar de tudo isso com vocês: a trama já te apresenta de casa Edie falando sobre Eric, seu amante virtual. Ela conta como o conheceu, qual o status do relacionamento deles e dá a importante informação de que ele é casado, mas que o relacionamento dele é aberto. Isso parece, de diversas formas, fazer Edie se sentir mais atraída ainda por Eric, que vai avançando na narrativa enquanto o relacionamento deles vai caminhando a lentos passos até se tornar real e sexual.

No meio disto, temos um fator importante e determinante na narrativa: Edie é uma jovem mulher preta que é bastante consciente de sua sexualidade, que tem um emprego que ela “gosta” mas nem tanto – acho que foi aqui o ponto que eu mais gostei da personagem porque ela parece saber o que não quer, apesar de estar completamente perdida, mas calma que já falarei sobre ela especificamente. Entretanto, por causa de um caso que não termina lá muito bem, Edie é denunciada a direção da Editora na qual trabalha e perde seu emprego, exatamente como tem na sinopse do livro, indo passar um tempo com seu amante com o dobro de sua idade e sua a esposa, que são brancos, e a filha adolescente do casal, que é preta. Acho que qualquer leitor já entendeu que mundos irão se colidir em uma narrativa que me deixou bastante, mas bastante confusa – e não pelos motivos que você está pensando, enquanto tudo claramente está dando errado desde começo e se encaminhando para um final com potencial desastroso.

Na primeira mensagem, ele comenta que meu perfil tem alguns erros de digitação e me conta que o casamento dele é aberto. Suas fotos são desprendidas e espontâneas — uma meio pixelada dele dormindo na areia, outra, tirada por trás, enquanto faz a barba. É esta última que mexe comigo. O azulejo sujo e o desfoque delicado do vapor. O rosto sério no espelho em concentração silenciosa. Eu salvo a foto no meu celular para olhar depois no metrô. Mulheres espiam por cima do meu ombro e sorriem, e eu deixo acreditarem que ele é meu.

Claro que agora em uma casa de um nível social alto, em uma vizinhança predominantemente (muito) branca, Edie começa a ver a vida de uma forma que ela nunca sequer pensou, mas os pensamentos da personagens são… complicados (de novo, já falarei sobre ela). Eric, em contrapartida, parece o típico “macho hetero top” que acredita bastante consciente de quem é e que tem todo controle das situações, enquanto Rebecca, a esposa de Eric, não parece gostar lá muito da situação do marido ter uma amante, mas que superficialmente está muito de boa com tudo (tão “de boa” que Edie está dentro da casa dela, claro) e parece que aceita simplesmente porque… sim, e isso me confundiu em níveis que nem sei explicar ainda. E então temos Akila, uma jovem que está tentando se encontrar também no meio daquele mundo quase novo, adotada por um casal que ela enfim começa acreditar ser sua família – e ela é o centro da história para esta leitora que vos fala.

O relacionamento de Edie e Akila é, de longe, o ponto alto do livro para mim. A forma como elas conseguem se encontrar é realmente o que me prendeu no livro. Akila está naquela fase da vida que (quase) todos já estivemos em nossas vidas e parece ser a chave pela qual o casal deseja a presença de Edie naquela família: servindo de ponte entre eles e a garota. Claro que isso vai ficando mais e mais claro que a forma como Edie enxerga o mundo e aquela situação, sem esconder de Akila, é mesmo o relacionamento mais firme e real entre todos ali, sem mentiras e nenhuma intenção a mais a não ser o afeto que vai crescendo entre elas.

Fico atenta ao crânio dela, em como seus ossos de treze anos são frágeis. Deixo o óleo e a manteiga em cima da cômoda no quarto da Akila, e passo um tempo sem conseguir dormir. Porque ela tem treze anos, e eu lembro como era essa sensação por dentro. Eu me lembro do que pensava que entendia sobre as pessoas e do orgulho que sentia por ser sozinha. Mas, vendo de fora, a solidão é palpável, e eu penso: Ela é nova demais.

Não consegui sequer ter empatia por Rebecca, por mais que sejam apresentados motivos para se simpatizar com a personagem, então ela se tornou uma espécie de antagonista que deveria ter mais peso e significado, já como eu realmente não me importava, e todas as ações da personagem foram julgadas por mim com bastante força (sim, foram), mesmo quando ela era uma boa mãe – como na melhor cena do livro que é justamente uma demonstração do que pessoas pretas precisam lidar e enfrentar simplesmente por existirem e estarem em determinados lugares. Akila, tão nova, já lida com uma realidade que muitos jovens pretos precisam lidar: a violência policial. A sensação que a personagem passou me deixou com um nó na garganta, mais uma vez me fazendo entender que muito do que aquelas duas personagens passavam, eu nunca iria entender, e isso me fez pensar muito, muito mesmo.

Entretanto, Edie foi, sem sombras de dúvidas, uma das personagens principais que eu mais tive problemas de entender a moralidade e digo isso entre todas as personagens que já li em minha vida. Existiu diversos momentos que eu não conseguia entender o que ia na cabeça dela, e isso eu levei em conta a idade da personagem, ainda em seus 23 anos. Ela estar perdida parece um requisito dessa idade na vida, na qual você deseja e luta muito e está recebendo pouco por tudo que faz, mas luta com toda esperança do mundo. Mas isso não parece existir para Eddie, e mais do que isso, parece haver uma raiva dentro da personagem prestes a explodir que eu me preocupei de explodir no lugar errado. Insegura, desejando ser uma artista, mas se autossabotando, Edie parece realmente a deriva, enfiada em uma situação que eu não conseguia nem entender como tinha se formado, povoada por pensamentos que me incomodaram pela forma até mesmo pouco empática como pensava, mas faz sentido dentro do universo criado em torno da personagem principal: se há algo que “Luxúria” possui de sobra é coerência com os personagens, e dentro dessa confusão, Edie é muito, muito coerente.

Quando se trata desse assunto, não consigo deixar de sentir que fui atingida por uma oscilação que começou com uma única borboleta. Ou seja: com meio grau de diferença eu poderia ter tudo o que eu quero. Sou boa, mas não boa o bastante, e isso é pior do que só ser ruim. É quase. É a diferença entre estar presente na hora em que o acidente acontece e sair exatamente a tempo de ver a notícia sobre ele no jornal. Ainda assim, não consigo deixar de sentir que no multiverso mais próximo existe uma versão de mim que está mais gorda e mais feliz, sorrindo num ateliê só meu com tinta grudada atrás da orelha. Mas todas as vezes que tentei pintar nos últimos dois anos eu fiquei paralisada.

Acho que se eu fosse definir “Luxúria” em uma única palavra, definitivamente seria “coragem”. É um livro cru, forte, intenso e honesto sobre se estar perdido na vida, sobre tentar salvar relacionamentos pelos motivos e modos errados, sobre não saber seu lugar no mundo e, principalmente, sobre o que você quer, como quer e quando quer. Pode não ter sido meu livro favorito do ano, mas os defeitos desses personagens me ganharam a ponto de me fazer precisar de um tempo para entender a narrativa e a profundidade que ele nos levava. Se você procura um livro que fala com sinceridade e bastante direto sobre uma fase de nossa vida na qual não temos a menor noção do que estamos escolhendo, ainda tratando de sensualidade feminina com bastante honestidade e criticas sociais intensas, esse livro é pra você.

E ah, antes que eu esqueça: ele está se tornando um seriado para a HBO com a atriz Tessa Thompson (de “Thor”) produzindo, sem ainda estar confirmada no papel principal – e você pode ler tudo em inglês clicando AQUI. Seja como for, eu definitivamente irei assistir. E ficar de olho na Raven Leilani, que promete outros livros tão bons quanto seu primeiro livro.

Para comprar “Luxúria” basta clicar no nome da livraria:

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Submarino.
Magalu.


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