31.03


“Os tais caquinhos”
Natércia Pontes
Companhia das Letras – 2021 – 144 páginas

Faltava muita coisa no apartamento 402. Mas sobravam muitas outras: caixas de papelão, bandejas de isopor, cacarecos, baratas, cupins, muriçocas, poeira, copos sujos. Abigail, Berta e Lúcio formam um trio nada convencional. Duas adolescentes dividem o apartamento com o pai, um homem amoroso, idiossincrático, acumulador, pouco afeito à vida prática, que torce para que a morte venha logo lhe buscar e dá conselhos incomuns às filhas: “É muito bom sentir fome”.

Os tais caquinhos é um romance de formação trágico e comovente, capaz de arrancar risos nervosos. Ao descrever o dia a dia de uma família simbiótica em meio à cordilheira de lixo que só faz crescer, Natércia Pontes desenha um fascinante retrato de três pessoas que buscam conviver com seus sonhos e suas fantasias, suas manias e seus anseios, seus medos e suas revelações.

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Explodi em sentimentos ao ler “Os tais caquinhos” e confesso que nem todos foram associados a uma leitura agradável: senti nojo em diversas passagens da trama, mas, para explicar isso, preciso voltar e, bem, começar do começo e falar da nossa personagem principal. A narração se dá através dos olhos de Abigail, irmã mais velha de Berta e filha de Lúcio. Abigail é uma adolescente que se ressente do caos que é sua vida e o velho apartamento que moram, aonde o pai acumula todos os tipos de objetos, chegando pilhas de jornais velhos até o teto. Lúcio, por sua vez, é um pai relapso porque é um ser humano alheio ao que acontece ao seu redor, colocando seus sentimentos naqueles objetos que ele diz precisar. Já Berta, a irmã mais nova, encontra sua sorte em suas amigas que lhe dão o mínimo de dignidade para existir.

Abigail é impulsiva, forte e perdida, como a maior parte dos adolescentes. Ela tenta se descobrir e encontrar seu caminho no meio do caos que vive, em um lugar que nem comida suficiente para poderem sobreviverem tem. Claro que o lugar está infestado de insetos também, principalmente as baratas – e vocês podem imaginar como era difícil ler sobre aquele lugar caótico, assim como as pessoas que viviam entre aquelas paredes.

Mas, além disso, há também muitas perguntas que ficaram sem resposta na narrativa. Entendo bem que foi a escolha da autora, mas, pra mim, me deixou com a sensação de que eu que precisava tapar os buraquinhos que faltavam. Queria saber mais sobre Lúcio, queria entender como as coisas chegaram naquele ponto, mas também entendo completamente que a narrativa não era sobre ele e sim sobre a filha dele, adolescente, errática, precisando de um porto seguro que não tinha. Ainda me pergunto aonde a mãe de Abigail estava, já como ela dedica um capitulo de seus pensamentos à mulher – ou a falta dela em sua vida, melhor falando.

Mas na vida de Abigail não é só a mãe que falta: é basicamente tudo. Por diversos trechos, eu queria puxar a garota das páginas e ter uma conversa com ela, tentar acalmar o coração dela e falar para ela desacelerar um pouco, que ela ainda tem muito, muito para viver. A narrativa é caótica, sufocante e em muitos trechos, dolorosa porque Abigail está procurando fora dela o que ela pode encontrar dela. Ela precisa se encontrar antes de qualquer coisa, mesmo que seja no meio de um apartamento repleto de coisas velhas e insetos e, enfim, juntar seus caquinhos.

Mas, a despeito dos buracos negros e da temperatura baixa do ambiente— nossas pernocas frias, os pelinhos eriçados dos braços —, havia uma ligação forte que nos unia, um sentimento bruto de família, uma cumplicidade gelatinosa que nos protegia como uma placenta. Estávamos juntos. Éramos juntos.

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