28.07

AVISOS DE GATILHOS: INCESTO, ALCOOLISMO, RELACIONAMENTOS TÓXICOS, PAIS NEGLIGENTES, SUICÍDIO.



“Proibido”
Tabitha Suzuma
Valentina – 2014 – 304 páginas

Ela é doce, sensível e extremamente sofrida: tem dezesseis anos, mas a maturidade de uma mulher marcada pelas provações e privações da pobreza, o pulso forte e a têmpera de quem cria os irmãos menores como filhos há anos, e só uma pessoa conhece a mágoa e a abnegação que se escondem por trás de seus tristes olhos azuis.

Ele é brilhante, generoso e altamente responsável: tem dezessete anos, mas a fibra e o senso de dever de um pai de família, lutando contra tudo e contra todos para mantê-la unida, e só uma pessoa conhece a grandeza e a força de caráter que se escondem por trás daqueles intensos olhos verdes.

Eles são irmão e irmã.

Com extrema sutileza psicológica e sensibilidade poética, cenas de inesquecível beleza visual e diálogos de porte dramatúrgico, Suzuma tece uma tapeçaria visceralmente humana, fazendo pouco a pouco aflorar dos fios simples do quotidiano um assombroso mito eterno em toda a sua riqueza, mistério e profundidade.

Sempre tive em mente que um dia eu iria resenhar “Proibido” pra cá. Li o livro há muitos anos em sua língua original (ele foi publicado originalmente em inglês em 2010 e lançado pela Editora Valentina no ano de 2014), e agora, aproveitei para reler sua edição nacional e olha, confesso que foi um soco novamente. Como já comecei avisando, esse livro tem VÁRIOS gatilhos e não, não indico ele para todas pessoas (principalmente as sensíveis), mas também é escrito de uma forma tão delicada que nos faz sofrer e não ficar chocados com tantos temas difíceis – e acho que só por isso que chego a recomendar o livro.

Partindo do princípio, tenha em mente que muitas pessoas ao redor do mundo vem de famílias desestruturadas e que muitos pais terminam abandonando seus papéis, deixando o encargo para seus filhos mais velhos cuidarem dos irmãos mais novos. Não compete a mim julgar esses pais e nem as situações, as quais ocorrem por diversos motivos, e, aqui na narrativa de “Proibido”, acontece quando o pai de Lochan e Maya, os dois personagens principais, abandona a família e parte para a Austrália com uma nova esposa, deixando a mãe deles devastada com os 5 filhos para cuidar sozinha, sendo 2 ainda pequenos. A trama se passa na Inglaterra, acho necessário assinalar isso, e muito é parte de um problema estrutural que não consegue ajudar a família desestruturada a encontrar um caminho, falhando miseravelmente como um sistema, em todos lados.

Família: a coisa mais importante de todas. Meus irmãos podem me deixar doido às vezes, mas são meu sangue. São tudo que já conheci. Minha família sou eu. É a minha vida. Sem eles, eu caminho pelo planeta sozinho.
Os outros são desconhecidos, são estranhos. Nunca se transformam em amigos. E mesmo que se transformassem, mesmo que eu descobrisse, por algum milagre, um jeito de me ligar a alguém de fora da família, como essa pessoa poderia se comparar àqueles que falam a minha língua e sabem quem eu sou sem que eu precise dizer?

Como vocês já podem imaginar, Lochan, como filho mais velho, se tornou “o homem da casa” (como a própria mãe fala em uma altura do livro), recaindo sobre seus ombros a responsabilidade de cuidar de todos outros irmãos ao lado de Maya, a 2º mais velha e bastante próxima de sua idade: Kit, o irmão do meio, com 13 anos, parece se ressentir do irmão e seu “novo papel”, vindo em seguida os mais novinhos Tiffin e Willa. Maya, como irmã mais velha, estava no lugar da mãe, que passou a beber e tentar aproveitar o que ainda poderia da vida, entrando em um relacionamento com um homem também separado e basicamente abandonando os filhos a própria sorte na casa cedida pelo governo na qual moravam.

Isso tudo é basicamente o começo do livro, e é assim que você entende que Lochan e Maya estão sendo adultos ainda sem terem chegado a maioridade, e, além disso, eles estão na posição de pais de seus irmãos, tentando sobreviver a uma vida miserável, de fome e necessidade, cuidando física e psicologicamente de seus irmãos, tentando prover a casa de todas as formas que os pais de ambos deveriam fazer. Lochan ainda sofre bastante bullying na escola, mesmo sendo um aluno brilhante. Só esse começo já mostra o quão pesada a narrativa vai ser, e, por mais incrível que pareça, só se torna mais e mais sombria.

As paredes descascadas são vazias, salvo por uma pequena foto de nós sete, tirada durante nossas férias anuais em Blackpool, dois meses antes de meu pai ir embora: Willa, ainda bebê, no colo de nossa mãe, Tiffin com o rosto sujo de sorvete de chocolate, Kit pendurado num banco de cabeça para baixo e Maya tentando levantá-lo. Os únicos rostos nítidos são o meu e o de meu pai – com os braços nos ombros um do outro, sorrindo para a câmera. Raramente dou uma olhada na foto, apesar de tê-la salvado da fogueira de minha mãe. Mas gosto de senti-la perto de mim, como um lembrete de que aqueles dias felizes não foram apenas fruto da minha imaginação.

O leitor entende que a dinâmica da casa está já formada há anos nesse ritual desesperador para dois adolescentes: enquanto lidam eles mesmo com a escola, se aproximando de terminar o equivalente ao 2º grau britânico, Lochan e Maya tem que levar os dois menores para a escola, limpar a casa, cuidar das roupas, cozinhar, dar banho nos menores, cuidar também da mãe (quando ela aparece) ou ir atrás dela para conseguir dinheiro suficiente para comprarem o mínimo para sobreviverem. Você consegue entender em que ponto de desespero os personagens estão e como a vida levou os dois a se aproximarem, a se enxergarem como adultos em uma posição que eles não deveriam nem ao menos imaginar, que se der vivenciar.

O relacionamento entre os dois começa a mudar e você começa a entender toda conjuntura ajuda a mudança da percepção um do outro. Tento muito deixar todo julgamento de lado sobre o relacionamento e sentimentos românticos, conseguindo entender que a culpa das coisas que estão acontecendo foge aos dois. Não acredito que tudo aconteceria da forma como foi se os dois adolescentes tivessem apoio e pessoas que cuidassem deles como eles precisavam e eles estivessem vivendo uma adolescência “normal”. Não acho justo a forma como os pais deles colocaram os dois naqueles lugares, mas também entendo que a vida não é nada justa e, por isso, por esse motivo, por ver todo esse conjunto de circunstâncias, por entender aonde a culpa deveria recair, eu acho o enredo desse livro tão forte e tão cirúrgico: ele vai entregar exatamente a questão da responsabilidade que temos de assumir (Lochan e Maya), a responsabilidade da qual fugimos (a mãe e o pai de ambos), a responsabilidade de um Estado falho – tudo isso vem cobrar e assombrar os personagens em um determinado momento. Mas, obviamente, tudo recai com muito mais força nos ombros dos dois protagonistas. E é ai que a trama do livro se torna mais sombria ainda.

E de repente, penso: Durante todo esse tempo, durante toda a minha vida, aquele caminho acidentado e pedregoso me conduziu a esse único ponto. Eu o segui cegamente, cambaleando, arranhada e exausta, sem saber aonde levava, sem jamais me dar conta de que a cada passo eu me aproximava da luz no fim de um túnel longo e tenebroso. E agora que a alcancei, agora que estou aqui, quero pegá-la em minha mão, me agarrar a ela para sempre, para relembrá-la – o ponto em que minha vida realmente começou. Tudo que eu já quis, aqui e agora, foi capturado nesse único momento. O riso, a alegria, a imensidão do amor entre nós. Esse é o momento em que nasce a felicidade. Tudo começa agora.

Maya sente que Lochan é sua força, mas, na verdade, ela, com seu jeito calmo e sereno, é quem consegue lidar com o irmão mais velho que sofre de algo que nem ao menos conseguimos taxar, já como ele não encontra tempo para cuidar de si mesmo – não posso afirmar que seja ansiedade ou fobia social, mas parece ser algo bastante próximo disso. Lochan vê e entende seus sentimentos mais rápido do que a irmã, mas também entende muito bem o quão errado e doentio termina sendo aquele relacionamento que eles estão desenvolvendo mais e mais, chegando ao ponto de externar isso em certa altura da narrativa, que é contada em capítulos alternados entre o ponto de vista de Lochan e de Maya. A alternância dos pontos de vista e a capacidade de temos de entender a mente de dois adolescentes sozinhos em um mundo praticamente particular, faz com que o leitor possa entender o que está acontecendo tão bem entre eles. É desesperador e doloroso ler, é sufocante, principalmente quando você entende o tamanho da destruição de tudo que está acontecendo, levando ao inevitável final sombrio e chocante, mas, que ao mesmo tempo, dá uma sensação de que talvez, só talvez, algo no meio daquela destruição sem fim possa melhorar.

De quando reli o livro, me pego frequentemente perguntando o que aconteceu com os personagens depois daquele final terrível. Não consigo imaginar a dor e os traumas que eles terão de lidar o resto da vida. Não consigo entender como alguns vão continuar sua vida depois das decisões tomadas durante os eventos do livro. O que sei é que esse livro é capaz de um impacto profundo em quem o lê, e por todos motivos acima assinalados, eu o indico para quem é capaz de conseguir lê-lo, sem deixar de frisar que quando se termina a última página, você sente um peso no estômago, um nó na garganta, uma dor tremenda por dentro porque você não foi capaz de ajudar aqueles personagens. É forte, intenso e muito, muito cheio dos sentimentos: raiva, tristeza, desespero, dor – e é isso que queremos de um livro, justamente sentir, e neste livro, muito é errado, menos sentir.

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Submarino.
Travessa.
Cultura, o livro digital.

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