01.11

“Os sete maridos de Evelyn Hugo”
Taylor Jenkins Reid
Paralela – 2019 – 360 páginas

Lendária estrela de Hollywood, Evelyn Hugo sempre esteve sob os holofotes — seja estrelando uma produção vencedora do Oscar, protagonizando algum escândalo ou aparecendo com um novo marido… pela sétima vez. Agora, prestes a completar oitenta anos e reclusa em seu apartamento no Upper East Side, a famigerada atriz decide contar a própria história — ou sua “verdadeira história” —, mas com uma condição: que Monique Grant, jornalista iniciante e até então desconhecida, seja a entrevistadora. Ao embarcar nessa misteriosa empreitada, a jovem repórter começa a se dar conta de que nada é por acaso — e que suas trajetórias podem estar profunda e irreversivelmente conectadas.

Antes de começar, eu preciso falar o quão sortuda estou sendo na escolha dos meus livros nesses últimos dois meses. Lendo diversos livros de fantasia, suspense e terror, eu estava bastante satisfeita com a sucessão de livros nesse estilo (e vou resenhar um dos meus favoritos dessa longa linha ainda nesse mês aqui, prometo!) mas chegou uma hora que meu psicológico pediu uma trégua e alguma leitura mais leve. “Os sete maridos de Evelyn Hugo” está no radar de todos que conheço desde que foi publicado aqui no Brasil primeiro pela Tag Literária e acabou de sair a noticia de que irá virar uma série de TV na Freeform (mais sobre isso adiante) e eu pensei: “Por que não? Preciso de algo leve, vamos com esse romance levinho ai!”. Ainda bem que pensei isso mesmo porque vamos aos fatos: esse livro não é somente um romance e nem é “levinho” – esse livro é um HINO DE LIVRO que se eu pudesse, eu faria todas as mulheres do mundo lerem e entenderem o seu próprio poder, aprender com seus erros e muito, muito mais. E por ter amado TANTO esse livro, eu vou evitar dar QUALQUER TIPO DE SPOILER nessa resenha e se você aceita a minha humilde opinião, leia sem saber NADA MESMO porque a sinopse não entrega basicamente nada da trama do livro e dá somente o obvio: lenda de Hollywood, Evelyn Hugo se aposentou e desde então evita dar qualquer entrevista. Agora ela decide que está na hora de contar tudo como aconteceu em sua agitada vida amorosa e os motivos pelos quais aconteceram. E amigos, isso dai não é nem a pontinha do iceberg. Juro.

A história de Evelyn é narrada de forma diferente: o livro começa com Monique Grant, uma jornalista de 35 anos que acredita que sua vida está empacada, sendo chamada por sua chefe Frankie Troupe para lhe contar que Evelyn Hugo decidiu conceder uma entrevista e ela é a escolhida. Monique se espanta por ser a escolhida (já como acredita que não seja ninguém) enquanto reflete justamente por ser uma mulher birracial e sua chefe Frankie uma mulher negra, e dai temos uma leve dica que o livro vai tratar e muito de empoderamento feminino e sobre tudo que nós, mulheres, passamos em nossas carreiras. O mundo é machista, elitista e difícil, e desde o começo o livro tem passagens que mostram exatamente isso, enquanto mulheres continuam a lutar e a usar tudo que tem em mãos para conseguirem o que querem, sendo Evelyn o exemplo clássico disso.

“Eu era linda, mesmo aos catorze anos. Ah, eu sei que o mundo prefere mulheres que não têm noção do próprio poder, mas estou de saco cheio disso. A verdade é que quando eu passava, as pessoas olhavam. E eu não tinha orgulho nenhum disso. Não fui eu que fiz meu rosto assim. Nem meu corpo. Mas também não vou sentar aqui e dizer: ‘Ai, sério? As pessoas me achavam bonita mesmo?’, como uma garotinha fútil.

Aceitando a missão, Monique conhece Evelyn, que começa a contar sua história: e aqui a narrativa do livro muda, saindo do ponto de vista de Monique para ser uma grande narração em 1ª pessoa com uma mulher de 79 anos contando sua complicada trajetória, passando por sua conturbada vida amorosa e, claro, seus 7 maridos. Na sala na qual estão conversando, há duas grandes fotos emolduradas: uma de Harry Cameron, o quinto marido de Evelyn, e a outra é um pôster do filme que Evelyn estreou, “Mulherzinhas” (que coincidentemente vai ganhar nova versão esse ano ainda), o qual foi responsável por mostrar ao mundo todo talento para atuação que tinha. Você é bastante sugestionado por essas duas fotos, mas, no final da narrativa, essas duas imagens têm uma nova e total dimensão para o leitor ao entender tudo.

Evelyn é uma personagem muito, muito ambígua. Manipuladora, ela mostra que sempre soube o que queria: aos 14 anos decidiu que queria deixar o pai viúvo e pobre em New York e ir para Hollywood se tornar atriz, levada pelo sonho de sua finada mãe que queria ser uma cantora de sucesso. Tendo o estrelato como meta de vida, Evelyn muda seu sobrenome e a cor de seus cabelos, se tornando uma loira de arrasar quarteirões, sabendo bem o que quer e sem se importar com o que iria ter de fazer para conseguir chegar lá: como ela consegue isso é uma verdadeira aula de determinação, poder feminino e também o que não se deve fazer na vida. Usando os outros quando precisa, manipulando e sem nenhuma vergonha sobre isso, a filha de cubanos consegue o que quer, não sem deixar um rastro de destruição em algumas situações e também se quebrar bastante em diversos momentos.

“Você entendeu o que estou dizendo? Quando surge uma oportunidade para mudar sua vida, esteja pronta para fazer o que for preciso. O mundo não dá nada de graça para ninguém, só tira de você. Se conseguir aprender alguma coisa comigo, provavelmente vai ser isso.”

O livro se altera entre a narrativa de Evelyn contanto sua visão sobre tudo que aconteceu em sua vida e no passado, ainda com “matérias” de jornais também mostrando alguns eventos e como a impressa retratava, além de tudo que Monique está passando atualmente tanto em sua vida pessoal quanto no emprego, porque claro que a entrevista com a atriz lhe trará consequências grandes, cabendo a insegura jornalista mostrar para que lado aquelas consequências iriam: desastrosas ou que iriam catapultar sua carreira. A presença de Evelyn se torna uma imensa figura na vida de Monique, que começa a mudar e a tomar o destino de sua vida em suas mãos, fazendo o leitor começar a se afeiçoar a personagem até o ponto aonde segredos do seu passado vem a tona, fazendo a personagem quebrar e o leitor sentir bastante por ela. E olha, que maravilha são os personagens desse livro! Harry Cameron, o quinto marido de Evelyn, é um personagem tão real, tão cheio de significado e tão maravilhoso que você tem vontade de entrar no livro e o abraçar em diversos momentos. Cheio de segredos, Harry entra na vida de Evelyn para nunca mais sair ao longo daqueles 40 anos que acompanhamos na narrativa do livro, e não, você não imagina o arco do personagem. A mesma coisa para Celia St. James, a garota de família rica que entra na vida de Evelyn durante as filmagens de “Mulherzinhas” (aquele filme do pôster!), querendo roubar os holofotes. Ainda destaco Don Adler, o segundo marido de Evelyn, por todos motivos contrários dos outros dois personagens acima.

E, claro, falando sobre os personagens também sou levada a falar sobre o romance: sim, o romance está presente na história. Evelyn teve todos esses maridos e outros romances também, mas confie em mim quando eu digo que você não tem a menor pista sobre quem é o grande amor da vida de Evelyn Hugo e como tudo se desenrola, acontecendo de um jeito que faz seu coração doer pelo casal, desejando um final feliz fosse como fosse. Não posso falar muito sobre o casal porque qualquer coisa a mais que eu diga poderá incorrer em um spoiler, e acredite em mim (digo mais uma vez): você NÃO quer saber nada sobre o livro, você quer lê-lo no escuro e se surpreender com todos personagens, seus casais, suas trajetórias, suas sexualidades e seus amores.

“E eu não falei nada sobre confessar pecados. Dizer que aquilo que tenho para contar é pecado seria ofensivo e errado. Não me arrependo de nada do que fiz — pelo menos das coisas que seriam de esperar —, por mais difíceis e repugnantes que possam parecer quando forem expostas.”
“Je ne regrette rien”, digo, dando um gole na minha água.
“É esse o espírito”, diz Evelyn. “Apesar de essa música ter mais a ver com não ter arrependimentos porque não se pode viver de passado. O que estou dizendo é que eu tomaria várias dessas decisões de novo hoje. Sendo bem clara, eu tenho arrependimentos, sim. Só que… não é nenhuma coisa sórdida. Não me arrependo das mentiras que contei, ou de ter magoado as pessoas. Aceito o fato de que às vezes fazer a coisa certa obriga a gente a pegar pesado. E tenho compaixão por mim mesma. E acredito em mim. Por exemplo, quando te repreendi lá no apartamento, por causa dessa coisa de confessar pecados. Não foi a atitude mais gentil a tomar, e não sei nem se você mereceu. Mas não me arrependo. Porque sei que tenho meus motivos, e fiz meu melhor para lidar com os pensamentos e sentimentos que me trouxeram até onde estou.”

Com tantos anos de vida e tantos relacionamentos, claro que Evelyn passou por todas situações que você puder imaginar: de corações partidos, decisões questionáveis até relacionamentos abusivos, momentos de partir o coração do leitor. A principal decisão da personagem é de tomar seu destino em suas mãos mesmo sendo mulher em uma indústria machista e preconceituosa, decidindo tudo como queria e quando queria é algo que me ganhou completamente, além do cuidado e da pesquisa da autora que aponta diversos locais realmente reais na antiga (e alguns continuam existindo até hoje!) Hollywood – sim, eu fui pesquisar de tão encantada que eu fiquei com o cenário do livro. Apesar dos personagens e obviamente os filmes que eles estrelarem serem fictícios, a ambientação existir torna o livro mais charmoso ainda, fazendo com o que se torne uma grande passarela para aquela gama de personagens maravilhosos possam desfilar.

E é nesse ponto que o livro tem simplesmente seu maior trunfo: os personagens e principalmente a personagem de Evelyn Hugo. Humana, moralmente duvidosa, ambiciosa, teimosa, amorosa e em grande parte falha, vamos acompanhando toda a vida da lenda de Hollywood pelos olhos dela mesma já com o peso da idade e de todos seus erros em suas costas, mostrando o que ela aprendeu com eles, mas não se arrepende de nenhum – e olha que coisa incrível, porque quem não quer se tornar essa pessoa capaz de ver seus erros e entender que aprendeu a conviver em paz com eles, além de entender que se tornou melhor com o aprendizado? Evelyn vai mudando e crescendo a medida que vai envelhecendo e conseguindo todos seus desejos materiais ao passo que sua vida pessoal vai sendo prejudicada, e o leitor vai vendo que a personagem também vai aprendendo a se tornar uma pessoa melhor. E então você se dá conta que está lendo um livro sobre poder feminino, preconceito, sobre um amor que dura uma vida toda, personagens falhos que são reais e uma personagem principal que é muito humana. Você ama e despreza Evelyn em vários momentos, mas você APRENDE com ela e com sua história. O que mais podemos esperar de um livro?

“Celia, se você quer ser famosa, como parece querer, precisa aprender duas coisas.”
“Que coisas?”
“Primeira: você precisa aprender a se impor e a não se sentir mal com isso. Ninguém vai te dar nada de graça se você não pedir. Você tentou. E levou um não. Supere isso.”
“E a segunda coisa?”
“Quando for usar alguém, use direito.”
“Eu não estava tentando te usar…”
“Estava, sim, Celia. E eu não ligo. Não pensaria duas vezes se precisasse usar você. E sei que você faria a mesma coisa. Mas sabe qual é a diferença entre nós duas?”
“Tem um monte de diferenças entre nós duas.”
“Sabe de qual estou falando, especificamente?”, perguntei.
“Qual?”
“Eu sei usar as pessoas. Não me incomodo com a ideia de usar as pessoas. E toda essa energia que você gasta tentando se convencer de que não está usando as pessoas eu gasto me aperfeiçoando nisso.”
“E isso é motivo para ter orgulho?”
“Eu tenho orgulho do lugar aonde cheguei com isso.”
“Você está me usando? Neste momento?”
“Se eu estivesse, você nunca saberia.”

Como falei acima, foi noticiado de que o livro irá se tornar uma série de TV na Freeform. A surpresa, para mim, foi o time por trás dessa produção: a atriz Jennifer Beals e a produtora Ilene Chaiken, que produziram a conhecida e aclamada série “The L Word” (você pode ler todo anuncio em inglês clicando AQUI). Fiquei levemente surpresa, mas não pensei muito – até ler o livro, então ai sim, fez todo sentido: o livro é REPLETO de representatividade. Se torna até difícil falar sobre toda trama sem dar absolutamente NENHUM spoiler, mas podem acreditar em mim quando eu digo que você lerá sobre todos os tipos de sexualidade, cores e pessoas nesse livro. De verdade.

“Os sete maridos de Evelyn Hugo” foi uma grata surpresa para mim. Queria um romance, esperei até um pouco de sofrimento, mas não imaginei que me daria de cara com um dos meus livros favoritos do ano. Todo romance, toda vida de Evelyn, toda luta de Monique, toda mistura que o livro te leva a sentir, me fez questionar se o mundo realmente está mudando para as mulheres ou se somente estamos nos adaptando a novos cenários e novas lutas. Seja como for, como a própria Evelyn responde a certa altura do livro, ela não se importa que falem sobre os maridos dela, porque, no final das contas, o centro de tudo é ELA – o mundo, os maridos, a vida, é tudo dela, e ela é uma estrela que só vai sair de cena quando chegar a hora que ela mesma determinar. Bravo, Evelyn: você contou sua história como quis, quando quis e encerrou com um estrondoso aplauso por parte desta leitora que foi profundamente impactada por sua força, beleza e determinação. Pode apagar as luzes agora porque eu vou guardar sua história em meu coração.

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