01.10


Através do vazio
S. K. Vaughn
Suma – 2019 – 376 páginas

É Natal de 2067. Os acordes de uma música natalina ecoam pelas ruínas de uma espaçonave que flutua pela escuridão. Lá dentro, May desperta lentamente ― a única sobrevivente de um acidente desastroso na primeira viagem tripulada a Europa, a lua de Júpiter. Sozinha no vazio do espaço, em uma nave caindo aos pedaços, May tenta desesperadamente reencontrar o caminho para a Terra. A única pessoa capaz de ajudá-la é Stephen Knox, um cientista brilhante da Nasa… e um homem que ela magoou profundamente antes de partir. Enquanto ela batalha pela própria sobrevivência e sinais de sabotagem começam a vir à tona, a voz de Stephen parece ser a única coisa capaz de atravessar o vazio insondável do espaço e levá-la de volta para casa em segurança.

Como boa nerd que sou (e assumo isso com muito orgulho), a ficção científica é um gênero muito caro para mim, sendo a grande parte do meus filmes favoritos são de ficção (“Guerra nas Estrelas”, “Exterminador do Futuro”, “Matrix”, “Alien”, “Donnie Darko” e mais uma lista sem fim), e, por isso, eu compreendo que o espaço ou as viagens no tempo são, em sua maioria, alegorias ou metáforas para falar de assuntos bem mais naturais a humanidade e seus conflitos atuais e terráqueos, por assim falar. Por isso, não é como se eu esperasse que “Através do Vazio” não fosse trazer esses elementos em sua narrativa, já como na própria sinopse se assinala que o livro tem um romance latente em seu plano de fundo. Apesar disso, o livro é, na sua verdade, um ensaio sobre uma personagem e sua consciência enquanto revisita um relacionamento fracassado enquanto luta para viver no espaço.

Sei que parece que estou minimizando bastante o enredo do livro, e talvez eu esteja, muito provavelmente levando em conta que há todo um grande enredo sobre ganância e traição ainda acontecendo, mas fiquei frustrada com o livro e não nego: eu esperava bem mais de um ponto de partida inicial, um suposto mistério intergalático aonde a personagem principal iria tentar sobreviver e voltar para terminar seus assuntos. Não é isso que acontece. Dividido entre o presente e capítulos com flashbacks, vamos entendendo o passado da protagonista e todos eventos que a levaram até estar no espaço quase à deriva.

Desde que era criança, quando as discussões sobre superpopulação, mudança climática e o apocalipse zumbi estavam no zeitgeist, eu sempre adorei essa palavra, eu não pensava em outra coisa além da seguinte pergunta: qual é o próximo passo para a raça humana? Estamos destinados a morrer, simplesmente a nos extinguir como outros animais, incapazes de nos adaptar ou relutantes em fazer isso, ou podemos ser os arquitetos da nossa própria evolução?

May, o apelido de Maryam Knox, é uma mulher negra e comandante da espaçonave de pesquisa Hawking II, que está em missão a Europa, a lua satélite de Júpiter. Ela desperta sem qualquer lembrança e somente com a companhia da Inteligencia artificial da nave, que também está sem registros do que aconteceu. Procurando por repostas, May começa a tentar salvar a nave e nomeia a inteligência da nave de Eva, o nome de sua falecida mãe. Depois de grandes cenas maravilhosas no espaço e dentro da nave que está bastante avariada, May consegue enfim mandar um recado pedindo socorro. Toda essa parte inicial do livro é tensa e muito bem descrita, bastante cheia de momentos que te prendem a leitura porque o enredo tem grande parte de realidade, já como a Europa tem um grande manto de gelo e existem grandes perguntas sobre um ambiente com água (se é que é água), componente essencial para existência da vida. Me prendeu e eu comecei a me envolver com a trama fortemente, torcendo por May e esperando a entrada do seu contato com outros humanos, curiosa sobre o que aconteceu com sua tripulação.

Mas o mistério sobre o que aconteceu com os outros astronautas da Hawking II logo é solucionado porque toda trama cede para dar mais atenção ao que estava acontecendo na base-estação de controle da missão fixada na Lua aonde seu ex, Stephen Knox, estava – ele é um grande cientista que ajudou na tecnologia de tudo (eu comecei a digitar o nome do Stephen e a sensação péssima que eu senti lendo sobre ele voltou, mas explico mais a frente). Alguma coisa deu muito errado na expedição que May comandava, mas não se preocupe porque você entende logo tudo enquanto vai sabendo sobre o casamento falho da astronauta do seu incrível e inteligente e sensível e maravilhoso marido. É, temos uma mocinha escrita por um homem, que escreve o mocinho também e bem, ela é uma mulher escrita por um homem.

— May, por favor, acalme-se.
Ela escureceu o vidro do capacete e acendeu o maçarico. A chama brilhou como fogo branco, jogando luz seis metros à frente em todas as direções, revelando os objetos desconhecidos que a atingiam na escuridão.
May gritou, um uivo primitivo de horror.

A trama vai avançando enquanto vai ficando claro para o leitor que o que aconteceu em Europa causou um grande impacto em toda tripulação e o que quer que tenha acontecido com todos, foi logo depois de sairem da Lua de Jupiter. Vamos entendendo também que o dinheiro move o mundo e, por que não, a galáxia, e são atitudes tomadas por ganância e medo que levam o perigo de todos em missão, além de saber mais sobre o comportamento de May e os motivos que a levaram a ter a personalidade que tem, enquanto vamos montando o quebra cabeças que ela mesma está vivendo, já como sua memória não voltou completamente. Entretanto, no meio disso tudo, temos Eva, que realmente traz os melhores momentos do livro, tudo com a trama espacial – essa sim, realmente interessante. Não me apego a romances que não tenham um fundamento e nem acredito que todos devam fazer tudo por amor, e muito provavelmente o livro não teve apelo pra mim por esse motivo, além de ter personagens ruins. Sim, personagens ruins.

É muito ruim ter de falar isso sobre um livro que eu estava realmente esperando, mas não posso me privar de assinalar que as atitudes de May, tanto antes da missão na Hawking II quanto durante me espantaram demais: como um autor pode realmente entrar em um enredo desses? Não posso explicar sem dar spoilers, então vou manter para mim, mas, como mulher, eu tive bastante raiva em diversos momentos do livro: May é instável e sensível, em grande parte mimada e, ao mesmo tempo que tem o sonho de ser uma grande piloto de aeronaves, ela é capaz de não pensar em nada além de ser por amor e mágoa, mesmo que isso enterre seu futuro profissional. Veja bem, não estou falando que mulheres não podem se perder em sentimentos (assim como homens), mas questiono o fato de tudo ser tão extremo e escrito por um homem que claramente não tem a menor noção do que é ser mulher. Também não estou dizendo que homens não pode escrever personagens femininas, mas estou afirmando que homens não deveriam escrever mulheres estereotipadas, que precisam de uma figura masculina e que são incapazes de ficarem sozinhas. É, me irritei bastante pensando sobre May.

Os psiquiatras da Nasa sempre disseram que não existia lugar mais solitário do que o vazio do espaço. A mente humana não foi concebida para compreender a expansão infinita do universo e o silêncio frio e absoluto do vácuo. Quanto maior a distância em relação ao Sol, maior era o desejo de voltar. Isso podia enlouquecer qualquer pessoa.

Então temos Stephen, que é o mocinho mais mocinho que li nos últimos tempos. Sofrendo, magoado e inteligentíssimo, ele está disposto a tudo para salvar sua esposa da morte eminente, nem que isso signifique se sacrificar de qualquer forma que seja. Parece que os personagens do livro são todos escritos sem grandes planejamento e nem profundidade, o que realmente me decepcionou porque toda trama no espaço poderia ser tão bem desenvolvida e tão bem atada… Não preciso nem ao menos falar sobre os colegas de nave de May (alias, tem uma descendente de brasileiros entre eles, acho válido assinalar) porque todos estão na conhecida tabela de personagens que não tem importância mas que estão lá para fazerem seu papel. Temos os pontos de vistas de May e Stephen, que são os personagens mais bem desenvolvidos do livro, mas gostaria de ter tido bem mais sobre Eva, que pode ser só uma inteligência artificial, mas foi a única capaz de ganhar minha simpatia.

No final das contas, o que eu realmente quero falar de “Através do Vazio” é como o gênero está voltando a ficar em destaque nos últimos tempos: o livro é bastante comparado à “Perdido no espaço”, livro que deu origem ao filme com Matt Damon (Não li o livro, então não posso falar sobre ele, mas o filme é realmente bom) e fico feliz com isso. Se você não tem o costume de ler ficção, você deveria, já como assinalei no começo dessa resenha, muitos livros e filmes de ficção na verdade tratam de assuntos bem mais “reais”, por assim falar (isso daria um ótimo post… quem sabe?) e aqui não fugimos dessa regra: “Através do Vazio” fala sobre racismo, traições, pessoas que são capazes de tudo para chegar ao seu objetivo, mesmo que seja em uma viagem pelo espaço. Infelizmente, o que o livro também não foge a regra é ao se perder em um enredo tão bom quanto uma grande viagem espacial para tentar descobrir mais sobre possível sobrevivência humana em outros planetas/luas com um romance falho, insonso e uma mocinha que tem toda visão que um homem tem de uma mulher, sem se focar no que realmente deveria: no espaço, já como ele é escrito por um roteirista de Hollywood com um pseudônimo, e que fica claro em sua trama escrita por diversas vezes como bastante detalhes, quase como cinematográfica. Caso se torne um filme, o que não duvido, vamos esperar que se foque na trama espacial.

— Aí é que está, os humanos gostam de acreditar que são lógicos, mas a maneira como vivemos diz exatamente o contrário. Somos mais impulsionados por emoções, que têm uma lógica própria, mas provavelmente não uma lógica que faça muito sentido. Isso faz sentido? — May riu.

Mas… (sempre tem um mas!) por ele não ter funcionado para mim, não significa que não vai funcionar para outras pessoas, e se você não está mesmo acostumado a ler nada de ficção, indico o livro justamente porque ele não vai dar um nó em sua cabeça para você criar teorias como alguns livros e filmes do gênero fazem justamente por se focar na trama humana e não na espacial, sem contar que a Edição da Suma é, por regra, maravilhosa. Se você quer começar com algo sobre o espaço que seja “simples”, te indico por começar por aqui.

Livro recebido em parceria com a Companhia das Letras para resenha.

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