17.09

“Nocturna” (Nocturna #1)
Maya Motayne
Seguinte – 2019 – 504 páginas

No primeiro volume de uma trilogia de fantasia inspirada na cultura latina, uma ladra capaz de mudar de aparência e um príncipe herdeiro se unem para proteger o reino de uma magia perversa.

Depois de se libertar da dominação dos inglésios, o reino de Castallan não esperava passar por mais nenhuma crise. Mas Dez, o herdeiro, foi assassinado, e agora nobres e plebeus precisam aceitar que o destino do reino está nas mãos do príncipe Alfie, que passou meses fugindo de suas obrigações enquanto bebia tequila em alto-mar.

De volta a Castallan, Alfie não consegue acreditar que seu irmão morreu e, tentando provar o contrário, se depara com Finn Voy. Graças a sua habilidade de assumir a aparência de qualquer pessoa, Finn está sempre usando um disfarce para se proteger dos traumas de seu passado e de qualquer um que se meter em seu caminho.

Quando os destinos de Alfie e Finn se cruzam, eles acidentalmente libertam uma magia poderosa e antiga que, se não for detida, vai mergulhar o mundo em escuridão. Com o futuro de Castallan em suas mãos, o príncipe e a ladra terão de aprisionar essa magia obscura a qualquer custo, mesmo que, no caminho, precisem confrontar seus segredos mais sombrios.

Fantasia certamente é meu gênero literário favorito, e, como já falei em outras resenhas, é sempre um gênero repleto de armadilhas: muito já foi feito e por se precisar criar um mundo e uma mitologia a partir do zero, um mundo aonde o autor determina as regras, a leitura pode se tornar cansativa e nada atraente – até porque se os personagens não forem bons, de nada adianta tudo aquilo feito. Mas, felizmente, “Nocturna” é um primeiro livro capaz de prender o leitor tanto pela construção de sua miologia quanto pelos personagens, e o trabalho não foi fácil, nada fácil, porque a autora começou um novíssimo universo, como nenhum outro que eu tenha lido e nada do tipo que tem saído nos últimos tempos. Da construção da utilização da magia até a forma como a magia daquele universo se desdobra, todos os prêmios possíveis para Maya Motayne, que conseguiu fazer suas regras regadas com palavras em espanhol. Um charme.

Mas, vamos do começo: Logo de cara somos apresentados ao Príncipe Alfehr, ou melhor, Alfie, que está voltando do seu período de luto de 3 meses no mar, já como antes de embarcar, ele presenciou a morte de seu irmão mais velho e herdeiro do trono, Dezmin, o Dez. Alfie está atormentado por todos os motivos que se pode imaginar: a perda do irmão, a ascensão de deixar de ser “somente” um príncipe para se tornar o príncipe herdeiro, a dor da mãe e do pai que perderam o filho que ele via ser o favorito, a perda que um ente querido deixou em sua família e, principalmente, não ter conseguido salvar o seu irmão. Alfie é o príncipe do Reino de Castallan, que foi subjugada pela Inglesia (qualquer trocadilho definitivamente não é lá coincidência) seculas atrás até que um antepassado de sua família liderou uma revolução, libertando seu povo. Desde então, a coroa está em sua família, e Alfie tinha certeza de que Dez honraria o pai e a mãe em sua posição… mas que agora estava com ele.

Poderia obrigá-la a me deixar passar – ele se pegou dizendo. Foi como se outra pessoa estivesse em seu corpo. Alguém com uma raiva fervorosa. Alguém que ele nunca quis ser.

– Poderia – Paloma disse –, mas conheço você muito bem. Sei a diferença entre “poderia” e “vou”. Essas palavras revelam a diferença entre um homem bom e um mau.



Alfie nasceu com a afinidade especial ao elemento da água assim todos em Castellan possuíam magia, tanto que é lema do reino: “Magia para todos”, mas, para ele, o controle da água era algo que vinha fácil, além de ter um proprio – e é aqui que começa uma mitologia nova, criada pela autora. Cada pessoa pode ou não ter seu proprio além de controlar um dos elementos fundamentais (água, ar, terra e fogo), que vem a ser uma magia mais profunda, desenvolvida individualmente por cada pessoa. Nem todos possuem um próprio, mas quem o tem, tem uma magia única, que nenhuma outra pessoa tem, e a de Alfie é especialmente prazerosa de se ler: ele vê a magia dos outros como cores e é capaz de manipular para conseguir transformar o seu próprio proprio na cor da outra pessoa – basicamente imitando o poder da outra pessoa. Nem vou me aprofundar na mitologia de “Nocturna” porque eu realmente a amei (e a última vez que li algo tão criativo e bem estipulado assim foi na trilogia “Mystborn”, de Brandon Sanderson, que é uma High Fantasy, e também com a trilogia “Tons de Magia”, da V.E. Schwab).

Mas se engana quem pensa que Alfie ficou bebendo e se martirizando durante os meses que esteve fora de Castellan: inconformado com a morte do seu irmão, ele está navegando e procurando por um jeito de conseguir salvar seu irmão, se recusando a aceitar a morte dele – e não vou falar como foi porque fica ao critério do leitor interpretar a cena aonde acontece o que acontece com Dez e decidir se há chances dele estar vivo ou não, e sim, eu já tenho minha aposta.

Uma coisa ruim não apaga todas as coisas boas, príncipe. – Ela disse, olhando para o cadáver. – É preciso mais do que isso para você se perder. Pode acreditar. Experiencia própria.
Alfie ficou em silêncio. Como ela podia enxergar seu coração com tanta clareza enquanto ele se partia dentro do peito?


No meio disso, somos também apresentamos a Finn (só de digitar o nome dela, eu já quero gritar de amor) que é a personagem que eu acho que a maior parte das pessoas deseja ler sobre: irônica, envolta em um riso sarcástico, a garota se tornou uma das maiores ladras que se existe tentando sobreviver a um passado simplesmente miserável. Os pais de Finn morreram quando ela ainda era uma criança e ela foi resgatada das ruas por um homem chamado Ignacio, o qual passou a usar seu proprio para controlar Finn – e controlar literalmente, já como o poder do proprio do homem era justamente olhar para a pessoa e a controlar, roubando seu livre arbítrio e transformando a pessoa basicamente em uma marionete de seus caprichos. Por ter esse poder, o homem não sabia quem realmente o amava, e, como todo bom psicopata, ele acreditava que sua filha iria lhe amar verdadeiramente independente do que ele fizesse com ela simplesmente porque ela era… sua filha. Acho que já deu pra entender porque Finn foge do homem como o diabo foge da cruz, e, sendo sincera, as motivações dos personagens nesse livro sempre me foram bastante criveis, genuinamente. Para completar e ajudar na fuga de Finn, o seu proprio é a habilidade de transformar seu próprio rosto em qualquer outro: como uma espécie de metamorfa, tudo dentro das leis das físicas. É um poder maravilhoso.

Ainda há Luka, o primo e melhor amigo de Alfie, criado com ele e Dez, que também está sofrendo a perda de um irmão e ainda com a fuga do outro, já como Alfie simplesmente acordou e saiu navegando, sem o levar. Não se engane, Luka não é ponta de triângulo e nem um personagem secundário sem importância: ele é uma peça importante na vida de Alfie e se torna um aliado importante na luta que virá pela frente, tanto para Alfie quanto para Finn. Luke já teve vários namorados e se comporta como um príncipe bastante ciente de seu poder, mas ama Alfie como a um irmão e irá entrar na trama de cabeça.

Dez ganhou seu proprio depois de me segurar pela primeira vez, quando eu era bebê, porque ele me amava. Eu ganhei o meu porque o invejava. Que belo irmão eu fui.


Claro que os destinos de Alfie e Finn vão se cruzar em uma trama repleta de magia e de desespero, levando o leitor a realmente acreditar que a vida deles corre perigo porque eles tem consciência de que enfrentam um poder capaz de trazer a noite para a terra – por isso o nome “Nocturna”: o poder de um Deus, liberto por culpa de Alfie, que queria desesperadamente fazer o certo (mas é o que dizem: o inferno está repleto de boas intenções, não é mesmo?). A personalidade de pessoa que se importa, que tenta fazer o certo mesmo não acertando, capaz de se sacrificar pelos outros que Alfie tem é quebrada e desafiada o tempo inteiro pelo sofrimento transvestido no escudo que Finn usa ao redor dela, sem querer confiar ou se aproximar de qualquer outra pessoa, mas que também decide fazer o certo quando vê que muitos cairão se ela não ajudar o príncipe.

Nocturna” é uma história de amor sim, não entre Alfie e Finn, mas sim do amor entre Alfie e Dez, a perda do mais velho, a falta que o irmão lhe faz, o espaço em sua vida e a sua incapacidade de aceitar o que aconteceu, além dos seus sentimentos conflitantes com ser o filho não-favorito e ter um irmão bom como mais velho era – como todos relacionamentos de irmãos, o de Alfie e Dez tinha muitas camadas, com o amor embalando o sentimento de inferioridade que Alfie sentia em relação ao outro. Claro que durante a jornada, o “destino começa a agir”, como Luka mesmo fala sobre Alfie e Finn, mas é de uma forma que faz você querer que ela se abra para ele. Não há pressa nenhuma, não saltamos nenhuma etapa (ao contrário, posso falar que a Finn muito mais não gosta de Alfie a princípio do que se interessa por ele, assim como o inverso também aconteceu, sendo que Alfie mesmo pensa sobre isso em certa altura do livro) e não há romance no centro – isso eu posso te garantir. Não há também o famigerado triângulo amoroso (pelo menos não aqui, no 1º livro) e o livro termina de um jeito que você fica entre chocado e decepcionado porque terminou já como parece que realmente terminou! Mas, graças aos Deuses da Leitura, “Nocturna” vendeu tão bem que entrou em 1º lugar na lista de mais vendidos e é uma trilogia, porque seria uma vergonha essa mitologia não ter pelo menos 3 livros para se ler sobre – e sim, algumas coisas ficam em aberto sim.

Ao ouvir aquilo, Alfie a encarou. Os olhos dourados dele estavam repletos de uma preocupação tão genuína que Finn ficou arrepiada. Ela não gostava quando o príncipe olhava para ela. Tinha passado a vida toda personificando outras pessoas. Era mestre em enxergar, por trás da fachada, a verdade que batia dentro delas com força e rapidez. Ainda assim, quando ele olhava para ela, com a cabeça inclinada, pensativo, preocupado, era ela que se sentia exposta. Paginas de segredos abertos, ao alcance da ponta dos dedos dele.


Em tempos de representatividade é uma maravilha ver a cultura latina tão bem representada, presente em frases, em músicas, em momentos vitais de um universo criado a partir dela. Ainda há toda questão explicita sobre o reino de Inglesias ter dominado Castallan e as dificuldades que os súditos de um reino sempre passam, sendo somente “formigas”, como a própria Finn tão bem explica. O passado dela exemplifica a falta de oportunidades que parte da população passa, chegando até uma cena maravilhosa aonde ela clama por Alfie entender e acreditar em si mesmo e em seu reino para poder fazê-lo um lugar melhor. É sim, de arrepiar.

Por fim, depois de tanto babar na mitologia e na representatividade, preciso falar dos personagens porque sem eles, nada disso realmente teria coração e não faria o leitor amar o livro e se apegar. Não são somente 3 pontos de vistas (dos personagens que falei acima): você ainda poderá ver a trama e o que está acontecendo pelos olhos de vilões e outros personagens também (não estou falando de alguns aqui simplesmente porque não quero estragar a surpresa, mas me controlei para não falar de uma determinada personagem que tem envolvimento grande com o sofrimento de Alfie em relação a Dez e toda a vida que ela teve).

Com o tempo – ela respondeu, olhando fixamente para a parede atrás dele, em vez de encerá-lo –, você aprende a sobreviver a quase tudo. Aprende a respirar quando os pulmões estão paralisados pelo medo e aprende a acalmar as batidas do coração. Você aprende. – Ela deu de ombros. – Ou morre.


Apostei nesse livro desde seu anúncio aqui pela Editora Seguinte, e devo dizer que não me arrependi nem mesmo um pouquinho de ter falado sobre ele em diversas colunas de lançamentos literários nacionais aqui no site. Agora sem me estender mais do que já escrevi, “Nocturna” entrou no meu top 5 livros do ano facilmente por tudo que já falei na resenha, e eu estou realmente (realmente!) ansiosa por sua continuação “Oculta”, que sairá ano vem ainda em língua inglesa, mas como “Nocturna” demorou somente 3 meses entre seu lançamento mundial e o lançamento nacional, a gente pode esperar o 2ª livro logo no Brasil – e bem, é a Seguinte, ela sempre procura aproximar os lançamentos! Eu prometo que você não vai se arrepender de ler esse livro de jeito nenhum, principalmente se você, como eu, ama fantasia, um mocinho com diversas camadas, uma mocinha irônica e uma trama complicada e capaz de engolir todos em uma escuridão profunda. Parece como todos outros livros de fantasia, mas, acreditem, “Nocturna” não é como nada que você leu antes: en sério, no te lo pierdas.

Para comprar “Nocturna”, basta clicar no nome da livraria:
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