01.02

“Moxie: Quando as garotas vão à luta”
Jennifer Mathieu
Verus – 2018 – 228 páginas

Vivian Carter está cansada. Cansada da direção da escola, que nunca acha que os jogadores do time de futebol estão errados. Cansada das regras de vestuário machistas, do assédio nos corredores e dos comentários babacas dos caras durante a aula. Mas, acima de tudo, Viv está cansada de sempre seguir as regras. A mãe de Viv era dura na queda, integrante das Riot Grrrls nos anos 90. Inspirada por essas histórias, Viv pega uma página do passado da mãe e cria um fanzine feminista que distribui anonimamente para as colegas da escola. É só um jeito de desabafar, mas as garotas reagem. Logo Viv está fazendo amizade com meninas com quem nunca imaginou se relacionar. E então ela percebe que o que começou não é nada menos que uma revolução feminista no colégio.

Vivian Carter é uma “boa garota” – tão boa quanto a sociedade espera que todas nós fôssemos: tira boas notas, não se envolve em confusões, evita conflitos, aguenta tudo calada, é uma boa filha e boa neta. Até o dia em que ela decide que isso não é mais o que ela quer. Depois de uma cena na sala de aula em que os mesmos colegas idiotas envergonham uma colega, acha que ela (e todas as garotas do Colégio) já aguentaram demais.

Então ela mexe nas coisas da mãe e pega lá uma caixa que tem muitas coisas da adolescência da mãe, que foi muito diferente da dela: a mãe dela vivia metida em conflitos e protestos quando mais nova, não engolia sapos e nem levava desaforos para casa e ao ler as revistinhas que as garotas feministas daquela época faziam, debatendo assuntos importantes, ela resolve tomar as rédeas da situação: assinando como “Moxie”, faz uma pequena revista que deixa nos banheiros femininos, falando de como estava cansada daquela situação no Colégio e pedindo para que todas as meninas que estivessem cansadas também, fossem no Colégio com estrelas desenhadas nas mãos, como uma forma silenciosa de protesto. E é assim que uma pequena revolução começa.

“Porque não queremos seguir os padrões de certo e errado de outras pessoas (meninos).
Porque não aguentamos mais uma sociedade que diz que menina = burra, menina = má, menina = fraca.
Porque acredito do fundo do meu coraçãocérebrocorpo que as meninas são uma força revolucionária que pode – e vai – mudar o mundo de verdade.”

Ela fica surpresa ao notar que muitas meninas – e até alguns meninos – aparecem no Colégio com as estrelas desenhadas nas mãos e isso a deixa um pouco confiante, mas exatamente o que ela pretendia com isso? No final das contas, nem ela sabe direito. As coisas parecem esfriar um pouco depois disso, mas quando outro absurdo começa, ela decide que está na hora de tomar uma atitude um pouco mais séria que a anterior e fica surpresa de ver que, mais uma vez, as meninas aderiram ao que ela pediu na revistinha.

Aos poucos outras meninas começam a aderir ao uso do nome “Moxie”, usando para coisas diversas: para fazer outros protestos, para levantar dinheiro para o time de futebol feminino que, obviamente, não tem tanta visibilidade quanto o time de futebol masculino e até mesmo para fazerem uma pequena festa apenas para meninas confraternizarem sem precisar se preocupar com os garotos do Colégio sendo idiotas.

“Tenho certeza de que ele não está fazendo de propósito, mas ele é um cara e não tem como conhecer a sensação de atravessar um corredor sabendo que estão te julgando pelo tamanho da sua bunda ou pela circunferência dos seus peitos. Ele nunca vai entender como é pensar duas vezes toda vez que você for vestir uma roupa ou sentar ou andar ou ficar em pé, porque você pode acabar chamando atenção no bom sentido, ou pior, no mau sentido. Ele nunca vai conseguir saber quão assustador e enlouquecedor é sentir que você é propriedade de um Menino Monstro qualquer que resolve que pode passar a mão em você e te agarrar e te avaliar quando e onde ele quiser.”

Conforme eu ia lendo esse livro, tinham muitas coisas acontecendo que me incomodavam muito e eu imagino que era essa mesmo a ideia da autora, de mostrar que certas coisas ainda acontecem: meninas sendo julgadas pela forma como elas se vestem e, pior ainda, sendo mandadas para trocar de roupa para não “distrair” os garotos. Garotos agarrando garotas sem o consentimento e achando que, porque eles pensam que elas são “gostosas e eles adorariam ir pra cama com elas”, elas deviam levar isso como um elogio e se sentirem gratas.

Uma das coisas que eu mais gostei é a transformação da Viv, que no início realmente aceitava tudo quieta para uma garota decidida e que não ia engolir qualquer idiotice que falassem só por ela ser uma garota. Outra também é evolução da Claudia, que é melhor amiga da Viv. No começo ela torce o nariz para tudo que seja remotamente feminista, até que aos poucos ela vai entendendo realmente o que essa luta significa para todas as meninas.

Eu gostei principalmente por me identificar bastante com isso. Eu acho que, parte de mim, sempre se identificou com a luta feminina e com o girl power, mas até alguns anos atrás eu morria de medo de ser chamada de feminista, como se isso fosse uma coisa ruim, uma ofensa. Foi preciso um pouco de leitura e muita desconstrução pra entender o que é ser feminista e eu sinceramente acho que se eu tivesse lido esse livro na minha adolescência, teria sido mais fácil para que eu aceitasse isso.

“Me ocorre que ser feminista é isso. Não humanista, igualitarista ou sei lá o quê. Feminista. Não é uma palavra feia. A partir de hoje essa talvez seja minha palavra preferida. Porque na verdade é só isso, meninas que apoiam umas às outras e querem ser tratadas como seres humanos num mundo que sempre encontra um jeito de dizer não.”

Outros personagens que eu acho importantes no livro são Lucy, que é uma aluna nova no Colégio – e é a garota que foi humilhada na aula, que meio que desencadeou tudo. Ela já é uma pessoa bem girl power que é uma das primeiras a adotar todas as ideias da “Moxie”, mesmo sem saber que se trata de Viv por trás das revistas.

Seth, o garoto novo do Colégio por quem Viv se apaixona também é um personagem bom, mesmo com o romance deles sendo bem colocado em segundo plano e tendo algumas atitudes meio “suspeitas”, mas que conforme a Viv mesmo entende, tem coisas que é difícil para um homem compreender, porque ele nunca vai saber o que é estar na pele de uma mulher.

“Ela se levanta, arranca uma canetinha do bolso e – com suas bochechas de boneca de porcelana corando com o que logo percebo ser raiva – escreve a palavra “MOXIE” no antebraço esquerdo.
A mão dela não para de tremer.
Aí ela olha para o fundo da sala. E encara Mitchell Wilson com os olhos cheios de uma revolta tão foda que sua cara me faz lembrar da voz de Kathleen Hanna.
– Mitchell – ela diz, com a voz clara e cortante. – Vai se foder.”

Outra personagem que eu acho meio importante em tudo que acontece é Emma, mas eu não posso revelar muito sobre ela sem falar sobre um ponto muito alto do livro e que é realmente maravilhoso – não o que aconteceu, mas a reação a isso.

Além de, é claro, as outras amigas de Viv que não tem um foco tão grande e outras meninas do Colégio que fazem algumas participações no meio de tudo.

“Continuamos marchando, tropeçando nas ameaças do diretor Wilson e nos avisos dos nossos professores. Marchamos porque essas palavras merecem ser pisoteadas. Atropeladas. Reduzidas a pó. Marchamos de All Star e de chinelinho colorido e até de salto alto. Nossas pernas se movem, nossos braços balançam, nossos lábios formam linhas tão retas e tão afiadas que você precisa tomar cuidado para não se cortar.
Talvez a gente queira que você se corte.”

Eu indico esse livro para todas as pessoas que gostam de um livro bem girl power e que fale sobre coisas importantes ao mesmo tempo. Esse é um livro que eu acho que é importante e que vale a pena ser lido porque aguentar essas coisas, coisas que nós meninas e mulheres tivemos que ouvir e passar a nossa vida toda, não é certo. Em um mundo ideal, nós não teríamos que nos unir para lutar por nossos direitos ou por um mínimo de respeito sequer.

Mas todas nós sabemos que esse mundo está bem longe de ser ideal e por isso lutamos. Não apenas abaixando a cabeça e concordando que “garotos vão ser garotos” ou ensinando que meninas tem que se comportar de uma determinada maneira para ser respeitada e aceita. Todas nós merecemos respeito e já passou da hora das pessoas entenderem isso.

Para finalizar, vou deixar aqui a dedicatória (que falando a verdade foi a primeira coisa que me incentivou a ler depois da sinopse):

“Para todas as adolescentes que lutam pela causa.
E para meu professor de conhecimentos gerais do ensino médio, por ter me chamado de feminazi na frente de toda a sala. Você me ofendeu, mas também despertou o meu interesse pelo feminismo, então na verdade foi você quem virou piada. A vingança é um prato que se come frio, seu babaca.”

Se vocês se interessam em saber mais sobre a causa feminista, aqui tem alguns links divulgados no próprio livro:

(Em inglês):

bitchmedia.org
bust.com
thefbomb.org
therepresentationproject.org

(Em português):

thinkolga.com
naomekahlo.com
casadamaejoanna.com
azmina.com.br
claricesemarias.com
geledes.org.br

Para comprar “Moxie: Quando as garotas vão à luta”, basta clicar no nome da livraria:
Amazon.
Travessa.
Submarino.

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