Trecho de “O Portador da Espada” postado na EW.
Tem uma pequena comoção na porta. Kel ergue o olhar para um turbilhão de guardas de Castellane do lado de fora, como uma incursão de chamas. No meio tinha um garoto, que passou pela porta e a fechou firmemente atrás dele.
Bensimon se endireitou, ele não parecia surpreso. “Príncipe Conor”.
Kel sentiu um peso no estômago. Aqui estava o garoto que ele estava imitando. Um garoto que claramente nunca esteve doente. Ele entendeu agora que tudo era um teste – e que isso era a parte final.
O Príncipe Coroado estava todo de azul metálico, assim como Kel. Ele não estava usando um diadema, mas Kel teria reconhecido ele como príncipe mesmo assim. Ele era alto para sua idade, com os traços de sua mãe e um tipo de chama por trás dos olhos dele e uma expressão divertida no rosto dele que faziam Kel querer sorrir para o outro, o que era meio alarmante por si só. Ele sabia que o garoto devia ser assustador – ele era da realeza – e ele era, mas ainda assim Kel quis sorrir para o Príncipe do mesmo jeito.
Por mais que ele não fosse mais velho que Kel, Conor parecia muito mais adulto enquanto cruzava a sala com passos leves e dizia “Como foi, então? Ser eu?”
Uma dor inesperada floresceu por dentro do peito de Kel. Eu quero ser como ele, Kel pensou. Eu quero andar pelo mundo como se ele fosse se remodelar em torno de meus sonhos e desejos. Eu quero parecer que poderia tocar as estrelas com dedos leves e puxar elas para serem meus brinquedos.
Era estranho querer algo que você nunca soube que quis.
Kel apenas assentiu, como se para dizer que deu tudo certo. Conor inclinou a cabeça para o lado, como um tordo curioso, “Nos deixe, Mayesh”, ele disse. “Eu gostaria de falar com Kel sozinho.”
Kel esperava que o Conselheiro se negasse. Ao invés disso, Mayesh Bensimon pareceu esconder um sorriso. “Como desejar”, ele falou e circulou, saindo da sala em uma nuvem de casaco cinza.
Quando ele se foi, Kel sentiu falta dele. Bensimon era a pessoa que ele conhecia a mais tempo no Palacio. Príncipe Conor, mesmo que Kel tivesse passado a noite fingindo ser ele, era um estranho.
“Você gosta de armas?” Conor perguntou. “Eu posso lhe dar uma adaga se você quiser.”
“Para fazer o que com ela?” Kel perguntou com suspeita.
Conor abriu um sorriso. “Eu não sei do que você gosta, sabe”, ele disse. “Eu estou tentando pensar como convencer você a ficar.”
“Ficar? Aqui? No Palacio?”
Conor sentou na beira da cama pequena. “Meu pai foi criado no reino de Malgasi, ele falou. “Eles tem uma tradição lá. Quando um príncipe faz dez anos, ele recebe um tipo de guarda-costas. Kiralar, é como chamam. Apanhador de Espadas. Ele deve ficar no lugar do príncipe, para proteger ele do perigo. Ele aprende a caminhar e a falar como ele, se vestir como ele. É feito para parecer com ele.”
“Feito para parecer com ele?”, Kel ecoou.
“Talismãs, encantos. Gotas para mudar a cor de seus olhos.” ele suspirou. “Não estou fazendo soar muito agradável, mas eu disse a mim mesmo que seria honesto com você. Não tem ponto em não ser. Você vai descobrir eventualmente.”
“Você quer”, Kel começou lentamente. “Que eu seja seu Apanhador de Espadas?”
Conor assentiu. “Meu pai poderia ordenar a você, mas eu não quero alguém relutante. Eu quero alguém que queira fazer isso. E não alguém que vai ser arrancado de sua família também. É por isso que – você era de um orfanato?”
Kel fez um sonzinho assentindo. Ele estava muito impressionado para falar.
Conor relaxou um pouco. “Isso é bom. Jolivet pelo menos não mentiu pra mim.” Ele olhou para Kel. “O que você acha?”
“Eu acho” Kel disse. “Que isso soa perigoso e provavelmente difícil. Eu acho que se você está procurando alguém que queira fazer isso também vai ser difícil.”
Conor soltou o ar dolorosamente. “Como você diz.”
Ele parecia derrotado, o que trouxe alguma familiaridade para a situação. Kel não sabia o que esperar de conhecer o Príncipe Coroado de Castellane, mas ele certamente não esperava conhecer o príncipe deprimido. “Bom, você pode tentar me convencer”, ele falou. “Me diga o que vai ser bom nisso?”
Conor ergueu o olhar, seus olhos brilhando. “Mesmo?” Ele sentou direito. “Bom, você poderia morar no Palácio. Você poderia ter tudo que quisesse, a maior parte do tempo. Razoavelmente, mas qualquer roupa ou livro – bom, qualquer coisa mesmo. Se você ver em uma vitrine, eu posso conseguir pra você. A menos que seja um elefante de jade ou algo enorme.”
“Isso realmente não parece prático”, Kel falou gravemente, lutando contra um sorriso.
“Nós poderíamos aprender juntos”, Conor disse. “Jolivet não é o cara mais agradável, mas é o melhor treinador de espadas que existe. Você se tornaria um expert em lutas. E meus tutores estão me ensinando tudo que precisa saber; eles te ensinariam também. Você poderia falar muitas língua, saber a história de toda Dannemore, os padrões das estrelas, todas as Grandes Equações.”
Antes de se impedir, algo nasceu dentro de Kel. Era pequeno e brilhante, um sinal distante de fogo. Isso o assustou. Ele não esperava se sentir realmente tentado.
“Você nunca teria fome”, Conor falou suavemente. “E você nunca estaria sozinho. Você poderia dormir aqui, ao meu lado, e nós sempre estaríamos juntos. E sua vida seria extraordinária.”
Kel se encostou na mesa. Extraordinária. Ele conhecia a palavra – de lições, principalmente.
Conor se inclinou pra frente com animação. “Você conheceria a realeza de todos lugares, pessoas descendentes de heróis famosos. Você poderia assistir os melhores dançarinos, ouvir os melhores músicos. Você poderia ver coisas que dificilmente alguém vê. Você poderia viajar o mundo todo.”
Kel pensou em White Rock perto de Orfelinat; esse era o navio que ele navegava com Cas por oceanos imaginários. Ele pensou no mármore que eles usavam para prender o mapa no jogo sem fim de onde-você-quer-ir. Eles sempre souberam que nunca poderiam ir naquelas ilhas distantes.
“Ver o mundo”, ele falou. “Com – você?”
Conor assentiu no mesmo momento. “A maior parte do tempo você não vai estar fingindo ser eu. Você terá outra identidade. O nome de um nobre. E quando eu me tornar Rei, você deixa de ser o Apanhador de Espadas. Depois disso, você será como Jolivet, o líder dos melhores soldados de Castellane. O Esquadrão de Flechas. E, um dia, você pode se aposentar com honra e riquezas.”
Honra soava tedioso; riqueza soava menos.
“Mas talvez você queira outra coisa? Como ser um vendedor ou o mestre de uma guilda?”, Conor perguntou, incerto. Ele parecia cansado. Kel não pensava que garotos ricos poderiam parecer assim. “Eu não vou te manter aqui contra sua vontade. Eu falei isso a meu pai.”
Eu falei a meu pai. Isso significando o Rei já era estranho o bastante, mas mais estranho, Kel viu as mãos de Conor, entrelaçadas como estavam, estavam tremendo. O outro realmente precisava dele, Kel pensou em choque. Ele nunca foi necessário antes. Cas era amigo dele, mas Cas não precisava dele, e nem a Irmã Bonafilia ou os outros. Pais precisavam de seus filhos, mas ele nunca teve pais. Ele não sabia o que era ser necessário para alguém: que isso faria que ele quisesse proteger eles. Para sua própria surpresa, ele queria proteger esse garoto, o príncipe de Castellane. Queria ficar entre ele e uma floresta de dardos jogados. Queria encarar e destruir qualquer inimigo que quisesse causar mal a Conor Aurelian.
Era a primeira coisa que ele quis fazer desde que passou pelo portão do Palácio. Bom, além de comer.
Talvez tenha algo mais que você queira fazer? Se tornar um vendedor ou o líder de uma guilda? Quando Kel tivesse dezesseis anos, o Orfelinat ia mandar ele embora, sem nenhum dinheiro, para o mundo. Existia para ajudar crianças – e apenas crianças. Destreinadas, sem tutores, nas ruas de Castellane, não seria nada pra ele. Até navegadores eram treinados desde novos. Ele poderia escapar como um acendedor de lampadas ou um garoto de carga, se tivesse sorte, e seria horrivelmente pobre. Ou ele poderia se tornar um criminoso – roubar bolsos ou se juntar aos Crawlers, o mais alto que ele ousou sonhar – e terminaria enforcado na forca do Tully.
Ele respirou fundo. “Extraordinário, você disse?”
E Conor começou a sorrir.
[Traduzido por Equipe IdrisBR. Dê os créditos. Não reproduza sem autorização.]