Resenha: Todo o caminho até o rio – Elizabeth Gilbert

“Todo o caminho até o rio: Amor, perda e libertação”
Elizabeth Gilbert
Tradução: Regiane Winarski, Ana Guadalupe
Objetiva – 2025 – 368 páginas
A escritora best-seller que ensinou milhões de leitores a viver autenticamente em Comer, rezar, amar e criativamente em Grande magia agora fala sobre o amor, a tristeza, a confusão, a dor e a transformação que viveu ao lado de sua companheira Rayya Elias.
Todo o caminho até o rio narra o relacionamento de Elizabeth Gilbert com sua falecida companheira, a irreverente artista Rayya Elias. Gilbert era o oposto de Rayya, mas as duas logo firmaram um vínculo inquebrável. O título deste novo livro, que levou sete anos para ser escrito, vem de uma piada interna delas, que, quando descobriram que Rayya estava morrendo de câncer, passaram a chamar a morte iminente de “o rio”. Gilbert prometeu que permaneceria ao lado da companheira durante todo o percurso, mas percorrer esse caminho não se mostrou uma jornada fácil.
Com extrema coragem, Gilbert revela a intimidade e o lado sombrio de sua relação com Rayya, expondo suas vulnerabilidades mais profundas ao falar de um amor tão intenso que acabou ganhando contornos extremos. Aborda os vícios de Rayya, mas também a própria dependência de amor e sexo e a forma como, na busca incessante por conexão e satisfação, acabou se perdendo de si mesma.Levou tempo para que conseguisse sair desse redemoinho emocional e retornar, pouco a pouco, a um modo de vida mais saudável e conectado com sua verdadeira essência. No fim, a devastadora angústia que marcou sua relação com Rayya acabou abrindo espaço para um novo despertar.
Em Todo o caminho até o rio, Elizabeth Gilbert nos convida a atravessar com ela uma torrente caótica de emoções intensas, dolorosas e superlativas, mas profundamente humanas.
Por regra, gosto de escrever minhas resenhas assim que termino de ler um livro porque tudo ainda está em minha mente, todas sensações que a trama deixou em mim. Acho mais justo comigo e com o próprio livro, já como tentar organizar os pensamentos pode levar as outras conclusões que na minha primeira impressão não tive. Mas com “Todo o caminho até o rio” foi impossível fazer isso e, infelizmente, não por bons motivos. Esse livro não me acertou como “Comer, rezar, amar” e me deixou com um gosto bastante ruim na boca ao terminá-lo.
Sempre gosto de comparar nossos relacionamentos com livro com pessoas: alguns chegam na hora certa, outros extraem o melhor de nós, outros vem para nos ensinar algo – e o inverso também é verdadeiro, com alguns nos fazendo sentir raiva, que não nos entregam o que acreditávamos que iria fazer e por ai vai. Esse livro não funcionou para mim, mas tive a sorte de conversar com um grupo de mulheres maravilhosas que aproveitaram a leitura como eu nunca poderia aproveitar porque entra as experiências pessoas de cada um, o que, claro, afeta a forma com que vemos e absorvemos uma leitura. Pra mim, não funcionou, mas não significa que não vá funcionar pra você, então antes de tudo, deixo este incentivo de nunca tomar a palavra de ninguém sobre um livro: se você quer saber se ele é bom ou não, você precisa lê-lo. Dito isso, falarei as minhas impressões do livro a seguir e deixo claro que tudo que vem a seguir é só minha opinião.
Este livro, com suas histórias, orações, poemas, trechos de diário, fotos e desenhos, é meu melhor esforço para contar a verdade sobre o que aconteceu entre mim e Rayya Elias: nossa amizade, nosso romance, nossa beleza, raiva e dor. Aqui conto a história do vício de Rayya, sua recaída e sua morte. Também conto a história do meu vício e da minha eventual rendição à recuperação.
Mas este livro não é só para as pessoas cujas vidas foram impactadas negativamente pelos próprios vícios ou pelos vícios dos outros — embora eu acredite que essas duas categorias incluam a maioria de nós, em algum momento da vida. Este livro também trata das muitas formas pelas quais as pessoas — apesar dos seus esforços para viver vidas sãs e estáveis — podem às vezes ser sugadas para dramas e traumas intensos, até se verem naufragadas em lugares que podem parecer muito distantes de sua verdadeira natureza.
Liz Gilbert ganhou o mundo (e nossos corações) com sua história de coragem em “Comer, rezar, amar”, livro que conta sua jornada de se apaixonar por outro homem estando casada em um casamento já não feliz mas financeiramente bem sucedido e se jogar em um relacionamento que deu muito errado no começo dos seus 30 anos. O que vem a seguir é um ano dela aprendendo a viver melhor, a se conectar com o “divino” e encontrando o amor quando menos esperava por 3 países ao redor do mundo em um ano que ela tirou para se reconstruir. A jornada aqui parecia redentora, libertadora e com um final redondinho e feliz – mas todos nós sabemos que o final feliz na vida real é bem diferente do que o sonhado. A jornada de Liz não terminou ai e ela escreveu como foi levada a se casar por questões burocráticas com o brasileiro Felipe, a quem conheceu no final de sua jornada, tudo também documentado no livro “Comprometida”, o qual você pode ler a sinopse clicando AQUI.
Mas então a realidade bateu a nossa porta porque o casamento com Felipe não foi o final feliz de forma alguma, com o casal se separando e Liz assumindo um relacionamento com quem muitos pensavam que era sua melhor amiga, a também escrita Rayya Elias. Mais uma vez, para nos, expectadores da vida de Liz, parecia que o final feliz dela enfim havia chegado – e foi ai que parei de ter noticias dela, pelo menos até esse ano, quando soube do lançamento de “Todo caminho até o rio”, que foi publicado quase simultaneamente aqui no Brasil, com menos de 2 meses de diferença. Mas mesmo com a sinopse do livro, jamais esperei a porrada que este livro foi.
Rayya me dizia: “Você é minha amiga ‘todo o caminho até o rio’”.
Eu era. Eu era com orgulho.
E ela era a minha.
Eu sabia, ela sabia, todo mundo sabia — e eu carregava o título como um emblema de honra.
Então faz certo sentido que, quando descobrimos que Rayya estava morrendo, começamos a chamar a morte dela de “o rio”.
“Eu quero que você ande comigo todo o caminho até o rio”, disse ela no dia que recebeu o diagnóstico de câncer terminal, e eu prometi que iria.
“Eu não posso entrar no rio com você”, falei, “mas vou andar com você até a beirinha. Estarei com você a cada passo do caminho.”
O ser humano não é uma coisa só e sabemos disso muito bem, afinal, nenhum de nós pode ser definido com somente uma cor, e Liz mostra isso nesta nova jornada muito bem. Começando com “uma visita” de Rayya, que já faleceu devido a um câncer de fígado e pâncreas, Liz decide contar a todos o começo de seu relacionamento, o fim do seu casamento e a descida profundamente em um labirinto de drogas, autopiedade e irresponsabilidade com todos ao seu redor, inclusive ela própria. Entre seu primeiro encontro com Rayya, no ano de 2000, ainda casada com seu primeiro marido, onde Rayya foi cortar seu cabelo, até a proximidade crescente ao longo dos anos e, por fim, quando Rayya se separou da sua esposa e não tinha onde ficar e Liz cedeu uma igreja que havia comprado com o dinheiro que recebeu com a venda de “Comer, rezar e amar” (e provavelmente também dinheiro vindo da adaptação que o livro ganhou com Julia Roberts) e praticamente se tornar mentora para ajudar Rayya a escrever seu livro “Harley Loco” (não publicado no Brasil) no ano de 2013, mesmo ano que Liz publicou “Grande Magia” e as duas saíram em turnê de divulgações de seus respectivos livros juntas, vendo Liz mostrar uma Rayya vibrante e de personalidade forte, tão expansiva que tomava todo o lugar quando entrava nele.
Liz se apaixonou ainda casada, mas afirma que o relacionamento com Rayya só começou quando o diagnostico de câncer já terminou chegou para ela. Impactada com a noticia e sabendo que era impossível não tentar ficar com a mulher que amava aqueles previstos últimos 6 meses, Liz se limita a dizer que o casamento acabou (e que ela não falará mais sobre isso) depois de uma conversa dolorosa e corajosa. Sem pensar muito, Liz vai até Rayya, na bela igreja reformada que agora sua melhor amiga morava, e se declara. Rayya aceita o amor de Liz e as duas enfim começam um relacionamento – infelizmente.
É uma jornada perigosa, é o que quero dizer, ser o relacionamento “todo o caminho até o rio” de alguém. Tem romance, mas também tem perigo. Intimidade nesse nível é tenso. Você vai ver coisas em si mesmo e na outra pessoa que vão te assustar e magoar; e você vai vivenciar coisas que vão te transformar. Eu não teria perdido minha jornada com Rayya por nada deste mundo, mas não tenho certeza se a recomendaria. E definitivamente não quero fazer nada do tipo nunca mais. Porque, embora boa parte dessa caminhada seja mágica, muito dela foi excessivamente feia e dolorosa, e tenho certeza de que anulou alguns anos da minha vida.
Talvez seja por isso que não dá para conhecer muitas pessoas tão bem quanto conheci Rayya.
Talvez — às vezes penso — nós nem devamos seguir todo o caminho até o rio com ninguém.
Talvez chegue um ponto em que cada um precise percorrer seu caminho até o rio sozinho.
Rayya era alguém maior do que a vida, podemos dizer assim, mas também era uma viciada em álcool e cocaína em recuperação, ou, pelo menos, queria fazer os outros acreditarem que sim. O que começa como uma explosão de amor é chocado com a realidade da recusa de Rayya de fazer quimioterapia, até que a família dela a convence. Disposta a fazer somente 3 meses do tratamento, Rayya responde bem ao tratamento, mas sofre efeitos colaterais terríveis, enquanto vai vivendo com Liz e aproveitando a vida como podia, em grandes jantares e uma vida repleta de mimos proporcionados por sua namorada. Levada pela vontade de viver o tempo que lhe resta bem, Rayya realmente abandona o tratamento e ai sim, com a volta das dores causadas pelo câncer, tem prescrito remédios fortes demais, entre eles morfina, para melhorar sua qualidade de vida. E ai a recaída parece inevitavél.
Mas o grande problema nisso tudo é que Liz aceita tudo que Rayya decide, mesmo que isso afete sua já precaria saúde e isso signifique a mulher que conhecemos em “Comer, reza e amar” vá se drogar e beber até perder a noção da vida. Pensei muito sobre isso, e como alguém que vive com uma sentença de uma doença crônica e incurável (Lúpus, no meu caso) entendo que o medo faz com que tememos decisões absurdamente idiotas, mas aqui mostrava bem o que acontece quando pessoas se deparam com sua própria mortalidade: Rayya a principio parece aceitar muito bem a sua inevitável morte, mas, no final vemos que ela está assustada com o fim, como qualquer pessoa fica diante disso. Meu grande problema aqui foi entender que além do câncer, Rayya tinha outra doença, o vicio, e Liz estava alimentando aquele vício simplesmente para a agradar, mesmo que isso significasse uma piora no estado de saúde de Rayya, que parecia se recusar a entender o lugar no qual estava.
O que mais eu estava olhando?
Eu estava olhando uma pessoa que já tinha sido a única na face da Terra capaz de me fazer me sentir completamente segura e amada, mas que agora abusava de mim verbalmente o dia todo, me dizendo que eu era “um festival escroto de fracasso” quando o assunto era cuidar dela; que tudo que eu fazia para tentar ajudar estava errado; que eu era uma “chorona carente do caralho” que precisava “crescer de uma vez” e cuidar de mim mesma; que eu era tão absurdamente incompetente que nem sabia fazer uma simples torrada — porque Rayya já não tinha me instruído dez malditas vezes naquela semana para torrar o pão na torradeira não uma vez, não duas vezes, mas uma vez e meia para conseguir o tom certo de dourado? E ela já não tinha me dito para passar a manteiga até as malditas bordas da torrada, pelo amor de Deus, e não deixar nenhuma partezinha seca? Aquela torrada parecia estar com manteiga direito? Eu prestava atenção, por acaso? Eu escutava o que ela dizia? Eu prestava atenção em alguma coisa que ela dizia? Ou eu era só uma idiota burra e chorona que, em vez de ter vida própria, estava exigindo que uma pessoa que — eu não conseguia ver? — estava morrendo cuidasse dela a cada minuto do dia? A propósito, será que eu não via que ela também precisava de mais dinheiro porque a cocaína estava quase acabando? E eu não via que ela também precisava de mais agulhas limpas? Então o que eu estava fazendo parada ali olhando para ela como uma idiota em vez de ir ao centro buscar mais coisas limpas?
Era para isso que eu estava olhando.
As confusões, brigas e afins que enfrentam como casal faz Liz entender que há alguém tipo de vício nela própria, a qual acredita que é viada em amar e sexo (não necessariamente sexo, mas muito em amar e ser amada, em ser aceita e ter alguém) e isso parece ser a grande desculpa usada pela mulher para justificar todos os erros que cometeu e aqui fica a minha perplexidade de ver que a mulher é incapaz de compreender que é essencialmente egoísta – egoísta por tudo que escolhe fazer, egoísta por acreditar que seria capaz de cuidar de tudo que uma pessoa doente enfrente, egoísta por achar que agora era o suficiente para resolver a vida da pessoa que ela amava. Rayya era uma viciada e precisava ser tratada como tal, mas Liz justifica que estava tão embriagada de amor que não conseguia fazer o certo, e isso, pra mim, é extremamente problemático. Como disse antes, vi mulheres maravilhosas falando que entenderam todas as decisões de Liz, mas como alguém que precisou aceitar uma doença cedo na vida, não consigo compreender como alguém que ama patrocina e ajuda na descida de alguém. Mas, mais uma vez também, essa é a minha visão, contaminada pelas próprias experiências vividas.
A trama continua muito bem escrita, a narrativa sendo conduzida com maestria por Liz, a qual inclusive já resenhamos 2 livros (“Cidade das Garotas” – clique AQUI e leia a resenha, e também o famoso “Comer, rezar e amar” – clique AQUI e leia a resenha), que reflete o tempo inteiro sobre o que sentia e como via a situação agora, além de enriquecer o livro com desenhos e também poesias escritas por ela que mostram o tamanho da ferida que ela estava enfrentando depois da morte de sua companheira e o grande problema do livro para esta que vos escreve é realmente a protagonista, sua melhor amiga transmutada em grande amor e todo relacionamento delas, que não me arrancaram qualquer traço de empatia ou torcida por. A explicação da expressão “todo caminho até o rio” mostra o quanto as duas estavam envolvidas com a cidade de New York e também a forma como elas aprenderam a se referir a morte, tudo bastante bonito, pena que está beleza não pode se transformar em um relacionamento saudável e nem mesmo o relacionamento de amigas que as duas tiveram por mais de uma década foi uma rocha firme para o que poderia ter sido o grande amor da vida de Liz, que ainda fica nos devendo o seu “final feliz”. Aguardemos se ela irá nos contar o que vem a seguir em sua vida.
Para comprar “Todo o caminho até o rio”, basta clicar no nome da livraria:

