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Resenha: Perseguindo o Bicho-Papão – Richard Chizmar


“Perseguindo o Bicho-Papão”
Richard Chizmar
Tradução: Marcello Lino
Valentina – 2024 – 336 páginas

No verão de 1988, os corpos mutilados de quatro adolescentes desaparecidas começam a ser encontrados em uma pacata cidadezinha de Maryland. As provas macabras levam à aterrorizante suposição de que um serial killer está à solta naquele subúrbio tranquilo. Contudo, logo começa a se espalhar um boato de que o mal que está caçando as adolescentes pode não ser totalmente humano. Mas a polícia e o FBI têm certeza de que o assassino é um psicopata de carne e osso – e que está brincando com eles. Para uma comunidade outrora pacífica, agora aprisionada nas profundezas da paranoia e da desconfiança, parece que o pesadelo nunca vai acabar. O recém-formado Richard Chizmar volta para sua cidade natal no momento em que um toque de recolher é decretado e um grupo de vigilância de bairro é formado para fazer rondas. Em meio às preparações para o casamento e o início da carreira como escritor, ele logo se vê catapultado para o coração de uma história de terror verídica. Inspirado pelos eventos aterrorizantes, Chizmar escreve um relato pessoal do reino de terror do assassino em série, sem saber que aquele período de volta ao lar o assombraria por anos a fio.

Foi como andar de montanha russa: é exatamente assim que me sinto ao terminar “Perseguindo o bicho-papão“, e terminei no mais alto tom, querendo mais uma volta neste sobe e desce de emoções e experiências. Já conheço Richard Chizmar, com quem King escreveu a trilogia da Gwendy (leia as resenhas dos livros sem spoilers clicando AQUI.) e já sabia o quanto ele é capaz de prender os leitores as suas tramas, mas havia muito que não sabia sobre esta história. Entretanto, sabia que tinha feito tanto sucesso na gringa que ganhou uma continuação (falarei sobre mais adiante), o que obviamente já deixa claro o sucesso do livro.

Só não sabia que era como um romance biográfico, ou seja, um que mistura fatos reais da vida do autor com uma trama de ficção, mas um tipo bem especial porque é um jovem Richard Chizmar, aos 22 anos de idade, de volta a sua cidade Natal para morar com seus pais, alguns meses antes do seu casamento e economizar dinheiro, que cobre um serial killer e seus 4 assassinatos em 1988. Acho que já deu pra entender que não tem nada de muito leve aqui, certo? Mas não, não temos cenas gráficas e nem descrições das cenas das mortes, já como o livro é narrado em primeira pessoa e acompanhamos todo desenrolar até a descoberta de quem seria o tal bicho-papão pelos olhos do autor/protagonista. E se você se pergunta o que é real, eu te afirmo: todo resto. Richard, a família dele, a cidade, a esposa, os filhos, a amizade com King, tudo isso é mencionado na livro e é real, até mesmo o Acariciador Fantasma, tudo real – menos o serial killer, suas vítimas e alguns personagens centrais. E sim, passei parte da trama toda pesquisando sobre e depois descobrir que ele mesmo fala o que é real ou não nas notas do autor, no final.

Tive muito tempo para pensar a respeito — um pouco mais de um ano e meio, para ser exato — e acho que a locutora da rádio naquela distante tarde de junho tinha razão quando disse que era como se tivéssemos perdido a inocência. Depois de tudo o que havia acontecido, parecia que nunca mais voltaríamos a ser como antes.
E talvez não devêssemos mesmo.
Talvez o sofrimento sirva para isso: nunca esquecer o que perdemos.

O livro tem o formato de um livro sobre True crime, ou seja, um livro que cobre um crime real, a exemplo de “Columbine“, de Dave Cullen, que cobre o massacre da escola. Chizmar fez um trabalho tão bem feito que aqui temos até atores e atrizes posando em fotos como as personagens do livro, tudo para dar mais este ar de realidade para sua trama. Até mesmo o calendário de 1988 é o real (sim, fui pesquisar), e realmente a mistura do real com a ficção aqui se torna tão tênue que aposto que tem leitores aí fora que acreditaram que a trama contada foi real e estas mortes aconteceram.

E talvez porque não soubesse o que me esperava, tomei um choque ao começar a ler. Foi difícil cair na trama porque estava uma narrativa como já conhecemos e não um livro de True crime em sua total glória. No começo, Chizmar faz questão de falar muito sobre sua cidade e palco desta narrativa, Edgewood, e confesso que este começo foi o ponto baixo da trama porque realmente é tedioso saber sobre uma cidade pequena no qual todos se conhecem. E este é o único ponto negativo deste livro, porque quando as mortes começam a acontecer, é uma subida em alta velocidade que nos espera a frente.

Eu tinha perdido uma disputa de cara ou coroa mais cedo naquela manhã e estava indo comprar comida chinesa para todos quando o rádio do carro começou a transmitir um boletim de notícias. Quase pisei com toda a força no freio no meio da Greenbelt Road quando ouvi o repórter mencionar “uma jovem do subúrbio de Edgewood” e o sobrenome da vítima. Rezando para estar enganado, liguei para casa assim que voltei ao apartamento e falei com meu pai. Ele não sabia muito mais do que eu, só o suficiente para confirmar que tinha de fato sido nossa vizinha Natasha. A conversa foi breve e soturna.
O crime ganhou destaque no noticiário da noite e na primeira página de vários jornais locais no dia seguinte. Naquela mesma tarde, liguei para alguns velhos amigos e ouvi o resto da história.

Acompanhando um Chizmar em início de carreira e recém saído da faculdade de jornalismo, tentando fazer sua revista de contos funcionar e se tornar estável em publicações, esperando economizar para seu eminente casamento com Kara (a quem esta trama é dedicada), vemos a amizade dele com Carly Albright, uma jornalista do jornal local, começar a florescer quando a morte da jovem Natasha Gallagher acontece. Já recolhida a seu quarto para dormir, a garota sumiu do seu quarto, só tendo a falta sentida na manhã seguinte por sua mãe que viu um pingo de sangue na beirada de sua janela e a tela de proteção caída no jardim – e seu corpo encontrado logo mais. A cidade tão pequena fica em choque, claro, e o jovem Chizmar começa a ouvir o rádio da polícia e trocar informações com sua amiga Carly. Não demora nada e então Kacey Robinson também some em questões de segundos enquanto esperava na rua sua melhor amiga – para ter seu corpo encontrado ainda na mesma noite. Aí sim, a desconfiança se alastra pela cidade, que nunca viveu algo assim, o medo fazendo fechaduras e sistemas de alarmes serem vendidos como nunca porque o crime da jovem foi mais violento ainda, já como ela foi violentada sexualmente, ao contrário da primeira vitima.

Quando Madeline Wilcox some na calçada de sua casa, deixando a porta do seu carro aberta e fazendo sua mãe se desesperar, parece mais do que certo que a cidade vai explodir de medo. Toque de recolher, paranoia, tudo isso vai acontecendo enquanto Chizmar começa a se aproximar mais do detetive que cuida do caso, Lyle Harper, sempre próximo de Carly, ainda tendo descobrir sobre as jovens que foram assassinadas e tiveram suas orelhas cortadas. Há ainda informações que a policia está escondendo da população: alguns sinais que parecem indicar algum tipo de ritual sinistro, como a amarelinha com somente o número 3 em todas casas na porta dos Gallagher, um cartaz atrás de um cachorro perdido que ninguém sabe quem é o dono com um telefone repleto de 4 na rua dos Robinson e ainda 5 moedas no corpo de Madeline. Então tudo parece acalmar por algumas semanas, mas Cassidy Burch também some no trajeto de descer do carro de uma amiga até a porta de sua casa e tudo parece realmente desesperador.

É um personagem inventado, Rich. Você sabe disso tão bem quanto eu. Ao contrário dos autores, a maioria desses caras não são gênios. Nem de longe.
Eu sei, eu sei”, respirei fundo e tentei encontrar as palavras certas. “Só acho que… se ele foi suficientemente cuidadoso para não deixar para trás um grão de prova que fosse, e ousado o suficiente para zombar da polícia com esses padrões numéricos, então seria razoável acreditar que ele é bem inteligente.
Ou que você simplesmente quer que ele seja inteligente. Nem sabemos se a pessoa que fez isso foi a mesma que deixou para trás a amarelinha e o cartaz. Talvez seja apenas alguma espécie de jogo bizarro.
Por que diabos eu ia querer que ele fosse inteligente?
Porque daria uma história melhor”, ela respondeu sem hesitação.

Como vocês podem imaginar, falei somente o que está na sinopse: 4 mortes de um serial killer, mas há muitos elementos nessa trama que merecem te surpreender como me surpreenderam. A trama é veloz, ágil, e depois de superado a parte inicial e com a trama ambientada e personagens apresentados, fica claro que teremos uma caça frenética mesmo sem estarmos acompanhando a polícia ou nenhum detetive, já como Chizmar sente-se observado, com direito a uma cena de verdadeiro filme de terror com alguém o observando e usando máscara na noite de uma das mortes.

Um dos melhores suspenses com pezinho no terror, “Perseguindo o bicho-papão” era minha leitura mais esperada do mês e o saldo final foi de tirar meu fôlego por motivos de… spoilers e claro que não falarei pra vocês. Como falei acima, o livro ganhou uma continuação chamada “Becoming The boogeyman” (“Se tornando o bicho-papão“, em tradução livre), já lançado lá fora e confirmado pela Editora Valentina aqui no Brasil para o ano que vem – mas não indico para vocês lerem a sinopse da continuação sem ler este livro porque entrega quem é o famigerado “bicho-papão” (ainda bem que só a li depois que terminei minha leitura). E sim, acertei quem ele seria, e, assim como King, Chizmar esta aqui para nos provar que os maiores monstros não são os sobrenaturais e sim os seres humanos.

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