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Resenha: O Concorrente – Stephen King


“O Concorrente”
Stephen King
Tradução: Vera Ribeiro
Arte de capa: Estúdio Nono
Suma – 2025 – 312 páginas

No ano de 2025, os Estados Unidos afundaram em miséria, poluição e repressão. A única coisa que ainda funciona ― e muito bem ― é a televisão. Controlada por uma megacorporação implacável, a programação oferece ao povo o que ele mais deseja: violência, drama e sangue ao vivo. É nesse contexto sufocante que Ben Richards, um homem desesperado, sem emprego e com uma filha doente, aceita participar de O Foragido, o reality show mais mortal da grade: trinta dias de fuga ininterrupta, enquanto é caçado por assassinos profissionais. Cada passo seu é filmado. Cada delator ganha um prêmio. Cada erro pode ser fatal.

Ao longo de uma caçada que se estende por cidades, florestas e ruínas industriais, Richards se torna algo mais do que apenas um alvo: ele se torna um símbolo incômodo de resistência em um mundo onde a vida humana vale menos que a audiência do horário nobre. Mas esta não é uma história de heróis. Com ritmo alucinante, crítica afiada e um pessimismo quase profético, O concorrente revela o lado mais sombrio de uma sociedade viciada em espetáculo.

Escrito por Stephen King sob o pseudônimo Richard Bachman, este romance distópico é um clássico cult que antecipa a era dos reality shows, da vigilância e da desumanização como entretenimento, e que nos obriga a perguntar: até onde estamos dispostos a ir por diversão?

Mais um livro da coleção “Os Livros de Bachman”, que foram os e (são 7 livros, mas 1 está fora de circulação a pedido do próprio King) livros publicados por Stephen King sob o pseudônimo. Nos anos 80/90, enquanto estes livros foram publicados, o mercado editorial acreditava que um livro por ano de um escritor era o suficiente para o mercado o receber e ter sucesso comercial, só que quem acompanha King sabe bem que ele é completamente ativo e escreve todos os dias, então um livro por ano estava pouco pra ele – sim. A solução? Criar um pseudônimo e lançar estes livros sobre este nome. E assim foi feito até 1985, quando o autor passou a ser chantageado, revelando ao mundo que Bachman era, na verdade, King. E para surpresa de ninguém, isto virou material para “A metade negra”, mais um livro do King (e que você pode ler a nossa resenha sem spoilers clicando AQUI).

Mas há uma explicação no final deste livro que achei muito King: em “A importância de ser Bachman”, no final do livro, o mestre do terror (e de todos gêneros que queira) explica realmente porque, para ele, era bom ter esse alter ego, que podia ser mais sombrio do que ele próprio aceitava ser em seus livros e comparando Bachman a um dia chuvoso e ao próprio King como alguém que entende que no final, os mocinhos sempre vão ganhar, de um jeito ou de outro. Cada vez mais fico completamente encantada pela mente do King e olha que já sou fã dele antes mesmo de começar a ler seus livros – e aqui podem rir porque adorava dois filmes baseados em suas obras e que ele claramente não gosta: “O Iluminado” e “O Sobrevivente”. E por que isso é importante: Porque “O Sobrevivente” é baseado em “O Concorrente”, mas King exigiu que seu nome sequer fosse creditado de tantas mudanças que há na história e que ficou com os créditos foi… Bachman. King, você é um Rei. Sem trocadilho aqui. Agora vamos falar da trama distópica (sim!) escrita por este senhor.

Parabéns — disse ele. — Vocês conseguiram.
Houve um enorme suspiro coletivo, seguido por algumas risadas e tapinhas nas costas. Mais cigarros foram acesos.
Viva — repetiu a voz amarga.
Daqui a pouco, vocês serão informados dos programas para os quais foram designados e do número de seus quartos no sétimo andar. Os produtores-executivos de cada programa explicarão de maneira mais exata o que é esperado de vocês. Antes que isso aconteça, porém, quero apenas repetir minhas congratulações e dizer que os considero um grupo corajoso e desenvolto, que se recusa a viver da assistência pública, quando têm a seu dispor os meios para se portarem como homens e, eu acrescentaria, pessoalmente, como verdadeiros heróis de nossa época.
Conversa mole — comentou a voz amarga.

Começo assinalando que tenha em mente que este livro foi publicado em 1982, enquanto a trama se passa em 2025 (ótimo timing, Suminha!) e mesmo que assustadoramente King encontrou diversos pontos reais em nossa sociedade atual, não havia como ele prever o surgimento de nuvens de armazenamento e vídeos online e no qual esperávamos transportes coletivos mais rápidos, fora do chão e aviões comerciais à jato. Uma grande cidade ficcional, Co-op City, suja e repleta de pessoas que precisam de ajuda, é o cenário inicial da trama, mas que pode refletir qualquer grande cidade do mundo atual. Mantenha isso em mente e veja o quão atual esta trama é, a ponto de ser (sério) assustadora.

Benjamin Stuart Richards é um homem de 28 anos, casado com Sheila e completamente apaixonado. O casal tem uma filha, Cathy, que tem dezoito meses e está doente com influenza, sem nunca melhorar. Ben ficou desempregado e a vida simplesmente saiu dos rumos, a filha nascendo depois disso, levando a esposa a se prostituir para conseguir dinheiro para manter a família e conseguir algum tipo de remédio para a filha. A sociedade ruiu em seu sentido mais moral, a assistência mal acontece, a ajuda é falha e ninguém parece realmente se importar com o próximo. Ao mesmo tempo que as pessoas parecem mais individualistas do que nunca, a GratuiTV reina absoluta, com seus diversos realities shows colocando pessoas com problemas cardíacos e respiratórios para tentarem “vencerem” corridas em esteiras até o ponto de morrerem. Tudo pela diversão da sociedade, que está mais doente do que aqueles que assistem sem parar na TV. E é por dinheiro que Ben decide tentar uma vaga em um desses realities.

— Sou Dan Killian, sr. Richards. A esta altura, o senhor já deve ter adivinhado porque foi trazido aqui. Nossos registros e suas notas nas provas dizem que o senhor é um rapaz inteligente.
Richards cruzou as mãos e aguardou.
O senhor foi listado como um dos concorrentes de O Foragido, sr. Richards. É nosso principal programa. É o mais lucrativo… e perigoso… para os homens envolvidos. Tenho o seu formulário final de consentimento aqui na minha mesa. Não tenho dúvida de que o assinará, mas primeiro quero dizer por que o senhor foi selecionado, e quero que compreenda plenamente no que está entrando.

Entre todos os programas que acontecem, O Foragido é o principal. Maior audiência da GratuiTV, aqui os concorrentes têm que fugir de absolutamente todos porque qualquer pessoa que vê os dois concorrentes, pode “denunciar” onde viu o concorrente e ganhar um prêmio, enquanto o foragido que está em fuga ganha 100 dólares por hora e caso consiga fugir por 30 dias ganhará um prêmio de 1 bilhão de dólares novos, enquanto também é caçado por uma equipe de caçadores especializados que provavelmente o pegará, ou seja: todos estão caçando os participantes dessa insanidade. Mas a grande sacada é aceitar pessoas desesperadas o suficiente para participarem e muito provavelmente morrerem durante essa fuga desespera e os transforarem em criminosos, pessoas desprezíveis e capazes de matar qualquer um para continuarem a fugir, em uma verdadeira manipulação da sociedade para terem medo daqueles homens e o delatarem quando o verem. Parece uma grande sacada, mas eles não esperavam que um dia chegasse alguém tão desesperado a ponto de enfrentar o sistema, e é isso que vemos Ben fazer.

Tudo fica bem claro e estabelecido desde começo em uma trama muito, muito veloz e com contagem regressiva em cada capítulo, trazendo a antecipação de um final repleto de sentimentos de satisfação e também de tristeza. A manipulação da mídia e a forma como a TV aqui é usada para controlar as pessoas e o governo esconde as informações reais da população é algo assustador e brilhantemente composto por King, dando ao leitor a sensação de que estamos mesmo em uma distopia das mais clássicas. É impossível não ler “O Concorrente” e não pensar em como falhamos como sociedade com tantos paralelos atuais, sem contar com os pontos que fazem o leitor pensar que o Big Brother foi inspirado em “1984”, mas também há pitadas de “O Concorrente” porque até o mesmo dia de estreia – terça-feira – é o mesmo. Parece que a vida imita a arte mais vezes do que imaginamos.

Canalhas! — gritou ele. — Se querem tanto ver alguém morrer, por que não matam uns aos outros?
Suas últimas palavras foram abafadas por mais gritos. Algumas pessoas da plateia (talvez pagas para isso) tentavam subir no palco. Os policiais as continham. Richards as encarou, sabendo com que aparência devia estar.
Obrigado, sr. Richards, por essas sábias palavras — disse Thompson. O desprezo era palpável, e a multidão, de novo quase em silêncio, absorvia-o inteiro. — O senhor quer dizer a nossa plateia do estúdio e ao público em casa quanto tempo acha que pode aguentar?
Quero dizer a todos, no estúdio e em casa, que aquela não era a minha mulher. Aquilo era uma falsificação barata…
A multidão abafou sua fala. Os gritos de ódio haviam atingido um novo tom febril. Thompson esperou quase um minuto para que ela se aquietasse um pouco, e repetiu:
Quanto tempo espera aguentar, sr. Richards?
Espero chegar ao fim dos trinta dias — disse Richards, com frieza. — Acho que vocês não têm ninguém que consiga me pegar.
Mais gritos. Punhos agitados. Alguém atirou um tomate.

Apesar dos seus 100 capítulos, o livro não tem tantas páginas e diversos capítulos são bastante curtos e a trama se foca na fuga desesperada de Ben, pulando de lugares a lugares, encontrando ajuda em pessoas inesperadas e disfarces, mas o protagonista do livro é alguém enfraquecido fisicamente, com fome e doente, mesmo que ainda não constatado, mas bastante claro. As personagens coadjuvantes são diversas, mas a verdade é que somente Dan Killian, o produtor executivo do reality show, que deixa claro, desde o primeiro encontro com Ben, se orgulhar que seu programa nunca teve um vencedor e não deverá ser agora que isto mudará. A personificação de tudo que estava de errado com a sociedade retratada, Killian é o tipo de vilão que mostra que absolutamente nada poder ser pior do que outro ser humano em posição com poder. Ainda dou certa luz a Evan McCone, o maior dos caçadores que aparece com mais destaque mais para o final da trama.

A critica ao que a sociedade viria a se tornar em partes é real e torna a leitura bastante profunda em alguns pontos, mas não há como se negar que o livro é realmente uma aventura que não para um segundo sequer. A trama está ganhando uma adaptação que mantêm o titulo do livro bem mais fiel agora com Glen Powell como Ben (você pode ver o trailer clicando AQUI), e acho que a maior parte de vocês devem assistir, certo? No filme antigo, a diferença entre a trama e o filme é tamanha que tomei um choque – quem já leu algumas das minhas resenhas já sabe que fui cria das scifics dos anos 90, e “O Sobrevivente”, nome que o filme de 1987 ganhou aqui no Brasil, estrelado por Arnold Schwarzenegger, tinha uma trama totalmente diferente: Ben não tinha família, era um militar que se recusa a cumprir ordens e por isso é mandado para o programa de TV e a partir dai a trama principal é parecida: derrubar o sistema. Entre filme do qual tenho memória afetiva e uma nova adaptação, sei que já li e fui sugada pela temática distópica desta trama e ainda estou com o final em mente, esperando que o novo filme o reproduza para tudo terminar do jeito que Bachman acha que deveria terminar. E concordo com ele.

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