Lady Midnight – Cap. 3: Highborn Kinsmen (Parentes Fidalgos)

padrao_TDA

__________________________________________________________________________________

“E onde os papéis da Paz Fria foram assinados?”
Era um dia claro e distrativo. Luz do Sol se derramava pelas altas janelas iluminando a lousa na a qual Diana estava na frente, batendo na palma da mão esquerda com uma estela.
Emma olhou de soslaio para Jules, mas ele estava com a cabeça abaixada sobre alguns papeis. Eles não haviam realmente conversado até ali naquele dia, exceto serem educados um com o outro no café da manhã. Ela havia acordado sentindo seu estomago vazio e com suas mãos doloridas por apertar os lençóis.
E também, Church a havia abandonado em algum momento durante a noite. Gato estúpido.
“Em Idris,” disse Livvy. “No Hall dos Acordos. A Rainha Seelie estava isolada, então os papeis foram assinados pelo Regente. O Rei Unseelie não compareceu, então tecnicamente as fadas da corte de Unseelie não fazem parte da Paz Fria.”
“Correto.” Diana sorriu. “O que isso significa para as fadas da corte de Unseelie?”
“Elas não estão protegidas pelos Acordos,” disse Ty. “É proibido ajudá-las e elas são proibidas de contatar caçadores de sombras.”
“Caçadores de Sombras são proibidos de contatar quaisquer fadas sem a permissão da Clave,” Jules acrescentou. Ele parecia calmo – Ele parecia exausto, na verdade. Haviam círculos escuros em seus olhos.
Emma e Julian não brigavam. Eles nunca brigavam. Ela se perguntou se ele estava tão perplexo quanto ela. Ela continuou ouvindo o que ele havia dito, de novo e de novo: que ele não teria querido um parabatai. Parte dela nunca quis falar sobre isso novamente, mas outra parte queria esclarecimento. Era nenhum parabatai que ele não queria, ou ela especificamente?
“E o que é a Clave, Tavvy?”. Era uma questão muito elementar para qualquer um do resto deles, mas Tavvy pareceu feliz por poder responder algo.
“O governo dos Caçadores de Sombras,” ele disse. “Caçadores de Sombras ativos fazem parte da Clave. Os que tomam decisões são o Conselho. Existem três seres do submundo no Conselho, cada um representando uma raça diferente dos seres do Submundo. Feiticeiros, Lobisomens e Vampiros. Não existe um representante das Fadas desde a Guerra Maligna.”
“Muito Bom,” disse Diana, e Tavyy abriu um grande sorriso. “Alguém pode me dizer quais outras mudanças foram trazidas pelo conselho desde o fim da guerra?”
”Bem, a Academia dos Caçadores de Sombras foi reaberta,” disse Emma. Isso era território familiar para ela – Ela havia sido convidada pela Consul a ser uma das primeiras estudantes. Ela havia escolhido ficar com os Blackthorns em vez disso. Parte para poder ser Parabatai de Julian. “Muitos Caçadores de Sombras estão sendo treinados lá agora, e é claro eles trouxeram muitos candidatos esperançosos à ascensão – Mundanos que querem se tornar Nephilim.”
“A Paetor Lupus foi restaurada por Maia Roberts e Bartholomew Velasquez,” disse Livvy, virando as páginas do seu Códex.
“Eles não são a Clave,”
disse Ty. “Eles são seres do Submundo. E a Praetor Lupus é uma organização do Submundo.”
Livvy mostrou a língua para ele.
“O Scholomance,”
disse Julian. Seus cachos caindo contra suas bochechas conforme ele levantou sua cabeça, escuros e brilhosos. “O Scholomance treina os Caçadores de Sombras de elite. Aqueles que se formam com as maiores notas da Academia. Alguns deles se tornam Centuriões, aos quais são confiados missões especiais. Alguns se tornam chefes de Institutos.”
“O Tio Arthur foi Centurião?”
perguntou Tavvy, de olhos arregalados.
“Não,”
disse Diana. “Arthur se tornou chefe de instituto antes da reabertura do Scholomance.”
Cristina, que estava sentada próxima à janela, levantou sua mão para interromper. “Tem alguém vindo na direção da casa,” ela disse. “Várias pessoas, na verdade.”
Emma olhou para Jules de novo. Era raro que alguém fizesse uma visita inesperada ao Instituto. Existiam poucas pessoas que poderiam – até mesmo membros do Conclave teriam marcado um encontro com Arthur. Mas então, talvez alguém tivesse marcado um encontro com Arthur. Entretanto pela expressão no rosto de Julian, se eles o fizeram, era um encontro que ele não ficou sabendo.
Cristina, que havia se posto de pé, puxou o ar. “Fadas,” ela disse, a palavra surgindo de uma destacada batida de espanto. “Fadas.”
Todos correram para a grande janela que ia pela parede principal da sala. A Janela em si dava para frente do Instituto e para o tortuoso caminho que descia levando das portas para a estrada que os separava da praia e do mar. O céu estava alto e azul e sem nuvens. A luz do sol brilhava nas rédeas prateadas dos três cavalos, cada um com um cavaleiro sentado em suas costas sem celas.
O primeiro cavalo era negro, e o cavaleiro que o montava vestia uma armadura negra que parecia de folhas queimadas. O segundo cavalo era tão negro quanto o primeiro, e o cavaleiro que o montava usava um robe cor de marfim. O terceiro cavalo era marrom e seu cavaleiro estava enrolado dos pés à cabeça em um robe com capuz de cor de madeira. Emma não conseguia dizer se era homem ou mulher, adulto ou criança.
“Então primeiro deixe passar os cavalos negros e em seguida deixe passar o marrom,”
Jules murmurou. Seu ombro bateu no de Emma. Ela mordeu os lábios.
“Um preto, um marrom, um branco – é uma delegação oficial. Das Cortes.”
Julian olhou através da sala para Diana. “Eu não sabia que Arthur tinha uma reunião com uma delegação das Fadas. Você acha que ele contou à Clave?”
Ela balançou a cabeça, claramente confusa. “Eu não sei. Ele nunca mencionou isso comigo.”
O corpo de Julian estava tenso como a corda de um arco: Emma podia sentir a tensão vindo dele. Uma delegação das Fadas era raro, coisa séria. Permissão da Clave deveria ser concedida antes que uma reunião pudesse ser realizada. Até mesmo pelo responsável de um Instituto. “Diana, eu tenho que ir,” disse ele.
Franzindo a testa, Diana bateu sua estela em uma de suas mãos, depois acenou. “Certo. Pode ir.”
“Eu vou com você.”
Emma deslizou do assento da janela.
Julian, já andando em direção à porta, parou e virou-se. Seus olhos estavam indecifráveis. O que ele estava pensando? “Não,” ele disse calmamente. “Está tudo bem. Eu vou cuidar disso.”
Ele saiu da sala. Por um momento Emma não se moveu.
Normalmente se Julian falasse para ela que ele não precisava dela com ele, ou que ele tinha de fazer algo sozinho, ela não teria pensado duas vezes. Algumas vezes eventos precisavam que se separassem.
Mas a noite anterior havia solidificado a sua apreensão: Ela não sabia o que estava acontecendo com Jules. Ela não sabia se ele não a queria com ele, ou queria, mas estava com raiva dela ou com raiva dele mesmo, ou ambos.
Ela apenas sabia que o Povo das Fadas era perigoso, e não havia como Julian os enfrentar sozinho.
“Eu estou indo,”
ela disse, e foi em direção à porta. Ela parou para pegar Cortana, que estava pendurada ao lado.
“Emma,”
disse Diana, sua voz cheia de significado. “Tenha cuidado.”
A última vez que fadas estiveram no Instituto, elas estavam ajudando Sebastian Morgenstern a arrancar a alma do corpo do pai de Julian. Elas haviam levado Mark. Elas acabaram com a vida da tutora dos Blackthorn.
Emma havia carregado Tavvy e Dru para um lugar seguro. Ela tinha ajudado a salvar as vidas dos irmãos e irmãs mais novos de Julian. Eles quase não escaparam vivos.
Mas Emma não tinha tido anos de treinamento na época. Ela não tinha matado um único demônio sozinha, não quando ela tinha doze anos. Ela não tinha passado anos treinando para lutar e matar e defender.
De jeito algum ela hesitaria agora. Ela saiu pela porta e deixou-a bater atrás dela.

Fadas.
Julian desceu o corredor e entrou em seu quarto, sua mente girando.
Fadas na porta do Instituto. Três cavalos: dois pretos, um marrom. Um contingente da Corte das fadas, se da Seelie ou Unseelie, Julian não sabia dizer. Eles não pareciam estar carregando uma bandeira.
Elas iriam querer conversar. Se havia uma coisa na qual as fadas eram boas, era enrolar os humanos. Até mesmo Caçadores de Sombras. Eles conseguiam retirar a verdade de uma mentira, e ver a mentira no coração de uma verdade.
Ele pegou a jaqueta que estava usando no dia anterior. Lá estava, no bolso interno. O frasco que Malcolm tinha dado a ele. Ele não esperava precisar dele tão cedo. Ele esperava–
Bem, não importa o que ele esperava. Ele pensou brevemente em Emma, e o caos de esperanças quebradas que ela representava. Mas agora não era o momento para pensar sobre isso; segurando o frasco, Julian começou a correr novamente. Ele chegou ao fim do corredor e escancarou a porta para o sótão. Ele subiu as escadas batendo os pés, e entrou no escritório de seu tio.
Tio Arthur estava sentado em sua mesa, usando uma camiseta levemente amassada, jeans e mocassins. Seu cabelo castanho acinzentado quase na altura dos ombros. Ele estava comparando dois pesados livros, murmurando e anotando coisas quando entrou.
“Tio Arthur.” Julian se aproximou da mesa. “Tio Arthur!”
Tio Arthur fez um gesto mandando-o embora. “Eu estou no meio de algo importante. Algo muito importante, Tiberius.”
“Eu sou o Julian”. J
ulian falou automaticamente. Ele se moveu para trás do seu tio e fechou com força os dois livros. Arthur olhou para ele com surpresa, seus olhos azuis arregalados. “Há uma delegação aqui. Das Fadas. Você sabia que elas estavam vindo?”
“Sim, muito tedioso.”
Tio Arthur suspirou e fez um vago gesto em direção à claraboia. “Mensagens depois de mensagens, quando eles deveriam saber o quão ocupado eu estou.”
Julian pediu silenciosamente por paciência. “As mensagens, onde estão as mensagens?”
“Elas foram escritas em folhas de árvore,”
disse Arthur. “Elas se desintegraram. Palavras são tão instáveis, Julian. Você sabia que quando Keats morreu, ele tinha Aqui jaz um homem cujo nome estava escrito em água inscrito em sua lápide? Todos os nossos nomes serão esquecidos algum dia.”
“Sim,”
disse Julian.
“Minha monografia está quase pronta. Ainda assim eles insistiram.”
“Insistiram em quê, exatamente?”
“Bem, uma reunião, é claro.”
Julian respirou fundo. “Você sabe sobre o que se trata a reunião, Tio Arthur?”
“Tenho certeza que eles mencionaram isso em sua correspondência…”
Tio Arthur disse vagamente. “Mas eu não me lembro.” Ele olhou para Julian. “Talvez os fantasmas levaram a correspondência.”
Julian ficou tenso. Arthur tinha diferentes tipos de dias: aqueles calmos, em que ele se sentava silenciosamente sem responder a perguntas, e havia os dias sombrios, em que ele se afundava em uma tristeza amarga. Ele fazer menção dos mortos não significava nem um dia sombrio e nem um dia calmo, mas sim o pior tipo de dia, um dia caótico, um dia em que Arthur faria nada do que Julian esperasse – quando ele poderia ter um surto de raiva, ou desabasse em lágrimas. O tipo de dia que trazia um gosto amargo de pânico para o fundo da garganta de Julian.
Julian colocou sua mão sobre a de Arthur. A mão de seu tio era esguia e ossuda; parecia ser a mão de um homem muito mais velho. “Eu gostaria que você não fosse ao encontro. Mas eles suspeitariam se você não fosse.”
Arthur tirou os óculos de seu rosto e friccionou a parte superior de seu nariz. “Minha monografia…”
“Eu sei,”
Julian disse. “É importante. Mas isso também é importante. Não apenas para a Paz Fria, mas para nós. Para a Helen. Para o Mark.”
“Você se lembra do Mark?”
Arthur disse. Seus olhos eram mais claros sem os óculos. “Faz tanto tempo.”
”Não tanto tempo assim, tio,”
disse Julian. “Eu lembro dele perfeitamente.”
“Mas parece mesmo que foi ontem.”
Arthur estremeceu. “Eu me lembro dos guerreiros do Povo das Fadas. Eles vieram para o Instituto de Londres com suas armaduras cobertas de sangue. Tanto sangue, como se eles estivessem nas linhas de Aqueia quando Zeus fez chover sangue.” Sua mão, segurando os óculos, tremeu. “Eu não posso vê-los”.
“Você precisa,”
Julian disse. Ele pensou em tudo o que não foi mencionado: que ele mesmo era uma criança durante a Guerra Maligna, que ele viu as fadas abaterem crianças, ouviu os gritos da Caçada Selvagem. Mas ele não disse nada disso. “Tio, você deve.”
“Se eu tivesse meu medicamento…,”
Arthur disse fracamente. “Mas eu acabei com tudo enquanto você estava fora.”
“Eu tenho.”
Do seu bolso, Julian tirou o frasco. “Você deveria ter pedido mais para o Malcolm.”
“Eu não me lembrei.”
Arthur retornou os óculos para o seu nariz, observando enquanto Julian derrubava o conteúdo do frasco em um copo de água na escrivaninha. “Como encontrá-lo… em quem confiar.”
“Você pode confiar em mim,”
Julian disse, quase se asfixiando com suas palavras, e deu o copo para seu tio. “Aqui. Você sabe como os membros do Povo das Fadas são. Eles se alimentam da incerteza humana e levam vantagem disso. Isso te ajudará a ficar mais calmo, mesmo que eles tentem suas artimanhas.”
“Sim.”
Arthur olhou para o copo, com um misto de anseio e medo. O conteúdo do copo o afetaria por uma hora, talvez menos. Depois disso ele teria uma dor de cabeça ofuscante e incapacitante que provavelmente o deixaria de cama por dias. Era por isso que Julian quase nunca dava isso para ele: os efeitos colaterais raramente valiam a pena, mas valeriam a pena agora. Teriam que valer.
O Tio Arthur hesitou. Lentamente ele levantou o copo para a sua boca, balançando a água dentro. Lentamente ele engoliu.
O efeito foi instantâneo. De repente tudo sobre o Arthur parecia mais aguçado, se tornado mais vivo, claro, preciso, como um rascunho que tivesse sido refinado por um desenho cuidadoso. Ele ficou de pé e pegou a jaqueta que estava pendurada em um cabide preso à sua escrivaninha. “Vá depressa lá pra baixo, Jules,” ele disse. “Eles estarão no Santuário. Diga a eles que estou chegando.” Sua voz estava calma. Normal.
Se existisse realmente algo normal.
“Vá, então,”
Arthur disse. “Eu tenho que trocar de roupa. Eu estarei lá em baixo o mais rápido possível. Fique com eles até isso.”
Julian mordeu seus lábios, e distraidamente sentiu o gosto de sangue. Cobre e sal. Ele olhou para seu relógio e foi em direção ao Santuário.

Todo Instituto tinha um Santuário.
Sempre fora assim. O Instituto era uma mistura de prefeitura e moradia, um lugar aonde os Caçadores de Sombras e Seres do Submundo vinham se encontrar com o chefe do Instituto. O chefe era o representante local da Clave. Em todo o sul da Califórnia, não havia Caçador de Sombras mais importante que o chefe do Instituto de Los Angeles. E o lugar mais seguro para se encontrar com ele era o Santuário, onde vampiros não precisavam temer o solo sagrado, e todos os Seres do Submundo estavam protegidos por juramentos.
O Santuário tinha dois pares de portas. Um levava para dentro, e poderia ser usado por qualquer um, que se encontraria dentro de uma enorme sala de pedra. As outras portas conectavam o interior do Instituto ao Santuário. Elas poderiam ser usadas apenas por Caçadores de Sombras. Como as portas da entrada do Instituto, as portas internas do Santuário se abriam apenas para aqueles com sangue de Caçador de Sombras.
Emma parou no patamar das escadas para olhar pela janela para a delegação do Povo das Fadas. Ela havia visto seus cavalos, sem cela, amarrados próximos às escadas. Se os homens do Povo das Fadas tinha alguma experiência com Caçadores de Sombras, e eles provavelmente tinham, já estariam dentro do Santuário, esperando.
As portas interiores do Santuário ficavam no final de um corredor que levava para a entrada do Instituto. Elas eram feitas de cobre que já tinha se tornado há muito tempo verde com verdete; runas de proteção e boas-vindas estavam dispostas ao redor da treliça das portas como videiras.
Emma podia ouvir vozes vindas do outro lado das portas: vozes não familiares, uma clara como a água, e a outra aguda como um galho estalando com os pés. Ela segurou com mais força o punho de sua espada Cortana, e passou pelas portas.
O santuário mesmo foi construído na forma de uma lua crescente, virado para as montanhas – os cânions repletos de sombras, o arbusto verde-prateado disperso pela paisagem. As montanhas bloqueavam o sol, mas o cômodo era claro, graças ao lustre pendurado no teto. Luzes saiam do vidro lapidado e iluminava o chão estilo tabuleiro de damas: alternando quadrados de madeira claros e escuros. Se você subisse no lustre e olhasse para baixo, eles próprios revelavam a runa do Poder Angelical.
Não que Emma admitiria ter feito isso.
No centro do cômodo estavam as fadas. Havia só duas delas, a que estava com um robe branco e a que estava com uma armadura preta. Em lugar nenhum ela conseguia ver o cavaleiro vestido de marrom. Nenhum de seus rostos estava visível. Ela pode ver a ponta dos dedos de longas e pálidas mãos estendendo-se além de suas mangas, mas não conseguiu decifrar se eram do sexo masculino ou feminino.
Emma podia sentir um poder selvagem, pesado emanando deles, o limite ofegante de um outro mundo. Um sentimento como um frio toque de terra molhada passou por sua pele, carregando o cheiro de raízes e folhas e flor de jacarandá.
O homem-fada de preto riu e abaixou seu capuz. Emma o encarou. Cabelo da cor de escuras folhas verdes, pele pálida, olhos amarelos como os de uma coruja. Suas mãos eram rudes e pareciam cascas de árvores, e cada unha era um espinho.
Era o homem-fada que havia visto no Sepulcro na noite anterior.
“Nós encontramos de novo, Formosa,” ele disse, e sua boca, que era como uma fenda na casca de uma árvore, sorriu. “Eu sou Iarlath da Corte Seelie. Meu companheiro é Kieran da Caça. Kieran, abaixe seu capuz.”
O homem-fada levantou suas duas finas mãos, cada uma delas terminadas com unhas quase translúcidas e quadradas. Ele pegou as extremidades de seu capuz e o empurrou para trás com um gesto impetuoso, quase rebelde.
Emma reprimiu um suspiro. Ele era lindo. Não como Julian era, ou Cristina – de suaves maneiras humanas – mas como a pesada e cintilante extremidade cortante de Cortana. Cabelo azul escuro, a cor de tinta cobalto, emoldurava uma face esculpida. Seus olhos eram bicolores: o da esquerda preto e o da direita prata. Ele usava a surrada armadura branca que o proclamava Príncipe das Fadas, mas seus olhos – seus olhos diziam que fazia parte da Caçada Selvagem.
“Isso é por causa da outra noite?” disse Emma, olhando de Iarlath para Kieran. “No Sepulcro?”
“Em parte,” disse Iarlath. A voz dele soou como o quebrar de galhos no vento. Como o lado obscuro de florestas de contos de fada, onde somente monstros viviam. Emma perguntou-se se havia ouvido isso no bar.
“É essa a garota?” a voz do Kieran estava muito diferente: soou como ondas se chocando com a costa. Como água quente sob a luz pálida. Era sedutor, na beira de um irritadiço frio. Ele olhou para Emma como se ela fosse um experimento cientifico. “Ela é bonita,”ele disse. “Eu não pensei que ela seria bonita, você não mencionou isso.”
Iarlath deu de ombros. “Você sempre foi parcial com loiras,” ele disse.
“Okay, sério mesmo?” Emma estalou os dedos. ”Eu estou aqui. E eu não estava ciente que havia sido convidada para o jogo ‘Quem é mais gostosa?’”
“Eu não sabia que você havia sido ao menos convidada, ” disse Kieran.
“Rude,” disse Emma. “Essa é a minha casa. O que você está fazendo aqui, afinal? Você apareceu para me dizer que ele” –ela apontou para Iarlath – “não é o responsável pelo assassinato no Sepulcro? Porque isso parece desviar bastante do seu caminho só para dizer que você não foi o responsável.”
“Mas é claro que não fui eu,” Iarlath exclamou. “Não seja ridícula.”
Sob qualquer outra circunstância, Emma teria desconsiderado o comentário. Fadas, entretanto, não podem mentir. Não fadas de sangue puro, pelo menos. Meio fadas como Mark e Helen, poderiam contar não-verdades, mas Iarlath não parecia mestiço.
Emma cruzou seus braços sobre seu peito. “Repita depois de mim: ‘Eu não assassinei a vítima a qual você se refere, Emma Carstairs,’” ela disse. “Pra eu saber que é verdade.”
Os olhos amarelos de Iarlath se fixaram em Emma com desgosto. “Eu não assassinei a vítima a qual você se refere, Emma Carstairs.”
”Então porque está aqui?” Emma exigiu. “Oh, essa é um daqueles casos de má interpretação de sinais? Nós conhecemos naquela noite, você sentiu uma faísca? Desculpa, eu não namoro árvores.”
“Eu não sou uma árvore.” Iarlath parecia bravo, sua pele descamando levemente.
“Emma,” disse a voz de aviso vinda da porta.
Para a enorme surpresa de Emma, era Arthur Blackthorn. Ele parou na entrada do Santuário, vestindo um sóbrio terno escuro, seu cabelo perfeitamente penteado para trás. A visão abalou Emma; fazia um bom tempo desde que ela lembrava dele vestindo algo diferente de um roupão esfarrapado sob pijamas com manchas de café.
Parado do lado dele estava Julian, seu cabelo castanho amarrotado. Choque passou pelo seu rosto quando avistou Emma. Ela procurou no rosto dele sinais de raiva, mas não achou nenhum – ele parecia com alguém que havia acabado de correr uma maratona, na verdade, e estava contendo a si mesmo de desmoronar de exaustão e alívio.
“Minhas desculpas pelo comportamento da minha pupila,” disse Arthur, caminhando para dentro do cômodo. “Embora não seja proibido bater boca no Santuário, é contra o espirito do lugar.” Ele afundou-se na grandiosa cadeira de pedra. “Eu sou Arthur Blackthorn. Este é o meu sobrinho Julian Blackthorn.” Julian, que tinha se posicionado ao lado da cadeira de Arthur, inclinou a sua cabeça enquanto Kieran e Iarlath se apresentavam. “Agora nos diga porque estão aqui.”
As fadas trocaram olhares. “O que?” disse Kieran. “Nenhuma palavra sobre a Paz Fria ou como essa visita é contra sua Lei?”
“Meu tio não administra a Paz Fria” disse Julian. “E não é o que desejamos discutir. Vocês conhecem as regras tão bem quanto nós, se vocês escolheram quebrá-la, deve ser por alguma razão importante. Se vocês não quiserem compartilhar a informação, meu tio irá pedir para vocês se retirarem.”
Os olhos de Kieran se estreitaram. “Muito bem,” ele disse. “Nós viemos pedir um favor.”
“Um favor?” Emma perguntou surpresa. A descrição da Paz Fria era clara: os Caçadores de Sombras não deveriam dar suporte tanto para Corte Seelie quanto para a Corte Unseelie.
“Talvez você esteja confuso,” Arthur disse friamente. “Você deve ter ouvido sobre meus sobrinhos. Você deve pensar que por que nossos parentes Mark e Helen têm sangue de fadas você acha que teria pessoas mais favoráveis aqui do que em outro Instituto. Mas minha sobrinha foi mandada para longe por causa da Paz Fria, e meu sobrinho foi roubado de nós.”
Os lábios de Kieran se curvaram no canto. “O exilio de sua sobrinha foi um decreto dos Caçadores, não das fadas,” ele disse. “Quanto ao seu sobrinho—”
Arthur respirou tremendo. Suas mãos estavam agarrando os braços de sua cadeira. “A mão da Cônsul foi forçada pela traição da Rainha da Corte Seelie. Guerreiros da Corte Unseelie lutaram ao lado dela também. Todas as fadas estão sujas de sangue. Nós não estamos dispostos a nos relacionar com fadas aqui.”
“A Paz Fria não foi o que tirou Mark de nós,”
disse Julian, suas bochechas queimando e vermelhas. “Foram vocês. A Caçada Selvagem. Nós podemos ver nos seus olhos que você anda com Gwyn, não tente negar isso.”
“Oh,”
disse Kieran com um sorriso leve em seus lábios. “Eu não negaria isso.”
Emma imaginou se mais alguém ouviu Julian respirando forte. “Então você conhece meu irmão.”
O sorriso nunca deixou o rosto de Kieran. “Claro que eu conheço.”
Julian parecia estar sendo segurado por alguma outra força. ”O que você sabe sobre Mark?”
“Por que fingir surpresa?”
perguntou Iarlath. “É tolice. Nós mencionamos Mark da Caçada Selvagem na carta que mandamos a vocês.”
Emma viu o olhar no rosto de Julian, um semblante de choque. Ela foi para frente rapidamente, não querendo que fosse ele a perguntar. “Que carta?” ela demandou.
“Foi escrito em uma folha,”
Arthur disse. “Uma folha que se desfez.” Ele estava suando; ele pegou o lenço do bolso do peito e passou em sua testa. “Nela haviam palavras sobre algumas mortes. Sobre Mark. Eu não acreditei que fosse real. Eu estava—“
J
ulian deu um passo para frente, quase bloqueando seu tio de vista. “Mortes?”
Kieran olhou para Julian, e seus olhos de duas cores escureceram. Emma teve a desconfortável sensação de que Kieran pensava que sabia algo sobre seu parabatai, algo que ela mesma não sabia. “Você sabe sobre as mortes,” ele disse. “Emma Carstairs encontrou um dos corpos na outra noite. Nós sabemos que vocês tem a noção que houve outros.”
“Por que você se importa?”
disse Julian. “As fadas normalmente não se envolvem com sangue derramado no mundo dos humanos.”
“Se for sangue de fada que está sendo derramado, nós nos preocupamos,”
disse Kieran. Ele estava olhando para a cara de surpresos dos outros. “Quem quer que seja esse assassino, eles tem matado e mutilado fadas também. É por isso que Iarlath estava no Sepulcro na outra noite. É por isso que Emma Carstairs encontrou ele na outra noite. Vocês estavam procurando o mesmo assassino.”
Iarlath segurou sua capa e tirou um punhado de mica brilhante. Ele jogou no ar e as partículas levitaram e separaram, formando depois imagens tridimensionais. Imagens de corpos, corpos de fadas – alguns com aparência bem humana, outras parecendo ninfas, com suas guelras e cabelos verdes; alguns duendes, com seus olhos todo azuis e pequena estatura. Todos mortos. Todos tinham suas peles marcadas com as marcas que foram encontradas nos corpos que Emma e Cristina haviam encontrado na noite anterior.
Emma se pegou dando passos à frente de forma inconsciente, tentando ter uma visão melhor da ilusão. “O que são essas coisas? Fotografias mágicas?”
“Memórias, todas preservadas com magia,”
disse Iarlath.
”Ilusão,”
disse Julian. “Ilusões podem mentir.”
Iarlath virou sua mão para o lado, e as imagens mudaram. Emma estava de repente olhando para o homem morto que ela havia encontrado no beco outra noite. Era uma imagem exata, focando bem no olhar de terror em seu rosto.
“Você o viu,”
disse Emma. ”Você veio atrás dele antes de mim. Eu me pergunto o por quê.”
Iarlath fechou sua mão, e os pedaços brilhantes de mica caíram no chão como gotas de chuva, a ilusão desaparecendo. “Eu fui. Ele já estava morto. Eu não poderia tê-lo ajudado. Eu o deixei para você acha-lo.”
Emma não disse nada. Estava evidente pela imagem que Iarlath estava dizendo a verdade.
E fadas não podem mentir.
“Caçadores de Sombras foram mortos também, nós sabemos”
Kieran disse.
“Caçadores de Sombras são frequentemente mortos,”
disse tio Arthur. “Não existe lugar seguro.”
“Não é bem assim,”
disse Kieran. “Existe proteção onde existem protetores.”
“Meus pais,”
Emma disse, ignorando Julian, que estava balançando sua cabeça em sua direção, como se dissesse, Não diga a eles, não compartilhe, não dê nada a eles. Ela sabia que ele estava quase certo – estava na natureza das fadas tomarem seus segredos e virá-los contra você. Porém, se tivesse a chance, a pequena chance de que eles soubessem de alguma coisa… “Seus corpos foram encontrados com essas mesmas marcas neles, cinco anos atrás. Dentro de um dia eles se desintegraram em cinzas.”
Kieran olhou para ela com os olhos cintilando. Nem um pouco humano: O olho preto era muito escuro, o prata muito metálico. “Nós sabemos sobre seus pais,” ele disse. “Nós sabemos sobre suas mortes. Nós sabemos da linguagem dos demônios com que seus corpos foram marcados.”
“Mutilados,”
Emma disse, com a respiração controlada, e sentiu os olhos de Julian sobre ela, um lembrete que ele estava ali, um suporte silencioso. ”Desfigurados. Não marcados.”
A expressão de Kieran não se alterou. “Nós entendemos, também, que vocês têm tentado por anos traduzir ou entender as marcas nos corpos, sem sucesso. Nós podemos ajudá-los a mudar isso.”
“O que vocês estão dizendo, exatamente?”
Julian exigiu. Seus olhos estavam cautelosos; toda sua postura estava. A tensão em seu corpo segurou Emma de explodir em perguntas.
“Os pesquisadores da Corte Unseelie tem estudado as marcas,”
disse Iarlath. “Elas aparentam como uma linguagem de um tempo antigo do mundo das fadas. Um bem antes das suas memórias humanas. Antes mesmo que houvesse Nephilim.”
“Quando as fadas eram mais intimamente ligadas à sua linhagem demoníaca,” 
disse Arthur, rouco.
O lábio de Kieran franziu como se Arthur tivesse falado algo desagradável. “Nossos pesquisadores começaram a traduzi-las,” ele disse. Ele tirou uma folha fina, como papel de pergaminho, de seu casaco. Emma reconheceu nele as marcas que ela estava tão familiarizada. As que os corpos de seus pais tiveram que suportar. Abaixo das marcas possuíam mais palavras, escritas em um roteiro emaranhado.
O coração de Emma começou a bater forte.
“Eles traduziram a primeira linha,”
ele disse. “Parece, talvez, ser uma parte de um feitiço. Pelo que sabemos – O povo das Fadas não lidam com feitiços; isso é território de feiticeiros–”
“Vocês traduziram a primeira linha?”
Emma explodiu. “O que é?”
“Nós vamos dizer a vocês,”
disse Iarlath,e dar a vocês o trabalho que nossos pesquisadores fizeram até agora, se vocês concordarem com nossos termos.”
Julian olhou para eles com olhos semicerrados. “Porque vocês traduziriam apenas a primeira linha?” ele disse. “Porque não a coisa toda?”
“O pouco materal fez com que os pesquisadores trabalhassem no significado desta primeira linha, quando o rei Unseelie os proibiu de continuar,”
disse Kieran. “A magia desse feitiço é sombria, origem demoníaca. Ele não queria isso despertado nas Fadas.“
“Vocês poderiam ter continuado o trabalho sozinhos,”
disse Emma.
“Todas as fadas foram proibidas pelo rei de tocar essas palavras,”
rebateu Iarlath. “Mas isso não significa que nosso envolvimento terminou. Nós acreditamos que esse texto, essas marcas, podem ajudar vocês chegarem ao assassino, uma vez que elas forem compreendidas.”
“E vocês querem que a gente traduza o resto das marcas?”
Julian disse. “Usando a frase que vocês traduziram como uma chave, eu entendi.”
“Mais que isso,”
disse Iarlath. “A tradução é apenas o primeiro passo. Isso irá te conduzir ao assassino. Uma vez que vocês tiverem encontrado a pessoa, vocês vão trazê-la para o rei Unseelie para que possa ir a julgamento pelo assassinato do homem-fada, e receber justiça.”
”Vocês querem que a gente conduza uma investigação ao seu favor?”
Julian rebateu. “Nós somos Caçadores de Sombras. Nós estamos limitados pela Paz Fria, assim como vocês. É proibido para nós ajudar o Povo das Fadas, proibido para nós até mesmo interagir como vocês aqui. Vocês sabem o que estaríamos arriscando. Como você se atreve a perguntar?”
Havia raiva na voz de Julian – raiva além da proporção com a sugestão, mas Emma não poderia culpá-lo. Ela sabia o que ele viu quando ele olhou para as fadas, especialmente fadas com os olhos domados pela Caçada Selvagem. Ele viu os resíduos gelados da ilha de Wrangel. Ele viu o vazio do quarto quando Mark não estava mais.
“Isso não é apenas investigação deles,”
Emma disse quietamente. “É minha, também. Isso tem algo a ver com meus pais.”
“Eu sei”
Julian disse, e a sua raiva desapareceu. Havia uma dor em sua voz, ao invés. “Mas não desse jeito, Emma –“
”Porque vieram aqui?”
Arthur interrompeu, aparentando triste, sua face pálida. “Porque não para um feiticeiro?”
O rosto bonito de Kieran retorceu. “Nós não podemos consultar um feiticeiro,” ele disse. “Nenhum dos filhos de Lilith vão fazer um acordo com a gente. A Paz Fria fez com que fossemos evitados por outros Seres do Submundo. Mas você pode. Vocês pode visitar o Alto Feiticeiro Malcolm Fade, ou o próprio Magnus Bane, e exigir uma resposta para sua pergunta. Nós estamos atados, mas vocês – ” Ele falou a palavra com desprezo. “Vocês são livres.”
“Esta é a família errada a se recorrer”
disse Arthur. “Você está nos pedindo para quebrar a lei para você, como se tivéssemos alguma consideração especial ao povo das fadas. Mas os Blackthorns não se esqueceram do que vocês tiraram deles.”
“Não”
disse Emma. “Nós precisamos daquele documento, nós precisamos…”
“Emma.”
O olhar de Arthur era severo. “Chega.”
Emma abaixou sua cabeça, mas seu sangue estava cantando em suas veias, uma melodia determinada de rebelião. Se as fadas fossem embora e levassem o documento com eles, ela iria encontrar um modo de rastreá-los para recuperar a informação, para saber o que precisa ser descoberto. De alguma forma. Mesmo se o instituto não pudesse arriscar, ela podia.
Iarlath olhou para Arthur. “Eu não acho que você queira fazer uma decisão tão rapidamente.”
O maxilar de Arthur se apertou. “Por que você duvida de mim, vizinho?”
Os Bons Vizinhos. Um velho, velho termo para o povo das fadas. Foi Kieran que respondeu: “Porque nós temos algo que você quer acima de todas as outras coisas. E se você nos ajudar, nós estamos dispostos a dar para você.”
Julian empalideceu. Emma, encarando ele, por um momento estava muito distraída com a sua reação para entender o que eles estavam querendo dizer com isto. Quando ela entendeu, seu coração deu uma pulsação irregular dentro do seu peito.
“O que é?”
Julian sussurrou. “O que vocês têm que nós queremos?”
“Ah, por favor,”
disse Kieran. “O que você acha?”
A porta do santuário, aquele que ia para o exterior do Instituto, se abriu, e o homem-fada de robes marrom entrou. Ele se moveu com graça e silêncio, nenhuma hesitação ou receio – com nada humano nos seus movimentos. Entrando no chão de padrão de runas angelicais, ele parou. O quarto estava completamente silencioso enquanto ele levantava suas mãos ao seu capuz e – pela primeira vez— hesitou.
Suas mãos eram humanas, com dedos longos, bronzeadas.
Familiares.
Emma não estava respirando. Ela não conseguia respirar. Julian parecia como se estivesse em um sonho. O rosto de Arthur estava vazio, confuso.
“Abaixe seu capaz, garoto,”
disse Iarlath. “Mostre sua face.”
As mãos familiares se apertaram no pano do capuz e o puxou para baixo. Em seguida, empurrou a capa de seus ombros, como se o material de tivesse se agarrado desagradavelmente. Emma viu a sombra de um longo, flexível corpo, de cabelo claro, pele bronzeada, enquanto a capa foi arrancada e caía no chão em poça escura.
O garoto se posicionou no coração da runa, ofegante. Um garoto que parecia ter 17 anos, com cabelos claros que se ondulavam como videiras de acanto, enroscada com galhos e espinhos, pendurados sobre seus ombros. Seus olhos mostravam a duplicação quebrada da Caçada Selvagem: duas cores — um dourado, um azul dos Blackthorn. Seus pés estavam descalços, pretos com sujeira, suas roupas esfarrapadas e rasgadas. Sua pele tinha umas centenas de cicatrizes.
Uma onda de tontura passou por Emma, e uma terrível mistura de horror e alívio e espanto. Julian tinha se endurecido, como se ele tivesse levado um choque com eletricidade. Ela viu o ligeiro aperto de sua boca, a contração do músculo em sua bochecha. Ele não abriu a sua boca; Arthur foi quem falou, levantando-se parcialmente da cadeira, sua voz esganiçada e incerta:
“Mark?”

Os olhos de Mark se arregalaram em confusão. Ele abriu a boca para responder. Iarlath se virou para ele. “Mark Blackthorn da Caçada Selvagem”, ele retrucou. “Não fale até que tenha tido permissão para falar.”
Os lábios de Mark se fecharam. Ele abaixou a cabeça.
“E você”, disse Kieran, levantando a mão enquanto Julian começou a ir para frente, “fique onde está.”
“O que vocês fizeram com ele?” Os olhos de Julian brilharam. “O que você fez com o meu irmão?”
“Mark pertence à caça selvagem”, disse Iarlath. “Se escolhermos a libertá-lo para vocês, será sob fiança.”
Arthur tinha caído de volta à cadeira atrás dele. Ele estava piscando como uma coruja de Mark para o homem-fada e fazendo o caminho de volta. A cor cinza estava de volta em seu rosto. “Os mortos ascendem e os perdidos retornam”, disse ele. “Devemos por bandeiras azuis para tremularem no topo das torres.”
Kieran estreitou os olhos. “Por que ele disse isso?”
J
ulian olhou de Arthur para Mark e para os outros dois homens-fadas. “Ele está em choque”, disse ele. “Sua saúde é frágil; tem sido desde a guerra. Você o surpreendeu.”
“É de um antigo poema dos Caçadores de Sombras,”
disse Emma. “Estou surpresa que você não saiba disso.”
“Poemas contêm muita verdade,”
disse Iarlath, e havia humor em sua voz, porém um tanto quanto amargo. Emma se perguntou se ele estava rindo deles ou de si mesmo.
Julian estava olhando para Mark, um olhar em seu rosto de choque absoluto e saudade. “Mark?” ele disse.
Mark não olhou.
Julian parecia como se tivesse sido perfurado por uma flecha élfica, as flechas furtivas das fadas que escavavam sob a pele e liberava veneno mortal. Qualquer raiva que Emma tivesse sentido em relação a ele sobre a noite passada se evaporou. O olhar em seu rosto era como lâminas esfaqueando seu coração. “Mark,” disse ele de novo, e, em seguida, em um meio sussurro, “Por quê? Por que ele não pode falar comigo?”
O pulso de Julian martelava em sua garganta. Emma viu e odiou as fadas, rápida e violentamente, pois enquanto seguravam Mark, eles também seguravam o coração humano e frágil de Julian.
“Ele foi proibido por Gwym de falar até que o nosso negócio esteja selado,”
disse Kieran. Ele olhou para Mark, e havia algo frio em sua expressão. Ódio? Inveja? Será que ele desprezava Mark por ser meio-humano? Será que todos o desprezam? Como eles mostraram esse ódio todos esses anos, quando Mark estava à sua mercê?
Emma podia sentir o quanto Julian estava se segurando para não ir para seu irmão. Ela falou para ele. “Então, Mark é sua moeda de troca.”
Raiva brilhou no rosto de Kieran, repentina e surpreendente. “Por que você tem que apontar coisas que são óbvias? Por que todos os seres humanos tem de fazê-lo? Garota tola —”
Julian mudou; estalou sua atenção foi para longe de Mark, sua coluna se endireitando, sua voz endurecendo. Ele parecia calmo, mas Emma, que o conhecia tão bem, podia ouvir as lâminas de gelo em sua voz. “Emma é minha parabatai,” ele disse. “Se você alguma vez falar com ela assim de novo, haverá sangue no chão do santuário, e eu não me importo se eles me matarem por isso.”
Os olhos lindos e diferentes de Kireran brilharam. “Vocês Nephilim são leais aos parceiros que escolhem, vou admitir.” Ele acenou uma mão sem dar importância. “Eu suponho que Mark seja nossa moeda de troca, como vocês colocaram, mas não esqueça que é culpa dos Nephilim que nós sequer precisemos de uma. Houve um tempo em que os Caçadores de Sombras teriam investigado os assassinatos dos da nossa raça porque eles acreditavam em seu mandamento de proteger mais do que acreditavam em seu ódio.”
“Houve um tempo quando o Povo das Fadas teria nos devolvido alguém que tivesse nos tirado,”
disse Arthur. “A dor da perda flui para os dois lados, assim como a perda da confiança.”
“Bem, vocês terão que confiar na gente,”
disse Kieran. “Vocês não têm mais ninguém. Têm?”
Houve um longe silêncio. O olhar de Julian voltou a seu irmão, desamparado, como se ele estivesse sendo posto diante dele em uma coleira. “Então você quer que nós encontremos quem é o responsável por esses assassinatos,” ele disse. “Paremos a morte de fadas e humanos. E em troca você vai nos devolver Mark, se obtivermos sucesso?”
“A Corte está preparada para ser muito mais generosa,”
disse Kieran. “Nós vamos lhe devolver Mark agora. Ele vai ajudá-los em sua investigação. E quando a investigação tiver acabado ele poderá escolher se permanece com vocês ou retorna à Caçada.”
“Ele vai nos escolher,”
Julian disse friamente. “Nós somos sua família.”
Os olhos de Kieran brilharam. “Eu não teria tanta certeza, jovem Caçador de Sombras. Os membros da Caçada são leais à Caçada.”
“Ele não é da Caçada,”
Emma disse. “Ele é um Blackthorn.”
“A mãe dele era uma fada,”
disse Kieran. “E ele tem cavalgado conosco, colheu a morte conosco, dominou o uso do arco e flecha. Ele é um guerreiro formidável entre as fadas, mas ele não é como vocês. Ele não irá lutar como vocês. Ele não é Nephilim.”
“Sim, ele é,”
disse Julian. “O sangue de Caçador de Sombras permanece verdadeiro. A pele dele pode suportar Marcas. Você conhece as leis.”
Kieran não respondeu a isso, apenas olhou para Arthur. “Apenas o chefe do Instituto pode decidir isso. Você deve deixar seu tio falar livremente.”
Emma olhou para Arthur; todos eles olharam. Arthur bateu nervosamente no braço de sua cadeira, apertando-o. “Você quer o garoto fada aqui para que ele possa nos reportar para você,” ele disse, finalmente, em uma voz trêmula. “Ele vai ser seu espião.”
O garoto fada. Não Mark. Emma olhou para Mark, mas se qualquer centelha de dor passou por seu rosto inflexível, estava invisível.
“Se nós desejássemos espionar vocês, há maneiras mais fáceis,”
disse Kieran em um tom de reprovação. “Nós não precisaríamos abrir mão de Mark – ele é um dos melhores guerreiros da Caçada. Gwyn vai sentir muito a falta dele. Ele não será um espião.”
Julian se afastou de Emma, caiu de joelhos diante da cadeira de seu tio. Ele inclinou-se e sussurrou para Arthur, e Emma se esticou para poder ouvir o que ele estava dizendo, mas conseguiu somente algumas palavras – “irmão” e “investigação” e “assassinato” e “medicina” e “Clave.”
Arthur sacudiu a mão, como se para silenciar seu sobrinho, e se virou para as fadas. “Nós iremos aceitar sua oferta,” ele disse. “Com a condição de que não haverão truques. No fim da investigação, quando o assassino for pego, Mark fará sua livre escolha de ficar ou ir.”
“É claro,”
disse Iarlath. “Desde que o assassino nos seja entregue. Nós queremos aquele com sangue nas mãos – não será suficiente para vocês dizer ‘foi feito por esse ou aquele’ ou ‘os vampiros eram os responsáveis’. A custódia do assassino ou assassinos será dada as Cortes. Nós encontraremos nossa justiça.”
Se vocês fossem capazes de justiça nós não estaríamos aqui agora,
Emma pensou, mas não disse nada.
“Primeiro vocês juram,”
disse Julian, seus olhos azuis esverdeados brilhosos e duros. “Diga ‘Eu juro que quando os termos da troca forem cumpridos, Mark Blackthorn fará sua própria livre escolha seja ser parte da Caçada ou viver sua vida como um Nephilim.”
A boca de Kieran se apertou. “Eu juro que quando os termos da troca forem cumpridos, Mark Blackthorn fará sua própria livre escolha seja ser parte da Caçada ou viver sua vida como um Nephilim.”
Emma olhou para Mark. Ele estava sem expressão, imóvel como havia estado durante todo o tempo, como se eles não estivessem discutindo sobre ele, mas sim sobre outra pessoa. Ele olhava como se estivesse vendo através das paredes do santuário, vendo os oceanos distantes talvez, ou um lugar ainda mais distante que isso.
“Então eu acho que temos um acordo,”
disse Julian. ”Que Raziel nos ajude,” ele murmurou.
Os dois homens-fada se olharam, e então Kieran andou até Mark. Ele pousou suas mãos brancas nos ombros de Mark e disse algo para ele em uma linguagem gutural que Emma não entendeu – não era nada que Diana havia ensinado a eles, não o intenso, grave discurso da Corte das Fadas ou qualquer língua mágica. Mark não se moveu, e Kieran se afastou, sem parecer surpreso.
“Ele é seu por agora,”
ele disse, olhando para Arthur. “Nós deixaremos seu corcel para ele. Eles se tornaram… Ligados.”
“Ele não poderá usar um cavalo,”
disse Julian, sua voz firme. “Não em Los Angeles.”
O sorriso de Kieran estava cheio de contentamento. “Eu acho que você vai descobrir que este ele pode usar.”
“Deus!”
Era Arthur, gritando. Ele cambaleou para frente, suas mãos embalando a cabeça. “Isso dói – “
Julian se moveu para o lado do tio, esticando-se para alcançar seu braço, mas Arthur o afastou, erguendo-se, sua respiração desigual. “Devo me desculpar,” ele disse. “Minha dor de cabeça. Está insuportável.”
Ele parecia horrivelmente mal, isso era verdade. Sua pele estava da cor de giz sujo, seu colarinho grudando-se ao pescoço com o suor.
Nem Kieran nem Iarlath disseram nada. Nem Mark, que ainda se balançava cegamente, seus olhos fixos no chão. Os homens-fada observavam Arthur com uma curiosidade avida queimando em seus olhos. Emma podia ler seus pensamentos. O chefe do Instituto de Los Angeles. Ele é fraco, não está bem…
As portas interiores se abriram e Diana entrou. Ela parecia calma e impassível como sempre. Seu escuro olhar adentrou a cena antes dela; ela não parecia surpresa nem preocupada. “Arthur,” ela disse. “Você é necessário lá em cima. Vá. Eu vou escoltar o comboio lá para fora para discutir a barganha.”
Há quanto tempo ela estava ai espionando? Emma se perguntou enquanto Arthur, parecendo desesperadamente agradecido, passou mancando por Diana e foi para a porta. Diana era quieta como um gato quando queria ser, e ela claramente havia ouvido.
“Ele está morrendo?” ,
Iarlath perguntou com um pouco de curiosidade, seu olhar seguindo Arthur enquanto ele deixava o Santuário.
Nós somos mortais” ,
Emma disse. ”Nós ficamos doentes, nós envelhecemos. Nós não somos como vocês. Mas nada disso deveria ser uma surpresa.”
“Chega”,
disse Diana. “Eu mostrarei o caminho para sair do Santuário, mas primeiro – a tradução.” Ela estendeu uma magra mão morena.
Kieran entregou um papel quase translucido com um olhar irônico. Diana olhou para baixo. “O que a primeira frase diz?”, Emma falou, incapaz de se parar.
Dianna franziu as sobrancelhas. “Fogo para água”, ela disse. “O que isso significa?”
Iarlath deu um único olhar em sua direção e se moveu para se juntar à ela. “Esse será o trabalho do seu povo descobrir”.
Fogo para água? Emma pensou no corpo de seus pais, afogados e depois desmoronando em cinzas. No corpo do homem no beco, chamuscado e depois embebido em água do mar. Ela olhou para Julian, se questionando se a mente dele estava seguindo o caminho da dela – mas não, ele estava olhando para seu irmão, sem se mover, como se estivesse congelado no lugar.
Ela ansiou para colocar suas mãos no papel, mas estava guardado na jaqueta de Diana, e Diana estava levando os dois homens-fada para a saída do Santuário. “Vocês entendem que nós iremos investigar isto sem o conhecimento da Clave”, ela disse, enquanto Iarlath parou ao lado dela. Kieran caminhava atrás deles, com raiva.
“Nós entendemos que vocês temam seu governo, sim”,
disse Iarlath. “Nós também o tememos, os criadores da paz fria”.
Diana não mordeu a isca. “Se vocês tiverem de nos contatar durante a investigação, vocês precisarão tomar cuidado ao fazê-lo”.
“Nós viremos somente ao Santuário, e você poderá deixar-nos mensagens aqui”,
disse Kieran. “Se nós soubermos que vocês falaram de nossa barganha com qualquer um fora dessas paredes, especialmente com alguém não nephilim, nós ficaremos muito descontentes. Mark, também está sobre as ordens de segredo da Caçada Selvagem. Vocês verão que ele não as desobedecerá.”
A luz do sol entrou no Santuário quando Diana abriu a porta. Emma sentiu gratidão por sua tutora quando Diana e os dois homens-fada sumiram. Gratidão por poupar Arthur – e por poupar Julian de mais um segundo sequer de fingir que estava bem.
Já Julian estava olhando para seu irmão – finalmente, realmente olhando para ele, sem ninguém para ver ou julgar sua fraqueza. Sem ninguém para, no último segundo, tirar Mark dele novamente.
Mark levantou sua cabeça lentamente. Ele estava magro demais, muito mais fino e mais anguloso do que Emma se lembrava. Ele não parecia ter envelhecido tanto quanto emagrecido, como se os ossos do seu queixo e bochechas e mandíbula tivessem sido corrigidos com ferramentas cuidadosas. Ele estava magro, mas era gracioso, na maneira das fadas.
“Mark”,
Julian falou em um suspiro, e Emma lembrou dos pesadelos que Jules havia acordado durante dos anos, gritando por seu irmão, por Mark, e o quanto sem esperança ele havia soado, e perdido. Ele estava pálido agora, e seus olhos brilhavam como se ele estivesse olhando para um milagre. E era uma espécie de milagre, Emma pensou: as fadas não devolviam o que haviam levado.
Ou pelo menos, elas nunca devolviam inalterado.
De repente um arrepio correu pelas veias de Emma, mas ela não fez nenhum som. Ela não se moveu enquanto Julian deu um passo em direção a seu irmão, e então outro, e então falou, com sua voz tremula. “Mark”, ele sussurrou. ”Mark. Sou eu.”
Mark olhou para Julian diretamente em seu rosto. Havia algo em seus olhos de duas cores; os dois olhos eram azuis quando Emma o viu pela última vez, e a bicoloridade parecia denunciar algo quebrado dentro dele, como um pedaço de cerâmica rachada bem ao seu olhar. Ele olhou para Julian, do alto de sua altura, seus ombros largos e seu corpo magro, seus cabelos castanhos despenteados, seus olhos Blackthorn, e ele falou pela primeira vez.
Sua voz soou áspera, rouca, como se ele tivesse gritado.
“Pai?”,
ele falou, e então, enquanto Julian respirou assustado, os olhos de Mark reviraram e ele caiu no chão, desmaiado.

Siga @idrisbr no Instagram e não perca as novidades
Facebook