Cassie irá publicar um pequeno pedaço de conteúdo extra de “The Last Hours” por mês até um mês antes do lançamento do livro. Esse é do mês de Agosto de 2019.
Devonshire, 1898
Cordelia frequentemente se sentia sozinha quando estava apenas ela e seus pais, mas nunca tanto quando Alastair foi para a Academia. Enquanto ele estava fora, o resto da família Carstairs viajou para a Índia, para Paris, para a Cidade do Cabo e Canadá, mas eles estavam em Cirenworth para as festas de final de ano quando ele finalmente retornou.
Ela havia esperado meses pelo retorno dele, mas quando ele saiu da carruagem – mais alto, mais anguloso e forte do que nunca – ele parecia uma pessoa diferente. Ele sempre foi mal-humorado e irritadiço, mas agora ele mal falava com ela. Quando ele falava, era principalmente para dizer a ela para não incomodá-lo.
Seus pais ignoraram a transformação. Quando Cordelia perguntou ao pai por que Alastair não passava tempo com ela, ele sorriu e disse que os garotos adolescentes passavam por “momentos como esse” e que ela “entenderia quando fosse mais velha”. “Ele esteve se divertindo com garotos da idade dele durante todo o ano e agora que ele teve que voltar ao campo com gente como nós”, disse Elias com uma risada. “Ele vai superar isso.”
Esta não foi uma resposta satisfatória. Cordelia tentou se colocar no caminho de Alastair o máximo que pôde, para forçá-lo a notá-la. Muitas vezes, porém, ela não conseguia nem encontrá-lo. Ele passou horas trancado em seu quarto e, quando ela bateu na porta, ele nem se deu ao trabalho de dizer a ela para ir embora. Ele apenas a ignorou. O único jeito que ela sabia que ele estava lá era quando ele saia para comer, ou para anunciar que ele estava saindo para uma longa caminhada sozinho.
Isso durou algumas semanas.
Os sentimentos de Cordelia foram de desapontamento para tristeza, culpa, aborrecimento e, então, raiva. No jantar, uma noite, ela jogou uma colher nele e gritou: “Por que você não fala comigo?” Alastair pegou a colher no ar, colocou-a sobre a mesa e olhou para ela em silêncio.
“Não jogue as coisas, Cordelia“, sua mãe disse.
“Mâmân!” Cordelia protestou em tom de traição. Seu pai ignorou toda discussão e continuou comendo como se nada tivesse acontecido. Risa veio e colocou uma nova colher no lugar da de Cordelia, o que Cordelia achou extremamente irritante.
A recusa de Alastair em se relacionar com Cordelia era, ela entendeu, um modo de fazê-la desistir e parar de tentar. Então ela redobrou seus esforços. “Bem”, ela anunciaria, caso se encontrasse na mesma sala que ele, “vou colher amoras silvestres pela alameda”. (Alastair adorava amoras). Ou “Eu acho que vou fazer algumas acrobacias na sala de treinamento depois do almoço.” (Alastair sempre estava com ela para praticar como cair com segurança, e ela precisaria de um parceiro para isso.)
Um dia, quando ele saiu para uma de suas caminhadas, Cordelia esperou um minuto e depois o seguiu. Era um bom exercício, ela disse a si mesma – se movendo furtivamente, consciente de seu entorno, aperfeiçoando seus sentidos. Ela fez um jogo: quanto tempo ela poderia seguir seu irmão antes que ele notasse? Ela poderia permanecer despercebida tempo suficiente para descobrir onde ele ia?
Aconteceu que Alastair não foi a lugar nenhum. Ele apenas andou e andou, conhecendo bem a floresta para não se perder. Cordelia começou a se cansar depois de algumas horas. Então começou a ficar com fome.
Então ela se distraiu, tropeçou em uma raiz de árvore saliente e caiu com um baque na terra dura. À frente, Alastair se virou por causa do barulho e viu quando ela, irritada, se pôs de pé. Ela cruzou os braços e ergueu o queixo, teimosa e determinada a manter o orgulho diante de qualquer reação desagradável que estivesse preparando: seu desprezo, sua raiva, sua rejeição.
Em vez disso, ele soltou um suspiro e caminhou até ela. Sem preâmbulos, ele disse, áspero: “Você se machucou?”
Cordelia levantou o pé e mexeu-o, testando. “Eu ficarei bem. Foi apenas um arranhão, eu acho.”
“Vamos“, disse ele. “Vamos para casa.”
Eles caminharam em silêncio, Alastair alguns passos à frente, sem falar. Eventualmente, enlouquecida pelo silêncio, Cordelia explodiu: “Você não quer saber por que eu estava seguindo você?”
Ele se virou e a analisou. “Eu suponho que você pensou que eu estava vindo aqui para fazer algo emocionante.”
“Sinto muito“, disse ela, ficando – como sempre – mais agitada diante da calma imperturbável de Alastair. “Sinto muito que desde que você foi para a Academia, você cresceu e amadureceu e tem novos amigos. Me desculpe, eu sou apenas sua irmãzinha estúpida.”
Alastair olhou para ela por um momento e depois soltou uma gargalhada. Não havia humor nela. “Você não tem ideia do que você está falando.”
“Sinto muito que você seja bom demais para sua família agora! Me desculpe por você ser muito bom para treinar comigo! ”
Ele balançou a cabeça, desdenhoso. “Não seja tola, Cordelia.”
“Apenas fale comigo!” Ela disse. “Eu não sei por que você está tão mal-humorado. Você é o sortudo que teve que ir embora. Quem se divertiu em Idris. Você sabe o quão sozinha eu estive o ano todo?”
Por um momento, Alastair pareceu perdido, hesitante. Fazia muito tempo desde que Cordelia tinha visto uma expressão tão clara em seu rosto. Então ele se fechou como um portão de ferro. “Estamos todos sozinhos“, disse ele. “No final.”
“O que isso quer dizer?” Ela exigiu saber, mas ele se virou para ir embora. Depois de um momento, limpando a umidade do rosto com a manga, ela o seguiu.
Quando voltaram para casa, ela o deixou na entrada enquanto recuperava todo o estoque de facas de arremesso do armário de louças que servia como arsenal da casa. Ela passou por seu irmão no caminho do armário para a sala de treinamento, olhando para ele, mal conseguindo carregar a pilha. Ele a observou em silêncio.
Na sala de treinamento, ela arrumou tudo e foi atirando. Tunk. Tunk. Arremessar facas não eram seu ponto mais forte, mas ela precisava do senso de impacto, de conseguir machucar alguma coisa, até mesmo apenas um alvo em m suporte. Como de costume, o ritmo do treinamento a tranquilizou. Sua respiração ficou mais calma e uniforme. A repetição deu chão a ela: cinco arremessos, depois a caminhada para recuperar as facas do alvo e a caminhada de volta para tentar novamente. Cinco arremessos. Caminhar. Recuperar. Caminhar. Cinco arremessos.
Depois de uns vinte minutos, percebeu que Alastair estava na porta da sala de treinamento. Ela o ignorou.
Alguma outra pessoa poderia ter dito que ela melhorou desde que ele a viu pela última vez, ou perguntado se podia arremessar também. Alastair, no entanto, finalmente limpou a garganta e disse: “Você está girando o seu pé esquerdo no lançamento. É por isso que você está tão inconsistente.”
Ela olhou para ele e voltou a arremessar. Mas ela prestou mais atenção nos seus pés.
Depois de um tempo, Alastair disse: “É estúpido dizer que tenho sorte. Eu não tenho sorte.”
“Você não ficou preso aqui o ano todo.”
“Oh?” Alastair zombou. “Quantas pessoas vieram aqui este ano para zombar de você? Quantos perguntaram o que havia de errado com você que você não tinha um professor particular? Ou sugeriu que sua família era uma espécie de fracassados e irresponsáveis porque nos mudamos muito?”
Cordelia olhou para ele, esperando ver vulnerabilidade e tristeza, mas os olhos de Alastair eram duros, sua boca era uma linha fina. “Eles te trataram mal?”
Alastair soltou outra risada sem alegria. “Por um tempo. Eu percebi que tinha uma escolha. Havia apenas dois tipos de pessoas na Academia. Os valentões e os intimidados.”
“E você…?”
Alastair perguntou com firmeza: “Qual você escolheria?”
“Se essas fossem minhas únicas duas escolhas“, disse Cordelia, “eu teria ido embora e voltado para casa“.
“Sim, bem“, disse ele. “Eu escolhi aquela em que não me senti como um alvo de piadas.”
Cordelia estava muito quieta e silenciosa. O rosto de Alastair estava impassível.
“E como foi?” Ela disse, tão levemente quanto ousava.
“Horrível“, disse ele. “Foi horrível.”
Cordelia não sabia o que dizer ou o que fazer. Ela queria abraçar seu irmão, dizer que o amava, mas ele estava rígido, com os braços cruzados em sua frente, e ela não ousaria. Finalmente ela estendeu a faca na mão. “Você quer arremessar uma? Você é muito melhor do que eu.”
Quando ele olhou desconfiado, ela disse: “Eu poderia ter alguma ajuda, Alastair. Você viu como meu arremesso é descuidado.”
Alastair veio e pegou a faca dela. “Muito descuidado“, ele concordou. “Eu sei que a esgrima vem naturalmente para você, mas nem tudo vai ser assim. Você deve ir com calma. Preste atenção nos seus pés. Agora siga meus gestos. É isso aí, Layla. Fique comigo.”
E ela ficaria.
[Traduzido por Equipe IdrisBR. Dê os créditos. Não reproduza sem autorização.]