22.07


“Ao Sabor do Tempo”
Françoise Héritier
Tradução: Maria de Fátima Oliva do Coutto
Valentina – 2022 – 160 páginas

Uma leitura prazerosa, repleta de sabedoria, que ajudará o leitor a se sentir vivo, um convite para redescobrir as dores e, principalmente, as delícias do que significa a nossa existência. Enfim, um livro que é uma verdadeira lição de vida! Na primeira parte (“Colcha de Retalhos”), da mesma forma que em O Sal da Vida, Françoise Héritier elenca, como uma espécie de poema em prosa em homenagem à vida, uma coletânea de sensações, trocas e experiências individuais – ainda que comuns a todos nós – que, diariamente, dividimos com os nossos semelhantes e com o mundo. Na segunda parte (“Modelagem”), fazendo uso de associação de ideias, a autora procura nos oferecer, de uma maneira não biográfica, uma representação de como todo esse material moldou e elaborou a sua própria trajetória. Repleta de passagens engraçadas e espirituosas, conheceremos mais intimamente a sua relação com o grande Claude Lévi-Strauss, o trabalho de campo como etnóloga na África, as questões que envolveram tornar-se uma mulher independente, ser uma erudita num meio acadêmico extremamente machista, envelhecer com dignidade e elegância…

Ao Sabor do Tempo” seria uma continuação do cultuado livro “O Sal da Vida”, apesar de não ganhar essa alcunha. Os dois foram escritos por Françoise Héritier, e me permita falar sobre autora antes de suas obras: uma das maiores intelectuais francesas de nossa época, formada em etnologia, antropologia e, acima de tudo, feminista, Françoise deixou sua marca na literatura através de diversos artigos falando sobre a disparidade entre os gêneros e também sobre a sociedade no geral. A vida de Françoise foi tão cíclica que ela faleceu no dia do seu nascimento em 2017, aos 84 anos de idade. Então sim, é aquele tipo de pessoa que dá prazer ler porque ela conhece as letras e entende o poder do que escriva.

ficar contente pelo senhor que sorri enquanto caminha sozinho; lembrar-se do primeiro menino que a convidou para dançar num salão na Auvêrnia quando tinha doze anos (ele dezesseis e se chamava Rémy), e do seu cavaleiro, tempos depois, em Marcigny, tratado cerimoniosamente e que se chamava Noël e era dono de uma bela voz grave; deleitar-se com o timbre de um jovem contratenor inglês em O Messias; assistir, numa campina, a um eclipse parcial do sol com óculos apropriados e ficar ligeiramente decepcionada;

Como a própria sinopse diz, o livro tem duas partes, sendo que na primeira, “Colcha de Retalhos”, Françoise elenca diversas coisas que, segundo seu próprio julgamento, elenca justamente o que ela acredita que dava sabor a sua vida. São passagens que misturam memórias com sensações, fazendo o leitor ter a certeza total de que lê algo especial e diferente. São muitas páginas com momentos delicados e gentis, que frisam uma vida que foi vivida plenamente.

perguntar-se se gosta mesmo de Fernent-Branca, marshmallow, bala azeda, torrone; usar roupas largas ou retas em vez de vistas sempre saias rodadas e collants; achar que, às vezes, foi idiota; lamentar não ter sido mais insubmissa, não ter encontrado sempre as palavras certas, nas horas certas; lembrar-se das bonecas de papel para as quais se recortavam roupas impressas;

Não há como não se emocionar com todas as hipóteses que se pode dar o tempero que nossa vida precisa. Não há como não se emocionar em diversas passagens que estão listadas, sem parágrafos, do que fez parte da vida de Françoise e que faz com que comecemos mentalmente a nossa própria lista do que representa toda essa dor e delicia de experienciar tudo que passamos em nossas vidas.

apreciar a suavidade de certas colocações irônicas tão bem direcionadas, a ponto de o alvo da flechada rir inocentemente como os demais do grupo sem desconfiar de que a flecha se dirige a ele;

A segunda parte, “Modelagem”, contem uma espécie de vivência não fidedigna a realidade de sua época morando na África, em um ambiente claramente dominado por homens. Como pesquisadora etnológica tentando ajudar a combater a epidemia de AIDS e trabalhando para o governo francês, a narrativa vai misturando diversos momentos de sua vida (novamente, não biográficos e ela deixa isso claro) com experiências de vida, que leva o leitor a novamente pensar sobre sua visão de mundo e tudo que já presenciou. É uma leitura muito, muito rápida e passa a sensação de estar simplesmente em uma conversa informação com uma antiga amiga repleta de sabedoria.

É esta capacidade de alternar com facilidade austeridade e prosperidade, doença e saúde, a sede de viver e o medo de morrer, que me dá forçae resistência.

Entendo que é o tipo de leitura que nem todos são atraídos em um primeiro momento, mas também acredito que é uma leitura tão delicada e tão necessária para a reflexão da vida, principalmente nos tempos nos quais vivemos e estamos presenciando, que não deixo de indicar a leitura. Precisamos desacelerar, precisamos prestar atenção em tudo que nos faz feliz, precisamos acumular as experiências que nos fazem seres humanos e precisamos guardar o que nos é caro para que possamos entender que o sal da vida é justamente o tempero necessário, e o sabor do tempo que fica em nossas lembranças é o que faz tudo valer a pena.

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