Em Junho de 2024, as primeiras cópias de “Os segredos da Mansão Blackthorn” da campanha do Kickstarter começaram a serem entregues, e com eles o 1º capitulo de “O Último Rei das Fadas”. Acreditamos que esta parte do texto ainda pode sofrer alguma alteração, mas a cena em si contará esta cena.
“Nós estamos perdidas?” perguntou Drusilla Blackthorn, espiando pelo campo escurecido em direção ao horizonte. “Diz que não estamos perdidas.”
Sua colega de quarto Thais franziu a testa para o mapa rabiscado que segurava na mão. “Eu não tenho certeza. Verifique sua runa de direção.”
Dru suspirou e olhou para o lado de dentro de seu pulso, onde havia aplicado uma runa do Verdadeiro Norte mais cedo naquela noite. Na verdade, no final da tarde. Horas atrás.
Nem ela nem Thais esperavam que essa atividade em particular levasse tanto tempo. Parecia simples o suficiente. Normalmente, Dru ficava encantada quando os estudantes da Academia dos Caçadores de Sombras saíam da sala de aula e faziam exercícios práticos ao ar livre. Ela não se importava de estudar, mas não era como seus irmãos e irmãs – todos eles se destacavam em memorizar fatos abstratos: datas, idiomas, tipos de armas. Dru gostava de ver e tocar nas coisas, ouvir histórias sobre elas. Entender como funcionavam. Era assim que aprendia.
Naquele ano, seu terceiro na Academia dos Caçadores de Sombras, ela tinha estudos sobre os Seres do Submundo, divididos em trimestres: vampiros, lobisomens, feiticeiros e fadas. Eles estavam nas fadas agora: sua história (que Dru gostava, porque história eram sempre histórias) e os vários tipos de nobreza e tradições das fadas (que ela gostava menos). As fadas tinham muitas tradições, além de muitas casas nobres e hierarquias, e não havia como entendê-las; elas apenas tinham que ser memorizadas.
Ela e Thais ficaram agradavelmente surpresas ao entrar na aula naquele dia e encontrar Luke Garroway, o diretor da Academia, lá, carregando um monte de mapas e instruindo todos a se prepararem para a luta e o encontrar do lado de fora da casa de fazenda para descobrir qual era a missão deles.
Dru sempre gostava de se equipar. Havia algo em se vestir e se fechar dentro do tecido preto justo e botas pesadas que a fazia sentir parte de todos os Caçadores de Sombras que vieram antes dela. E ajudava o fato de que ela tinha trazido a jaqueta de combate da mãe para a escola com ela – ela e sua mãe tinham a mesma estrutura física, mais curvilínea e arredondada do que a maioria dos Nephilim – e usá-la a fazia sentir mais próxima de Eleanor.
Thais sempre parecia glamurosa em seu equipamento. Era alta e esguia, com cabelos castanho-terroso longos com mechas douradas onde o sol os clareara. Ela tinha pele morena e sardas no nariz. Dru frequentemente pensava que pareciam opostos exatos – Dru mantinha sua pele clara longe do sol, e seu cabelo curto e cortado era tingido de preto como nanquim. Onde Thais era magra, ela era curvilínea; Thais era alta, Dru tinha se resignado a ter um metro e sessenta para sempre.
Nos pontos que realmente importavam, no entanto, elas combinavam perfeitamente. Ambas amavam filmes de terror, ficar acordadas até tarde, humor sarcástico, piadas internas e tudo sobre aprender a ser uma Caçadora de Sombras. Até as partes brutais, como o treinamento rigoroso: aprender a levar socos, a cair sem quebrar ossos, a escalar cordas apenas com a força dos braços até seus corpos ficarem sem força e escorregarem para o chão, apenas para fazerem tudo de novo um segundo depois.
Para Dru, o treinamento era uma maneira de esquecer tudo o que a assombrava. Para Thais, era uma maneira de provar a si mesma. Ela odiava falhar em qualquer coisa, o que provavelmente era por isso que ela estava franzindo tanto a testa agora enquanto olhava em volta para a vista inalterada: campos escuros cercados por sebes sombrias, árvores espalhando galhos pretos contra o céu noturno, a lua fraca pendurada sobre as colinas distantes. De alguma forma, elas tinham se afastado o suficiente da casa de fazenda para que não fosse mais visível; mais preocupante, Dru não conseguia ver – ou ouvir – nenhum dos seus colegas de classe também.
“As fadas pisam levemente na terra”, Luke tinha dito ao explicar a missão deles. “Elas deixam poucos sinais para trás, mas o treinamento pode os ajudar a identificá-los. Vocês têm aprendido esses sinais nas últimas semanas. Agora vão sair e encontrá-los.”
“E se pegarmos uma fada, e aí?” Isso veio de Mason Hardcastle, geralmente considerado o mais popular dos garotos do terceiro ano. Ele tinha traços finos e sempre parecia estar usando um suéter de caxemira jogado casualmente sobre os ombros. “Prender e trazer pra cá?”
“Vocês não estão caçando fadas”, Luke disse. “Elas deixaram pistas para vocês encontrarem. Vocês estão procurando por sinais do Povo das Fadas, não pelas fadas em si.”
“Que tipo de sinais?”, exigiu saber Paige Ashdown, parecendo achar toda a situação tediosa.
“As fadas tendem a trabalhar com coisas que já existem no mundo natural”, interveio Jane Cartwright. Dru lhe deu um sorriso encorajador – ela sempre gostou de Jane, que era geralmente tímida. “Então queremos procurar por coisas que parecem pertencer à natureza, mas são estranhamente bonitas ou cuidadosamente feitas. E devemos manuseá-las com cuidado.”
“Isso mesmo”, disse Luke. Ele olhou para todos eles com seriedade. “As fadas locais estão cooperando com este exercício. Não as façam se arrependerem de ter concordado em ajudar.”
Mason murmurou algo baixo, e Paige riu baixinho. Dru fez um gesto rude para Mason enquanto Luke explicava que todos iriam se dividir em grupos de dois ou três e vasculhar os terrenos da fazenda – Luke possuía mais de sessenta acres, então não era uma área pequena – até às sete horas da noite, quando teriam que retornar. Qualquer sinal de fadas que vissem deveria ser marcado no mapa.
Dru e Thais não precisavam perguntar uma à outra; elas já sabiam que seriam uma equipe. Thais virou-se para que Dru pudesse enfiar o mapa na mochila, segurando sua massa de cabelos ondulados para cima e para longe para que não se prendessem no zíper.
Mason Hardcastle se aproximou assim que Dru terminou com a mochila e deu um tapinha no ombro de Thais para indicar que ela estava pronta. “Talvez vocês duas devessem mudar um pouco”, ele disse. Baixou a voz. “Nós três somos os melhores aqui. Se formos uma equipe, vamos vencer.”
“O que, você não acha que seus amigos são os melhores?, perguntou Dru, arqueando uma sobrancelha, lançando um olhar sombrio para Paige, que estava olhando na direção deles. Ela conhecia Paige de Los Angeles – os Ashdowns tinham sido amigáveis com os Blackthorns, embora Paige mesma sempre tivesse sido desagradável. Ela havia zombado de Dru por suas roupas, seu peso e seu entusiasmo por filmes de terror, e tinha sido ainda mais cruel em sua atitude em relação a Ty. Ela nunca se desculpara por nada disso. Não, Dru não tinha muito tempo para Paige Ashdown.
“Eles são bons”, Mason disse em um tom despreocupado. “Mas vocês são melhores.”
“É um exercício, Mason, não uma competição,” disse Thais, virando-se. “Não tem isso de vencedores.”
“Sempre há vencedores”, Mason disse, mas ele não estava olhando para Thais. Ele estava olhando para Dru.
“Vamos lá. Deixa eu te ajudar.” Dru fechou o zíper de sua jaqueta de combate. “Some daqui, Mason.
Ele sorriu. “Drusilla,” ele disse. “Não finja que meus encantos não te atingem.
Dru deu de ombros. “Mas é verdade. Eu sou imune. Suas cantadas não me afetam.
Ela olhou para Thais, ignorando o olhar estreito de Mason. “Vamos então?
Thais piscou. “Partiu.
Dru se apressou para se juntar à multidão de estudantes que saíam da casa de fazenda pela estrada de terra que serpenteava pelos campos. Thais, ao lado dela, ficou em silêncio até que escalaram uma cerca e começaram a se afastar dos outros pelo capim alto.
“O Mason quer tanto que você seja a namorada dele.” Thais disse, parecendo divertida.
“Não. Ele não quer.” Dru disse, enquanto tirava sua estela e aplicava as runas – Verdadeiro Norte, Consciência, Clareza, Conhecimento. “Eu fiquei com ele na festa de fim de ano passado e na vez seguinte que nos vimos, a primeira coisa que ele disse foi que não significou nada.”
“Eu sei,” Thais disse, porque é claro que ela sabia. “Mas só porque ele disse isso não significa…”
“Sim, significa,” Dru interrompeu, rindo sarcasticamente. “Caras assim – eles querem ficar com uma garota gordinha, mas nunca admitiriam para os amigos que realmente gostam dela. Então ele fica por aí, esperando poder me arrastar para um canto em algum lugar para uma sessão de amassos fortes. Espreitando, espreitando, espreitando. Ele é como um… um crocodilo sexual.
“Um o quê? Thais riu.
Dru não conseguiu evitar um sorriso. “Crocodilos ficam espreitando debaixo d’água, esperando até que sua presa chegue perto o suficiente para atacar. Você não viu ‘Morte Súbita’?*”
“Ninguém além de você viu ‘Morte Súbita’, Thais disse, colocando limites em alguns filmes de terror, especialmente os mais sangrentos. Na opinião de Dru, não havia limites a serem colocados. Nada a assustava. Pelo menos não em filmes.
Isso tinha acontecido horas atrás, antes do pôr do sol. Agora a lua era= uma linha no céu acima e os campos que estavam em volta delas estavam tão escuros que mesmo a runa de Visão Noturna não estava ajudando com as sombras.
As árvores acima sussurravam com a brisa, fazendo Dru se arrepiar. Ela não estava assustada, lembrou a si mesma. Ela estava – preocupada. Onde os outros estavam? Por que não conseguia ouvi-los? Com toda certeza os outros alunos estavam circulando pelo campo, procurando sinais do povo das Fadas? Marcos de pedra, anéis circulares de cogumelos, musgo crescendo com padrões diferentes, comportamento estranho dos animais, principalmente dos pássaros…
Luke tinha dito que teria evidências para elas encontrarem, mas até agora elas não tinham visto nenhum cogumelo crescendo de forma suspeita ou um ramo de dente de leão soprado. De fato, elas encontraram foi porcaria nenhuma, como seu amigo Kit gostava de falar. Ele estava morando na Inglaterra nos últimos três anos e desenvolveu todo um novo jeito de falar, que Dru gostava de usar para implicar com ele.
Ela olhou para baixo. A runa Verdadeiro Norte se destacou fortemente no pulso dela. Ela virou o corpo, girando até a runa emitir um pequeno brilho que apareceu no ar momentos antes de desaparecer. “Pra esse lado”, Dru apontou. “O norte é pra lá.”
“Tudo bem”, Thais olhou em seu mapa. “Eu acho que é aqui. Campo Powells. Depois disso nós saímos da propriedade de Luke.” Ela suspirou. “Eu diria pra gente checar essa área, se não encontrarmos nada, nós voltamos. Se a gente falhar essa tarefa, nós vamos reprovar.”
“Tudo bem“, Dru olhou para o céu. “Eu vou pegar a metade oeste do campo. Você pega a parte leste. Nós nos encontramos no meio.”
Thais parecia ter duvidas. “É uma boa ideia se separar?”
“Não tem perigo. Nós estamos nos arredores da academia.”, Dru falou. “Vejo você em cinco minutos.”
Ela tocou gentilmente em uma mecha solta do cabelo da amiga e entrou nas sombras.
Ela não tinha ido muito longe quando começou a se arrepender de deixar Thais para trás. O campo não ficou mais claro – tinha pedras e buracos, e os saltos baixos da bota dela se prendiam no terreno desigual. Ela parou para aplicar uma runa Passos Precisos, mas isso não ajudou com as espinheiras que a arranhavam enquanto ela ia para a beira do campo, onde cercas vivas repletas de vegetação cresciam selvagemente embaixo dos carvalhos retorcidos.
Dru adentrou mais nas sombras, cuidando para não perder cachos de trevos de quatro folhas ou círculos das Fadas. O vento tinha ficado mais forte e balançava as folhas de uma forma que soava desconfortavelmente como ossos estalando. Ela estava a ponto de erguer as mãos e voltar pra encontrar Thais quando vislumbrou uma sombra estranha – uma abertura no centro de uma árvore.
Ela se aproximou mais. Tinha um forma arqueada no tronco da árvore, muito simétrico para ser natural. Dru se ajoelhou e espiou ali. Ela não conseguiu ver nada além de escuridão, mas um tipo esquisito de escuridão – uma escuridão que parecia se mover, se balançando um pouco.
Julian definitivamente me diria para não fazer isso, ela pensou, e enfiou a cabeça no buraco da árvore.
Aconteceu que a escuridão era peculiarmente superficial. Meio que um centímetro de escuridão, que dava lugar a um túnel iluminado por dentro. Um túnel que inclinava gentilmente para baixo, as paredes cobertas com raízes de árvores, uma luz fraca da tocha presa na parede. A tocha tinha uma qualidade pálida e veloz, como um fogo-fátuo dançando entre os galhos.
Luz de fada, Dru pensou. O coração dela estava batendo acelerado. Tudo que ela tinha que fazer era entrar no túnel e pegar a tocha – era uma prova concreta da presença de fadas. Com a mão na lâmina Serafim em sua cintura, ela se inclinou, o ruído seco da grama do prado dando lugar à terra seca.
O buraco na árvore era pequeno, mas com uma manobra ela estava dentro do túnel. Uma folha ficou presa no cabelo dela e ela sacudiu a cabeça impaciente, indo na direção da tocha.
Era claramente um trabalho de fadas, esculpido delicadamente em pedra cinza claro, queimando com uma chama sem fumaça. Enquanto ela esticava a mão para pegar, a chama aumentou, iluminando o túnel com uma claridade de dia.
O fogo diminuiu. Com sorte a runa de Visão Noturna de Dru a permitia ver o suficiente para notar que o túnel estava de repente cheio de movimento. E então ela ouviu um som. Um som estranho, agudo e repetitivo, como uma risada sem alegria.
Os pelos da nuca dela se ergueram. Ela arrancou a tocha da parede e voltou na direção da entrada do túnel.
Mas não parecia existir mais uma entrada no túnel. O corredor subterrâneo se estendia atrás dela, as paredes repletas de raízes e trepadeiras. Não havia sinal de uma entrada que levasse de volta para a noite.
Dru não conseguiu evitar de ouvir a voz de Julian em sua cabeça. O problema, Dru, não é que você não sabe quando algo é uma ideia ruim: o problema é que você vai em frente e faz do mesmo jeito.
Ela xingou baixinho, imaginando todo xingamento que conseguia pensar e alguns que tinha certeza que tinha inventado. Então suspirou, se encostou na parede e foi andando lentamente pelo túnel. Tinha que dar em algum lugar, mesmo que acabasse só a levando mais pra dentro do reino das Fadas.
Porque ela estava definitivamente no Reino das Fadas agora. Ela podia sentir que o ar tinha mudado. O jeito que antigas catedrais tinham o cheiro de pedras frias e tempo, o ar ali começou a ficar diferente, afiado e verde, não como um jardim, mas como os caules cortados das plantas. Tinha algo levemente familiar sobre isso, mas ela não conseguia entender porquê. Familiar, mas também ameaçador. As coisas pareciam se mover nas sombras e ela ouviu novamente aquela estranha e infantil risada. Ela começou a se mover tão silenciosamente quanto podia, para longe da risada, as costas encostadas na parede suja.
Mas o som aumentava cada vez mais. A tocha em sua mão tremeu, enviando barras oscilantes de luz pelas paredes do túnel. Ela ouviu um som que parecia chacoalhar, que acabou sendo o arranhão de uma dúzia de pezinhos apressados, já como viu um grupo de goblins saindo das sombras um momento depois.
Dru já tinha visto imagens de goblins antes, mas nunca tinha encontrado um na vida real. Eles eram ainda mais nojentos pessoalmente. Cerca de metade de sua altura, com pequenos corpos esqueléticos, vestidos com trapos imundos. Os pés deles pareciam com pés de pássaros com unhas em forma de garra; eles eram carecas, exceto por alguns fios de penugem branca, e sua pele era rosada e com protuberâncias, como pele de galinha depenada. Seus olhos eram enormes e amendoados, seus dentes eram irregulares e seus narizes não estavam lá. Eram mais como crateras em seus rostos.
Indignada, Dru teve vontade de chutá-los, mas cada um carregava uma arma: um machado bárbaro, uma adaga de bronze, uma faca longa e serrilhada. Eles eram pequenos, mas certamente a superavam em número. Ela xingou silenciosamente novamente enquanto eles a cercavam, rindo e conversando em vozes estridentes.
“Caçadora de sombras –”
“Eu vi eles antes, sim, eu vi –”
“Não, você não viu, Hogface, você teria nos falado –”
“Cale a boca então.”
“Parece deliciosa, parece muito.”
“Nos deixe dar uma mordida, apenas uma mordida então, Snagglee–”
“Calem a boca todos vocês.” A ordem foi dada pelo maior dos goblins, que vestia o que parecia os restos de um sobretudo infantil. Dru tentou não pensar na criança humana que aquelas roupas deviam ter pertencido. Com sorte, eles pegavam os restos do lixo.
O goblin – Snaggle, aparentemente – olhou de soslaio para Dru. Fazendo jus ao seu nome, ele tinha apenas um dente**, que estava visivelmente torto.
“Caçadora de sombras”, ele sibilou. “Que incomum, para uma de seu tipo, entrar em nosso reino.”
Dru ergueu o rosto e fez o possível para olhar pra ele com um desdém arrogante. Ela se perguntou por um momento se ela devia mencionar que seu irmão, Mark, era um consorte do Rei Unseelie, mas já como ela não sabia se estava na corte Seelie ou Unseelie, ela percebeu que isso poderia causar mais problemas do que solucionar.
“Nós temos uma trégua,” Ela disse, no lugar de responder. “Os Acordos proíbem você de me machucar, ou qualquer Caçador de Sombras.”
Para a sua tristeza, os goblins apenas riram. “Oh, uma trégua, uma trégua, de fato,” Snaggle disse. “Para honrar nossa trégua, não deveríamos dividir o mesmo pão?”
De uma mochila pendurada ao seu lado, ele tirou um naco do que indubitavelmente era pão. Um pedaço grande, com uma crosta marrom, e mais do que um pouco sujo.
Dru sacudiu a cabeça. “Esse não é meu primeiro contato com fadas, amigo,” Ela disse. “Eu não vou comer isso. E nem beber qualquer coisa que você me oferecer também.”
Os lábios de Snaggle se repartiram em um sorriso desagradável. “Você parece pensar que tem mais escolha do que tem, garota mortal.”
Ele entregou o pão para ela. Dru sacudiu a tocha na direção dele. “Se afaste.”
Snaggle jogou o pão no chão. “Agarrem-na,” Ele rosnou. “Levem-a para a Mãe Hawthorn.”
O sangue de Dru gelou. Mãe Hawthorn. Ela conhecia o nome, sabia que isso significava que aquelas fadas eram selvagens, não ligadas aos Acordos. Ela viu as armas brilharem nas mãos dos outros goblins, e deslizou a palma da mão ao seu lado, para alcançar sua lâmina serafim –
“Parem.”
A palavra foi como o estalar de um chicote. Ecoou pelo túnel. Os goblins congelaram, encarando, e Dru também, enquanto uma figura emergiu das sombras mais escuras.
Ele era alto e esguio, com o cabelo da cor de prata e neve. Ele vestia marfim e preto, como um tabuleiro de xadrez que ganhou vida. Suas roupas eram claramente trabalho do povo das fadas: elas tinham aquela aparência tanto de natural quanto de luxo. Uma capa de veludo preto, bordada com linhas prateadas, botas macias, uma túnica de seda com botões de madre pérola abertos no pescoço.
Ele deve ser da nobreza do reino das fadas, Dru pensou: suas orelhas eram ligeiramente pontudas, mas o restante parecia quase humano. Só que nenhum humano era tão lindo, com feições tão claramente esculpidas, delicadas e masculinas ao mesmo tempo. Ele não parecia muito mais velho que Dru, apesar de ser difícil dizer a idade de alguém do reino das fadas.
Ele passou o olhar frio pelo bando de goblins amontoados. “Vejo que você está se metendo em encrencas, como sempre, Snaggle,” Ele disse. “Apesar de não saber porque não te chamam de Nariz Perdido – honestamente, esse seu dente parece o menor das suas preocupações.”
“Meu lorde Príncipe,” Disse Snaggle. “Nós só estávamos –”
“Eu sei o quê vocês estavam prestes a fazer.” Disse o Príncipe das Fada.
(Um príncipe? Dru pensou. Se bem que houviam vários filhos do velho Rei Unseelie andando por aí, se ela se lembrava corretamente. Ainda assim. O quê um príncipe do reino das fadas estava fazendo ali, em algum lugar das Fadas Selvagens?)
“E você pode deixar essa ideia de lado. Essa Caçadora de Sombras está sob a proteção da minha Corte agora.” Ele lançou um olhar a Dru. Seu olhos – eles eram de um profundo verde claro. Como as pedras de vidro do mar que Julian adorava. “Sugiro que vocês sumam ou enfrentem as consequências.”
Snaggle sibilou. “A Mãe Hawthorn não vai gostar de você nos ameaçando.”
“Bem, eu não ligo muito para a Mãe Hawthorn,” Disse o estranho. “E eu duvido que ela seja tão apegada à sua pele miserável como você parece pensar. Mas eu fico perfeitamente contente em descobrir.” Ele levantou sua mão, sua palma aberta. Por um momento, uma chama clara parecia correr pelas pontas de seus dedos, a cor pálida da luz de bruxa. Como magia dos feiticeiros, Dru pensou. Surpresa após surpresa. “Devemos ver se ela sente sua falta se você sumir?”
Não foi Snaggle que desistiu primeiro. O resto do bando de goblins guinchou e correu, todos de uma vez, seus dedões com garras riscando o chão. Um momento depois, Snaggle os seguiu, e eles desapareceram nas sombras dos túneis.
O garoto fada – príncipe – assistiu enquanto eles partiam, com um leve ar de satisfação. Ele se virou para Dru, que ainda estava encolhida contra a parede, agarrada a sua tocha.
“Drusilla Blackthorn,” Ele disse. “Mais uma vez você aparece na minha vida. Sempre você, de todos os Caçadores de Sombras.”
Dru queria ficar de boca aberta. Ela se conteve – era muito difícil temer alguém boquiaberto, e ela queria que ele tivesse pelo menos um pouco de medo dela. Ou ficasse um pouco nervoso. Ela ficaria com nervoso, apesar de ele parecer a pessoa menos nervosa que ela já vira na vida. “Como você sabe meu nome?” Ela exigiu saber.
Os olhos dele se estreitaram. “Você deve estar brincando.” Ele disse. “Você se esqueceu? Você não pode ter se esquecido.” Ele soava genuinamente surpreso. “Foi apenas uma vez, mas eu sou extremamente memorável.”
Dru franziu o cenho. Alguma coisa estava se remexendo no fundo de sua mente. Uma memória, ela quase conseguia alcançar. Mas era como tentar lembrar de um sonho, muito tempo depois de ter acordado. O formato de uma memória estava lá, mas nenhum dos detalhes. “Luke fez você fazer isso?” Ela disse. “Isso é parte do teste?”
“Luke?” Ele soava intrigado, como se genuinamente não conhecesse o nome. “Ninguém me obriga a fazer nada. Eu nem achava que havia Caçadores de Sombras o suficiente fora de Idris para permitir tamanha imprudência. Um teste que demanda que os estudantes entre no reino das Fadas Selvagens está destinando-os à morte.”
Dru sabia que ela deveria ter medo. A realeza do povo das fadas era poderosa, estranhamente. E ela estava com medo – ela podia sentir, como um cristal gelado em seu estômago – mas ela também estava começando a se sentir irritada. Ela sabia que deveria ouvir a parte dela que estava com medo, não a parte que estava irritada, mas em sua opinião, não era assim que a irritação funcionava. “A lição,” Ela disse, “era apenas encontrar um sinal da presença de fadas perto da escola. Luke não me pediu para entrar no buraco da árvore. Eu fiz isso sozinha.”
“Caçadores de Sombras se gabam das coisas mais estranhas.” Sua voz era como uma canção fria.
“Eu estou sentindo que você não gosta muito de Caçadores de Sombras.” Dru disse.
Ele deu um passo em direção a ela. A luz bruxuleante da tocha brincava sobre o rosto dele. Havia algo de incomum nele, algo não inteiramente característico das fadas. Ela sabia como o sangue de fadas e humanos misturado se parecia, sabia como se misturavam, a linha mortal amenizando os traços afiados como gelo da beleza das fadas. Sua boca era volumosa e levemente curvada, porque estava travada em uma linha dura. “Vocês Nephilim tem muito poder,” Ele disse, “e se viram muito facilmente para as trevas. Eu já vi acontecer.”
“O quê você quer dizer com ‘você já viu’?” Dru olhou para ele desafiadoramente. “Como você poderia saber algo sobre Caçadores de Sombras? Ainda mais um que se voltou para a escuridão.” Ela estreitou os olhos para ele. “Você quer dizer os Nephilim em Idris?”
Nada mudou no olhar dele; era tão frio e pensativo quanto antes. “Mais do que isso,” Ele disse. “Eu quis dizer –”
“Ash!” A voz de um homem ecoou corredor abaixo. “Ash, onde você está?”
O príncipe – Ash – lançou um olhar sob o ombro.
Por um momento, ele pareceu menos como a realeza do povo das fadas e mais como um menino adolescente que havia sido pego usando o carro da família sem permissão. (Dru havia assistido um monte de filmes mundanos e havia formado a ideia de que isso acontecia constantemente.)
“Ash.” ela disse, devagar. “Eu conheço o seu nome –”
Uma careta cruzou o rosto dele. Ele a pegou levemente pelo pulso; o gesto assustou tanto Dru que ela deixou a tocha cair. Ela caiu no chão e estalou.
Ela sentiu ele pressionar algo em sua palma. A tocha que se apagava produzia uma estranha, pulsante luz, que piscava em seus olhos verdes com ouro. “Pegue isso,” ele disse. “Prova de presença do povo das fadas.”
Ele fechou os dedos ao redor do objeto. Seu toque era surpreendentemente quente, para quem parecia ter sido esculpido do gelo. Ash, Dru pensou, Ash, eu conheço você, eu sei quem você é –
As manchas de ouro em seus olhos pareciam encher a visão dela. Tudo se transformou em um metal escuro, e ela não podia mais ver o túnel ao seu redor, não podia mais ouvir a voz do homem chamando por Ash. Tudo que ela podia ver eram os olhos dele, e então até eles desapareceram na escuridão.
–
Dru acordou em um campo gramado. Amanheceu e a grama estava molhada de orvalho.
Ela se sentou, tremendo. Seu equipamento manteve a maior parte da umidade fora dele, mas seu cabelo estava molhado e enrolando, preso de forma desagradável na parte de trás do pescoço. Ela estava com frio e sua mão direita doeu.
Ela olhou ao redor. A última coisa de que ela se lembrava era de se afastar de Thais em direção a um bosque de árvores. Eles estiveram em um campo – este campo, ela percebeu – mas não muito depois do pôr do sol, e já era de manhã. Ela poderia dizer pela posição do sol que ele havia acabado de nascer.
Ela se levantou, estremecendo. A dor estava sua mão novamente. Ela olhou para baixo e viu que os dedos dela estavam cerrados em torno de um objeto brilhante.
Ela os abriu lentamente. No centro da palma da mão brilhava um broche em forma de
flor de papoula escarlate. Se enrolando em volta da flor haviam folhas e vinhas, lindamente
esmaltadas em verde e branco. Eram tão delicadamente trabalhado que parecia impossível que qualquer mãos o haviam feito e, de fato, Dru soube instantaneamente que não se tratava de trabalho humano. Este era um broche de fada.
Prova da presença das fadas. As palavras sussurraram no fundo de sua mente e desapareceram. A inquietação tomou o lugar. O que diabos aconteceu? O branco de sua memória era assustador. Horas que ela não conseguia lembrar. E onde estava Thais? Thais deve estar extremamente preocupada.
Colocando o broche no bolso por segurança, Dru começou a correr pelo campo rochoso, escalando a cerca do outro lado e caindo na familiar estrada de terra que ela sabia que a levaria de volta para a casa da fazenda. O ar ficou mais quente quando o sol subiu mais alto no céu, secando a umidade de suas roupas. Na hora em que ela conseguiu ver a Academia, seu cabelo havia secado em uma auréola desgrenhada.
O sol estava diretamente atrás da grande e velha casa de madeira, quase a cegando enquanto ela se aproximou. Ela não viu a multidão saindo pela porta dos fundos até que estava a apenas alguns metros de distância. Ela congelou, piscando, meio se perguntando se estava sonhando ou tendo algum tipo de visão bizarra.
A primeira pessoa a sair foi seu irmão, Julian. Julian, que deveria estar em Londres com Emma. Ele estava olhando para sua mão esquerda e dizendo: “A runa, ela simplesmente se ativou – ela tem que estar por perto, em algum lugar –”
Emma saiu de casa atrás dele e Mark o seguiu. Mark, que deveria estar na Terra das Fadas. E então Helen com a cunhada de Dru, Aline, e depois deles, Ty, seu cabelo escuro bagunçado, sua expressão ansiosa.
Emma viu Dru primeiro e segurou o ombro de Julian, arregalando os olhos. “Jules”, ela disse. “Ela está aqui.”
Juliano olhou. E um segundo depois ele estava correndo, e Dru foi pega nos braços do irmão. Ele a segurou com tanta força que ela pensou que poderia asfixiar, mas não se importou. Ela podia sentir o coração dele martelando, ouvir a falha em sua voz enquanto ele repetia o nome dela de novo e de novo. “Dru, Dru, Dru.” Ele se afastou, com as mãos nos ombros dela, os olhos azul-esverdeados – tão parecido com os dela e – analisando seu rosto. Ela sabia o que ele procurava: hematomas, cortes, qualquer sinais de ferimento. “Dru, onde você estava?”
E então todos os outros surgira ao redor dos dois, todos se abraçando e chorando indiscriminadamente, exceto por Ty. Ele ficou um pouco distante, longe da confusão de emoções, mas Dru percebeu que ele estava feliz em vê-la. Não apenas feliz – aliviado.
“Eu estou bem”, ela disse de novo e de novo, enquanto Mark, Emma e Helen a agarravam e abraçavam. E de repente Thais estava lá, e seus olhos estavam vermelhos e claramente inchados de tanto chorar. Ela soltou uma torrente de palavras em portugueses antes de agarrar Dru pela mão e cair em prantos. E Luke estava lá também, com Jocelyn, parecendo muito solene e sério e como se tivesse envelhecido um ano desde que Dru o viu na noite anterior.
“Gente”, disse Dru. “Pessoal.” Ela acenou com as mãos. (Ela ainda podia ver as marcas que o broche de fada havia feito na palma da mão dela, um lembrete estranho e nítido do que ela havia esquecido.) “Ok, não entendo. O que vocês todos estão fazendo aqui?”
Ela olhou de rosto em rosto, todos claramente com marcas de noites sem dormir. Lá havia sombras sob os olhos de Julian. Mark não tinha feito a barba; havia uma barba dourada pálida em suas bochechas. Emma parecia exausta.
“Nós rastreamos você até o limite da propriedade”, disse Luke. “Depois disso, o Tracking quebrou. Você tinha sumido, Drusila.”
“Sumido?” Dru disse. “Mas eu não entendo. Eu sei que fiquei fora a noite toda, mas…”
“Dru, você não ficou fora apenas a noite toda”, Julian disse gentilmente. Ela conhecia aquele tom de voz. Ele estava com medo e tentando não preocupá-la também. Ela se preparou para o que quer que ele pudesse dizer a seguir, mas mesmo assim, quando ele falou foi um choque. “Você esteve desaparecida por três dias.”
Notas da tradução:
*: A piada se perdeu na tradução, já como em inglês o filme se chama “Rogue Crocodille”, tendo ganhado o titulo de “Morte Súbita” no Brasil.
*: Snaggle, em inglês, se refere a alguém que tem um dente torto, fora de linha. Como é usado aqui como nome próprio, deixamos o original.
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