
Alwyn Hamilton
Tradução: Guilherme Miranda
Seguinte – 2025 – 464 páginas
Honora Holtzfall é herdeira da família mais poderosa de Walstad, que controla todo o dinheiro ― e a magia ― do país. Aos dezesseis anos, ela leva uma vida glamurosa sob os holofotes, frequentando as festas da alta sociedade com belos vestidos.
Quando sua mãe é encontrada morta, o comando e a fortuna da família se tornam alvo de disputa. Para garantir o seu lugar, Nora terá de enfrentar suas primas na Veritaz, a competição mágica que determina o próximo líder da linhagem. Mas ninguém contava com uma competidora surpresa: Lotte, filha ilegítima da tia de Nora, criada num convento no interior sem saber sua verdadeira identidade.
Para complicar, Nora descobre que a morte de sua mãe não foi um acidente, mas um assassinato. Com a ajuda de um jovem repórter arrogante (e inegavelmente charmoso), ela vai até o fim para descobrir quem está por trás do crime. Isto é, se conseguir sobreviver às provas mágicas ― e vencê-las.
Dependesse de mim, não teria parado de falar desse livro desde ontem, quando terminei de lê-lo. Ainda dependesse de mim, faria todos os bookstans lê-lo. Se dependesse de mim, a continuação, prevista só para o outono do hemisfério norte do ano que vem, já seria publicada. Não estou brincando: “Virtudes infames” assumiu o posto de melhor livro da ano, e não estou falando só sobre fantasia nova ou qualquer outra categoria. É o melhor livro que li esse ano, ponto. Claro que ainda falta um mês e meio para o ano terminar, mas acho muito, muito difícil alguém roubar o lugar de Lotte e Nora em meu coração porque essa trama aqui tem algo que eu simplesmente amo e que acho que todos nós deveríamos venerar: desenvolvimento de personagens feito de uma forma que faz sentido, sem pressa e sem forçar nenhuma das personagens a fazerem algo diferente do que fariam pelo bem da trama.
Pensei em mil formas de começar esta resenha porque estou empolgada (muito, confesso, muito mesmo) e quando fico assim tenho a mania de escrever demais, coisa que tenho tentado redimir em minhas últimas resenhas, caso alguém as leia pode já ter notado. Mas aqui parece impossível falar tão pouco sobre um livro que entregou TANTO (em caps mesmo) e jogou a barra lá pra cima. Conversando com a Mari aqui da equipe (que é fã, leu e resenhou a trilogia original da autora, “A Rebelde do deserto”, e você pode ler a resenha de cada volume individualmente clicando AQUI), soube que essa nova trilogia da Alwyn Hamilton demorou bastante para ser publicada – e, sinceramente, não sei por qual motivo levou a uma demora para essa publicação, mas só posso sentir muito por quem já esperava desde 2020 a publicação porque se eu, que cai de paraquedas, estou empolgada assim, imagina quem já era fã da autora e já queria esses livros? Enfim, o ponto aqui é que “Virtudes infames” se passa no mesmo universo que “A Rebelde do deserto”, mas é um spinoff independente, e acredito que somente há menções sobre povos e localizações que unem as duas, pelo menos neste primeiro volume. Agora senta ai que vou começar a panfletar esse livro que me prendeu em cada em um sábado o dia todo sem largar meu kindle.
Portanto, hoje, Mercy Holtzfall, chefe de sua família havia três décadas, perguntaria ao Huldrekall qual de suas netas era a mais digna de ser sua herdeira.
Era um rito que remontava a séculos.
Realizado por gerações.
Enraizado em sangue, costumes e juramentos ancestrais.
A sinopse entrega parte da trama: Honora “Nora” Holtzfall é a única filha de Verity, a filha herdeira de Mercy. A família Holtzfall escolhe um único herdeiro por geração desde que Honor conseguiu um machado diretamente das mãos de um Huldrekall, um ser imortal e que vivia entre uma floresta que continha seres ferozes e não completamente humanos. Temos toda a história de Honor, sua esposa e depois seus 3 filhos contadas como se fossem um conto de fadas em interludios entre os capitulos do livro, levando a entender como surgiram as provas Veritaz, onde o herdeiro ou herdeira de cada geração dos Holtzfall são escolhidos. Mercy, por exemplo, tinha 5 filhos: Grace, Prosper, Valor, Patiente e Verity, que ganhou a prova há 17 anos de quando a trama se passa, se tornando a herdeira de toda grande (e grande é pouco pra descrever) fortuna conquistada ao longo de gerações dos Holtzfall. Mas a trama também já abre com uma trágedia, porque Verity já foi morta em um suposto assalto que deu errado, e como a mulher tinha morrido antes de assumir o lugar de sua mãe, o post de herdeira novamente se encontrava vago, mesmo sua filha Nora estando ali e desejando muito o lugar.
Mercy então convoca novamente as provas Veritaz com suas quatro netas: Nora, a filha da agora falecida Verity; Clemency e Constance, filhas de Prosper; e ainda Modesty, filha de Patiente. É isso que aparentemente está acontecendo quando lemos o 1º capitulo da trama com o ponto de vista de Nora, que já entrega sua personalidade: aos 16 anos é arrogante, confiante e com uma língua afiadíssima, a jovem já detêm um domínio de magia acima da média e está confiante de que claro que irá ganhar as Provas Veritaz e receberá o machado no final – aqui preciso fazer uma pequena explicação: haverá uma quantidade de provas de acordo com a quantidade de participantes. Como aqui há 4, se imagina que haverão 4 provas para provar as virtudes de cada participante, e cada prova dá direito a um anel que permite a entrada daquela participante na floresta, onde ocorrera a busca final pelo Machado. Mas então o 2º capitulo começa e somos apresentados a Lotte. E foi bem ai onde me apaixonei pela trama de “Virtudes Infames”.
As irmãs sempre falavam para Lotte se arrepender. Para eliminar qualquer parte dela que não fosse virtuosa. Mas Lotte conseguia ouvir na mente dos outros como eles eram perversos.
Os pensamentos deles eram mesquinhos e furiosos e invejosos e gananciosos. E suas palavras eram muito desonestas enquanto sorriam na cara de Henriett e Lennart.
Ainda assim, era Lotte a única amaldiçoada?
Ela era a única que esfregava os pisos do convento até as mãos sangrarem, que dormia metade das noites no fosso de sarças, que passava a vida no convento até ser virtuosa o bastante para quebrar sua maldição. Por que deveria ter que se esforçar para ser mais virtuosa do que eles? Ela ouvia. Como gostavam de alimentar as chamas de seus pensamentos sórdidos em particular, pensando que ninguém sabia.
Mas Lotte sabia.
Lotte, apelido de Ottoline, é uma garota de também 16 anos que vive e no convento das freiras Sarça Sagrada. Lotte acredita que foi amaldiçoada porque foi isso que as Irmãs, bastante crueis, falaram para ela a vida toda, porque ela tem um dom que é raro: a habilidade ler pensamentos, Lotte aprendeu a usar seu poder para ser aceita e conseguir fazer a única amizade que tinha e não sei nem como começar a explicar o quão bem construída e complexa Lotte é: consciente de que ninguém irá lhe salvar depois de crescer em um ambiente tão hostil, ela já perdeu também o pudor de machucar quem a machuca. E temos um exemplo de introdução de uma personagem que não temos a menor ideia para que lado irá – confesso que pensei que Lotte seria a vilã e já estava com meu pano pronto para passar por todas as possíveis atrocidades que ela pudesse vir a fazer (ou no futuro também, deixo claro). Para surpresa da jovem, homens chegam a pequena cidade de Gelde, onde ela foi criada e ainda mora, atrás dela porque ela é a filha de Grace Holtzfall e irá participar das provas Veritaz, caso queira. Preciso falar mais?
A narrativa ainda trá mais 2 pontos de vistas e estes masculinos, sendo o primeiro de Theodric “Theo” Rydder, um cavaleiro da ordem dos Rydder que são presos a um juramente de seu ancestral, Hartwin Rydder, que ao salvar sua amada e fugir, recebeu a proteção de Honor em uma recém fundada Walstad para viverem ali em paz e em troca protegeriam Honor, sua família e toda sua linhagem. Theo é o tipico mocinho honrado e que tem Nora como praticamente uma irmã, mesmo vivendo para a salvar. Os cavaleiros de Rydder são uma ordem que me chamou bastante atenção, mas, por motivos de tentar evitar que esta resenha fique longa demais, preciso só afirmar que eles são literalmente obrigados a obedecerem o herdeiro que tem o machado de Honor, com a ordem tomando conta de suas vontades e desejos, e há um exemplo claro disto no livro. Theo perdeu o pai em um acidente junto com o pai de Nora anos atrás, e agora, com a morte de Verity, o irmão mais velho também, já como Alaric está desaparecido desde a trágica noite. O segundo ponto de vista masculino é o de August Wolffe, jovem de 17 anos que está tentando construir carreira como fotografo de um jornal da cidade. August é sugado para a trama principal quando Nora entende que sua mãe não foi morta em um assalto que deu errado por causa de uma foto que ele tirou do corpo da mulher – e não vou falar mais nada sobre como Theo e August são tentados o tempo inteiro em uma trama na qual as virtudes e os vícios são os condutores de uma forma maravilhosa.
— Imagino que algumas de vocês, como seus pais, venham me dizer que a Veritaz não é justa. — Dessa vez, seus olhos se fixaram no rosto azedo de tia Patience. — É previsível que, como na vida, os únicos que reclamem sobre justiça sejam os que perdem. E lhes direi o que sempre digo a quem vem chorar para mim: a vida é completamente justa para os que merecem.
Era uma filosofia que Nora tinha ouvido dezenas de vezes, em todas as lições de Herdeira com a avó. Os pobres eram pobres porque não tinham as virtudes dos ricos. Se fossem tão inteligentes, tão engenhosos e tão sábios quanto os ricos, também seriam ricos. E, dentro da família Holtzfall, virtude era tudo.
Ao redor da mesa, todos os olhos se voltaram para o machado.
A Veritaz havia evoluído ao longo das gerações, mas o objetivo das provas se manteve inalterado: ser o primeiro a trazer o lendário machado de Honor Holtzfall da floresta. À noite, Mercy Holtzfall daria o machado ao huldrekall imortal e faria a ele a mesma pergunta que Honor Holtzfall havia feito mil anos antes: quem realmente merecia herdar esse dom poderoso? E, como em toda geração antes delas, o huldrekall aceitaria ajudar a decidir qual das candidatas era a mais merecedora.
Então as provas começariam.
Caso você não tenha notado, os nomes dos Holtzfall são todos virtudes – Graça, Honra e sim, Ottoline, que significa prosperidade e sucesso em batalhas. E, como vocês podem imaginar, da mesma forma que essas virtudes tão infames são motivadoras de uma trama complexa no qual a família e seus segredos tão o centro, os vícios que cada um dos filhos de Mercy tem também entram nessa complicada equação, além dos próprios vícios da matriarca e de suas netas. O sistema de magia do universo criado por Alwyn é incrivelmente bom de acompanhar: não basta você ter a magia, você precisa de um amuleto para o canalizar. Há amuletos para proteção para acionar o fogo com grande labaredas e há também um protetor para evitar que usem magia contra você – e que pode ser usar pela própria Lotter para evitar de ler os pensamentos de pessoas que ela não queira. Obviamente este sistema de uso de magia não foi inventado aqui, mas é uma pequena evolução na forma como é usado que realmente prende qualquer leitor.
Como se não bastasse toda trama da família, preciso também ressaltar que há um grupo que deseja derrubar os Holtzfall do poder. Explicando um pouco melhor: os Holtzfall não são os detentores do poder politico (há um Governador), mas todos sabem que metade de todo poder da cidade, além de toda riqueza, está nas mãos de Mercy Holtzfall – a outra metade está nas mãos de Leyla Al-Oman, a proprietária da LAO, empresa que usa magia para criar a energia que alimenta a cidade. E as duas mulheres são as avós de Nora. O grupo de rebeldes começou como o Partido Popular Igualitário, que desejava a divisão da magia e do dinheiro para todos em Walstad, e agora eram só chamado de Grims. Liderados por Isengrim, homem que perdeu a família por causa de toda desigualdade social, o movimento está começando a crescer a ponto de começar a incomodar a família mais poderosa da cidade, levando a um trama que fala sobre meritocracia que corre ao mesmo tempo que as provas Veritaz acontecem, mas me permita afirmar algo: tudo que acontece aqui, até mesmo as pequenas informações que parecem somente deslocadas, se encaixam com perfeição de tal forma completamente satisfatória.
Enquanto as mentiras se desfaziam, pela primeira vez Lotte tomou plena consciência de si. Cada centímetro de sua pele estava faiscando de apreensão e expectativa, de alegria, raiva e medo. E era tudo dela. Pela primeira vez, sua mente não era invadida pelos pensamentos dos outros.
Ela estava viva.
E estava indo para casa.
Falei bastante aleatoriamente sobre a trama e personagens no geral porque realmente não tenho como organizar todos pontos sem entregar spoilers e não quero, nem mesmo de longe, estragar a experiencia de ninguém, mas vou falar sobre o desenvolvimento dos personagens que apontei lá no começo desta resenha: a forma como Lotte e Nora se conhecem e vão desenvolvendo o relacionamento entre elas é algo fenomenal de ler e se envolver. Não vou dizer para que lado vão os sentimentos de uma pela outra, mas quero afirmar que ver como não precisávamos de personagens honradas e bondosas em todos os quesitos é maravilhoso. As pessoas são cinzas, com milhares de tonalidades entre o preto e o branco, alternando entre todas as possíveis cores no meio, então por que não podemos ter personagens femininas principais assim? E pior: por que, quando a temos, são classificas como anti-heroínas? Uma heroína pode salvar as pessoas que ama mas também ser mesquinha com alguém que me feriu. Uma heroína pode ser gentil com a pessoa que tem carinho, mas também pode entregar um segredo capaz de destruir outra pessoa porque acredita que é o certo a se fazer. Não precisamos de personagens que se amem assim que se viram e precisamos sim de relacionamentos construídos a partir da convivência e da forma como vão se vendo. E nenhum livro conseguiu isso neste ano como “Virtudes infames” conseguiu.
Não tenho o que apontar de problema na trama porque simplesmente não vejo o que há de errado aqui. Se há algo mais que preciso apontar é como essa trama é realmente das mulheres porque além de entregar duas protagonistas fortes (mas minha favorita é a Lotte, desculpa), primas que competem entre si pela aprovação de alguém que nem merece, uma mulher líder de uma ordem de cavaleiros que luta como poucas pessoas, há aqui a definição de uma dinastia liderada por uma mulher controladora e mão de ferro, que não aceita não estar no controle de tudo, mas que talvez não vá conseguir tudo que quer. Seja como for, o que posso afirmar para todos que lerem está resenha, é que este livro tem muita infamia, mas muito mais virtudes do que estamos acostumados a ter nos livros atualmente. E quem ganhou fomos nós.
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