James Clavell
Revisão: Fábio Bonillo e Luiz Kobayashi
Editor: Naranjo
Arte de capa: Guilherme Match e Gabe
JBC – 2025 – 1120 páginas
O Japão feudal do século XVII, uma terra até então desconhecida pelo Ocidente, é palco de um intenso choque de culturas e de uma sangrenta batalha pelo poder. A trama apresenta Toranaga, um dos chefes das cinco famílias que passam a disputar o poder supremo do Japão após a morte do então regente do país. Estrategista e voraz, ele está disposto a tudo para se tornar o novo Shōgun. Em meio a essa disputa, chega à costa japonesa o inglês John Blackthorne. Nessa terra onde a linha entre a vida e a morte é tênue como o fio de uma navalha, ele se torna peça-chave nos planos de Toranaga. Blackthorne é obrigado a lutar pela sua vida ao mesmo tempo que tem seu caráter testado por uma paixão proibida. Poderoso e cativante, Shōgun captura tanto o esplendor quanto a crua realidade da vida no Japão feudal.
Como se resenhar um clássico? A resposta é bem simples: não se resenha. Posso apontar momentos da narrativa aqui, comentar os personagens e principalmente contar pra vocês sobre a nova edição do livro pela Editora JBC, mas tenho zero pretensão de conseguir elevar minhas impressões da trama ao que podemos ler em um livro que ganhou fãs ao longo de seus mais de 50 anos da publicação, inspirou uma série em 2024 premiadíssima e ainda faz fãs ao redor do mundo durante todos esses anos.
Meu primeiro contato com “Shogun” foi o filme dos anos 1980 que passava na TV em algum ponto, e eu, criança, o via. Não gostei, sendo bem sincera, e por muitos anos sequer pensei na trama, até que vi a nova Edição da JBC depois ver falarem tanto da nova série. Mas devo confessar que meu interesse de ler a obra e ver a nova série se deve a Stephen King, que deixou claro que amou a nova adaptação e que não gostava da versão antiga – e aqui um parêntese: se você não segue King nas redes sociais, você deveria, porque ele tem filtro 0 e dá suas impressões reais sobre filmes e livros. Atenção conquistada, meu próximo passo foi decidir ler o livro e ver a série (como toda boa bookstan) e o que ganhei foi uma real imersão na cultura japonesa de uma forma que jamais esperei e pensei sobre. Tanta informação, tanto conhecimento sobre uma cultura que eu sabia muito pouco e é tão rica, tão repleta de força e que definitivamente é o grande ponto da trama.
Sabia que todos tinham medo dele, até o capitão-mor, e que os homens, na sua maioria, o odiavam. Mas isso era normal. Era o piloto quem comandava no mar. Era ele quem determinava a rota e dirigia o navio. Era ele quem os levava de porto em porto.
Qualquer viagem, hoje, era perigosa, porque as poucas cartas de navegação que existiam eram tão vagas que se tornavam praticamente inúteis. E não havia absolutamente nenhum modo de determinar a longitude.
Como a própria sinopse deixa claro, John Blackthorne é um piloto inglês em um navio holandês. A trama se passa em 1600 e todos os países europeus estão testando as rotas maritimas – e aqui preciso falar que foi meu primeiro ponto de pesquisa sobre o livro e sua trama. Apesar de ser uma trama ficcional, é fortemente baseada em pessoas e acontecimentos históricos acurados e a rota que Blackthorne, o Estreito de Magalhães, no Chile, liga os oceanos Atlantico e Pacifico, e é, até hoje, estratégico para transportes marítimos. Nessa altura, bastante no começo, me dei conta que iria pesquisar bastante a trama, e eu estava completamente certa porque enriqueceu demais a minha leitura.
O navio de Blackthorne, o Erasmus, naufraga e ele é resgatado com poucos sobreviventes, e se tornam prisioneiros porque, aos olhos dos japoneses, aquelas pessoas não sabiam se portar. O choque cultural é tão intenso nas páginas quanto para o leitor. Por mais que a trama seja ambientada há mais de 4 seculos atrás, o modo como os japoneses viam sua vida era profundamente diferente do modo europeu, tanto quanto a religião quanto a costumes também. E isso fica tão claro que Blackthorne toma seu primeiro banho na país basicamente obrigado por que, para ele, europeu, banhos não eram algo diário. Quando já começando a entender melhor a sociedade na qual agora pode conviver com as pessoas e levado a presença dos outros sobreviventes navio que ainda estão presos, ele vê que realmente o banho era algo essencial – pois é, amigos. Sei que estou falando bastante sobre o choque cultural porque foi algo que me marcou como leitora, além de ser claramente uma peça fundamental na trama, então esperem diversas passagens marcantes sobre nas páginas do livro.
O padre interrogou novamente o chefe, que respondeu indicando a outra extremidade da aldeia, com uma longa explicação. O padre voltou-se para Blackthorne:
– Aqui os criminosos são crucificados, piloto. Você vai morrer. O daimio está chegando com os samurais. Deus tenha piedade de você.
– O que é “daimio”?
– Um senhor feudal. É o dono desta província toda. Como é que você chegou aqui?
– E “samurais”?
– Guerreiros, soldados, membros da casta guerreira – disse o padre, com crescente irritação. – De onde veio e quem é você?
– Não reconheço o seu sotaque – disse Blackthorne, para desconcertá-lo. – Você é espanhol?
– Sou português – enfureceu-se o padre, mordendo a isca. – Já lhe disse, sou o padre Sebastião, de Portugal. Onde você aprendeu um português tão bom, hein?
– Mas Portugal e Espanha são o mesmo país agora – disse Blackthorne, com altivez. – Vocês têm o mesmo rei.
– Somos uma nação separada. Somos um povo diferente. Sempre fomos. Hasteamos a nossa própria bandeira. As nossas possessões ultramarinas são separadas, sim, separadas. O rei Filipe concordou com isso quando roubou o meu país. – O padre controlou-se com esforço, os dedos tremendo. – Tomou o meu país à força de armas há vinte anos! Seus soldados e aquele tirano espanhol gerado pelo demônio, duque de Alba, aniquilaram o nosso verdadeiro rei. Que seja! Agora o filho de Filipe reina, mas também não é o nosso verdadeiro rei. Brevemente teremos o nosso próprio rei de volta. – E acrescentou, maldoso: – Você sabe que isso é verdade. O que esse perverso Alba fez ao seu país fez ao meu.
Enquanto Blackthorne vai aprendendo mais a se comportar entre os japoneses, toda uma trama envolvendo Yoshi Toranaga é explicada: um daimio com muito poder, que é basicamente um grande senhor feudal, e que enfrenta diversos inimigos. E preciso dizer que apesar de Blackthorne ser o fio condutor e personagem principal, é Toranaga que comanda a trama com sua inteligencia em um jogo de xadrez com os outros daimios, os quais chegam a tentarem se matar, mas nunca com força o suficiente para parecer um ataque envolvendo seus samurais e todo seu poderio. É literalmente um jogo de poder no qual Blackthorne vai se tornando uma peça cada vez mais importante em diversas cenas nas quais vai mostrando a inteligência e força entre os 5 daimios que governam o Japão depois da morte de seu regente e precisavam de intermediarios para conseguirem a seda chinesa, cada um tentando se tornar o Shogun, o líder militar que devia obediencia somente ao Imperador, mas que recebia a obediencia de todos os outros.
Mas também há o relacionamento de Blackthorne com Mariko, uma mulher japonesa que foi convertida ao cristianismo. A religião também se faz bastante importante na trama justamente porque alguns estão sendo convertidos ao cristianismo com o envio de jesuítas europeus para as terras asiáticas. Primeiro destinada para ser a pessoa que iria ensinar japonês para o homem, Mariko logo se torna objeto de sua admiração e ao passar tempo com a mulher, o relacionamento dos dois começa a se desenvolver em um romance, primeiro platônico, depois não mais. Só que tanto Mariko quanto Blackthorne são casados: a esposa dele está na Europa e o marido dela envolve toda uma trama sobre sua família e há motivos pelos quais estão “separados”. Confesso que não consegui me apaixonar pelo romance de ambos justamente por este motivo, mas a trama não se apressa, entregando um romance construído na convivência, troca e respeito, e é um dos pilares da trama, culminando em um dos pontos altos da trama.
Shōgun era o último posto que um mortal podia atingir no Japão. Shōgun significava “supremo ditador militar”. Apenas um daimio de cada vez podia assumir o título. E apenas Sua Alteza Imperial, o imperador reinante, o Divino Filho do Céu, que vivia segregado com a família imperial em Kyōto, podia outorgar o título.
Com a atribuição do título de shōgun vinha o poder absoluto – o selo e o mandato do imperador. O shōgun governava em nome do imperador. Todo poder derivava do imperador, já que ele descendia diretamente dos deuses. Portanto, todo daimio que se opusesse ao shōgun estava automaticamente em revolta contra o trono, era imediatamente banido e todas as suas terras eram confiscadas.
O imperador reinante era adorado como divindade por ser descendente em linha direta da deusa do Sol, Amaterasu Ōmikami, e por ser um dos filhos dos deuses Izanagi e Izanami, que, do firmamento, haviam formado as ilhas do Japão. Por direito divino, o imperador reinante possuía toda a terra, reinava e era obedecido sem contestação. Mas, na prática, havia mais de seis séculos o verdadeiro poder assentava por trás do trono.
Como já mencionei, James Clavell se baseou na realidade histórica do Japão e de um piloto inglês para contar essa história depois de muita, muita pesquisa, tanto que não é o único livro dele sobre o Japão nesta época (no aguardo da JBC trazer os outros livros!) e que provavelmente serão a inspiração para a segunda temporada da série, que ganhou uma segunda temporada depois da tão premiada primeira. Estrelada por Hiroyuki Sanada (Toranaga), Cosmo Jarvis (Blackthorne) e Anna Sawai como Mariko, a série dem 10 episódio já completamente disponíveis no Disney+ e é um completo deleite, tanto em ambientação, quanto em elenco e, principalmente, como adaptação, mas deixo claro que o livro é sempre o livro e sempre ganharão em comparação a qualquer série ou filme.
Não quero encerrar sem falar sobre a nova edição da JBC, que vem com uma sobrecapa fazendo menção a série do Disney+ e uma capa belessima por baixo, feita especialmente para esta edição, assim como os símbolos das famílias e artes que estão presentes nas páginas do livro. É uma edição belessima e que não tem um único defeitio, feita com capricho por fãs dos livros porque convesei com Naranjo e vi nele o tipo de empolgação que qualquer bookstan tem por ums história que ama. Acredite nesta que vos fala: se você deseja ler um livro que fala sobre a cultura oriental, sobre xintoísmo, suas tradições (até mesmo sobre o jigai/seppuku) e uma trama construída paulatinamente com foco no desenvolvimento e um filme agridoce, a dica está mais do que entregue.
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