Stephen King
Tradução: Regiane Winarski
Suma – 2025 – 144 páginas
Abril de 1980. Em uma ilha na costa do Maine, um homem é encontrado morto por um casal de estudantes. Agora, anos depois do ocorrido, os jornalistas locais Dave e Vince reconstroem o caso ao lado de Stephanie, estagiária do Weekly Islander, e apuram o que pode ter acontecido com o indivíduo que ficou conhecido como o Garoto do Colorado.
Contudo, quanto mais eles analisam os desdobramentos e as circunstâncias desconcertantes da morte, menos entendem a conjunção que levou ao fim do sujeito. Foi um crime de caso pensado? Uma fatalidade? Ou há algo mais? Reunindo as teorias dos jornalistas e as de Stephanie, o trio revive cada detalhe da primavera de 1980, tecendo possíveis desfechos que envolvem as pontas soltas do incidente.
Em O Garoto do Colorado, Stephen King cria uma história que desafia qualquer resposta e tece uma narrativa cujo tema é nada menos que a natureza do próprio mistério.
Pensei tanto sobre como abrir esta resenha e a verdade é que a melhor coisa que posso dizer é que é um privilégio poder ler livros do Stephen King. E falo isso com a maior sinceridade possível, me questionando como que este senhorzinho estadunidense consegue me fazer gostar até de coisas que normalmente não gosto, mas também sabendo a resposta: King escreve sem pretensão de mudar o mundo ou qualquer opinião de qualquer pessoa sobre qualquer coisa. Ele já entendeu que cada um vai pensar o que quiser. Ele sabe. Ele já chegou lá. E ele só quer contar as histórias dele da forma como acha melhor, então me permita dizer que você consegue, King. Você consegue.
Publicado em inglês em 2005 e com a sua publicação acontecendo hoje aqui no Brasil com uma edição da sempre maravilhosa Suma, a história de “O Garoto do Colorado” traz um King bastante direto ao ponto, com uma narrativa rápida e curta para seus padrões – qualquer livro de 300 páginas pro autor é curto, imagina um de menos de 200? – e sendo uma narrativa de uma conversa entre 3 personagens em sua maior parte, este livro te leva a investigar um assassinato com pistas completamente escassas, em um mistério que perdura mais de 25 anos dentro do livro. E, sinceramente, tomarei cuidado a partir de agora sobre o que falarei porque qualquer coisa pode ser considerada spoiler.
O sol estava quente, o ar estava fresco, a brisa doce carregada de sal e do som dos sinos e sirenes e da água batendo. Esses eram sons que ela passou a amar num pequeno intervalo de semanas. Os dois homens estavam sentados um de cada lado dela, e apesar de ela não saber, ambos pensavam mais ou menos a mesma coisa: A idade acompanha a beleza. E não havia nada de errado nisso, porque os dois entendiam que suas intenções eram perfeitamente firmes. Eles entendiam o quanto ela podia ser boa no trabalho e o quanto queria aprender; essa avidez bonita fazia um sujeito querer ensinar.
A história abre com Vince Teague,David Bowie e Stephanie McCann nos tempos atuais da publicação, almoçando com um jornalista de um jornal de Boston, que entendeu que não conseguiria nada do que ele esperava do trio. Pagando a conta e correndo para pegar a embarcação para sair da ilha de Moose-Lookit, no Maine, a história começa a se desenrolar primeiro sobre como a sociedade local, que vive das épocas de veraneios, sobrevive e divide usa gorjetas. Parece uma velha conversa entre 2 pessoas bem mais vividas, repórteres do Weekly Islander, o jornal local, e a jovem estagiaria de 22 anos. Esta trama é tão, tão completa que aparentemente do nada King lança menções a Agatha Christie, Sherlock Holmes e até mesmo à Bíblia, por que vamos ser sinceros: um mistério é bom, mas até onde aguentamos? Até que ponto nossa mente consegue entender que há muito mais ai fora do que conseguimos compreender? Como lidamos saber que há coisas que nunca, absolutamente nunca, vamos entender completamente ou sequer saber como existem? Há muito a se questionar, mas todas se deparam com a pequines humana, e quanto a isso, precisamos somente acreditar.
Vince é um idoso na casa dos 90 anos, enquanto Davie, 25 anos mais novo, vivem na filha de Moose-Lookit a vida inteira e agora recebiam a jovem como estagiaria e a quem carinhosamente chamam de “Steffi”. Depois do choque cultural de ir para uma pequena ilha, a jovem mulher agora já se encontrava integrada a vida do lugar, até mesmo entendendo o complicado sotaque do interior. Mas houve algo naquela conversa que deixou Steffi desconfiada: como dois jornalistas tão experientes como Vince e Davie não tinham nenhum caso estranho para contar ao repórter que saíra de Boston para pesquisar esse tipo de caso por ali? A resposta veio de forma simples: havia, mas a dupla havia escolhido não contar para o repórter forasteiro, para a estagiaria, eles contariam. E pra gente também.
— O que mais acontece é que as pessoas inventam uma história e ficam nela — disse Vince. — É fácil fazer isso desde que haja um único fator desconhecido: um envenenador, um conjunto de luzes misteriosas, um barco que encalhou com a maioria da tripulação desaparecida. Mas, com o Garoto do Colorado, não havia nada além de fatores desconhecidos, e por isso não houve história. — Ele fez uma pausa. — Era surreal, como um trem saindo de uma lareira ou um monte de cabeças de cavalo aparecendo uma manhã na frente da sua garagem. Nada tão grandioso, mas muito estranho. E coisas assim… — Ele balançou a cabeça. — Steffi, as pessoas não gostam desse tipo de coisa. Não querem esse tipo de coisa. Uma onda é bonita de se olhar quando quebra na praia, mas um monte de ondas deixa a gente mareado.
Em uma manhã de abril de 1980, antes da aula, o casal Nancy Arnault e John Gravlin corriam pelo pier do lugar quando encontraram um homem encostado em uma lixeira inclinada. Depois de confirerem, os jovens entenderam que o homem estava morto e chamaram o policial – e Vince terminou sendo chamado também. Lembrem-se: cidade pequena, os jornalistas eram chamados para noticiarem o que era de interesse da sociedade e reportar tudo. O médico legista também estava na cena e depois de algumas parcas analises, algumas coisas foram constantadas: o homem estava morto e já apresentava rigor mortis e provavelmente havia se engasgado com algo que comia.
A questão é que ninguém reconheceu o corpo. Mais uma vez, o contexto histórico era os anos 1980, não havia internet, não havia catálogo de registro criminal de DNA e muito menos dados compartilhados por computadores em um sistema integrado judicial norte-americano e em lugar nenhum do mundo, claro. Mas como tudo neste caso, haviam pessoas dispostas a pensarem e se empenharem, e é assim que um jovem estudante de direito, que um dia já estagio com alguns detetives bastante desempenhados tem uma ideia sobre como ajudar a resolver quem o morto era. E é a partir dai que ganharia a alcunha de “O Garoto do Colorado”, outro estado estadunidense.
— Tem outra coisa — disse Dave depois de um tempo.
— O quê? — perguntou ela.
— É nossa — disse ele, e com força surpreendente. Ela achou que era quase raiva. — Um cara do Globe, um cara de fora… ele só ferraria tudo. Ele não entenderia.
— Você entende? — perguntou ela.
— Não — disse ele, se sentando de novo. — Nem preciso, querida. Quando o assunto é o Garoto do Colorado, eu sou como a Virgem Maria depois que deu à luz Jesus. A Bíblia diz algo tipo: “Mas Maria ficou em silêncio e ponderou essas coisas no coração”. Às vezes, com mistérios, é o melhor a se fazer.
Toda investigação é contada desse jeito, em uma narrativa pelos olhos de Vince e Davie, que contam a Steffie o que conseguiram descobrir e como chegaram avante naquela investigação com um corpo, um maço de cigarros, 17 dólares e algumas moedas, entre elas uma russa. Mas não se engane, a personagem principal deste livro é o próprio, um quebra cabeças que claramente não contem todas as peças e que leva dois jornalistas com vontade de trabalharem a quebrarem a cabeça tentando montar algo que parece impossível de motar. A curiosidade de Steffi a leva a embarcar na conversa, fazendo as perguntas certas em momentos certos, e, se posso apontar outro ponto alto além do próprio mistério é justamente o relacionamento que estas 3 personagens desenvolvem.
Outro ponto que digo que ganha todo o livro é o Posfácio e não, não posso falar muito sobre ele, só dizer que King recebeu a inspiração de um amigo para este livro de uma história real onde uma mulher também era assassinada e nada se encaixava. Atualmente, se tenho um sonho, é de conhecer o King porque tenho tantas, mas tantas perguntas pra ele, mas definitivamente a minha primeira pergunta viria deste livro e das suas 6 hipóteses finais mencionadas nesta parte do livro. No final das contas, o que preciso deixar claro que é sempre maravilhoso embarcar em qualquer história do autor – e que ainda bem que ele sabe o que consegue. Ainda bem, Stephen. Ainda bem.
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